Há 201 anos, o Brasil se tornava independente do domínio português e assumia seu caminho como nação. Mas, pelo menos no transporte público coletivo urbano, atualmente o Brasil segue tendo muito o que aprender com nossos ex-colonizadores. Depois de sofrer por décadas com a degradação do sistema de mobilidade urbana e suas consequências para as cidades e população, Portugal transformou o transporte público em protagonista do direito e da justiça social no País.
E, o que é melhor: começa a colher os frutos. O detalhamento dessa mudança foi apresentado em um dos mais interessantes painéis da Arena ANTP, o Congresso da Associação Nacional de Transportes Públicos, realizado entre os dias 24 e 26/10, em São Paulo. Sonia Alegre, administradora da TML (Transportes Metropolitanos de Lisboa), foi quem explicou a transformação que a Grande Lisboa - que compreende 18 municípios - vem promovendo ao implantar uma autoridade metropolitana de transportes.
Para quem não sabe, a TML é a autoridade subordinada à Área Metropolitana de Lisboa, espécie de consórcio formado pelas Câmaras (como prefeituras) das cidades da Grande Lisboa.
DECISÃO DE PRIORIZAR O TRANSPORTE PÚBLICO COLETIVO, MAS COM COMPENSAÇÃO DA DIFERENÇA TARIFÁRIA
Sonia Alegre explicou que o primeiro passo foi a decisão de que, diante da perda de passageiros nos ônibus e o crescimento do uso do automóvel na área metropolitana de Lisboa, o governo entendeu que a única solução era reduzir a tarifa para atrair usuários. Vale ressaltar que, naquela época, existiam 7 mil tarifas diferentes sendo praticadas nos transportes coletivos, número que foi reduzido para apenas duas tarifas.
O fato de Portugal ter que atender à agenda ambiental da União Europeia, com prazos e metas ambiciosas voltadas à redução da poluição ambiental, colaboraram para a mudança. Principalmente sob o aspecto político. Ao ponto de o transporte público coletivo ser custeado com fundos ambientais subordinados ao Ministério do Meio Ambiente e, não, aos Ministérios das Cidades ou Infraestrutura, como acontece no Brasil.
E mais: os recursos saem de diversas fontes pagas pela sociedade - a gasolina entre ela.
“Nosso problema era gigante e muito parecido com o que vemos no Brasil e em outros países. Ao mesmo tempo em que a população da área metropolitana precisava de soluções urgentes, pagava caro por um serviço precário, uma rede incompleta e complexa”, afirmou Sonia Alegre, durante a apresentação.
Assim, os prefeitos das 18 cidades da Grande Lisboa tiveram que se unir ao governo central do País e trabalhar para reduzir o preço da passagem e unificar o pagamento da tarifa em todos os modais de transporte, passando a tratar a mobilidade da região metropolitana de Lisboa como um sistema único.
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Vale destacar que o poder público cobriu a diferença - e segue cobrindo - do custo de operação para manter a passagem num valor social. São investidos, em média, entre 300 e 400 milhões de euros por ano em subsídios públicos.
Cada município tem uma participação financeira no sistema de transporte, calculada e dimensionada de acordo com a sua participação na demanda de passageiros (Na apresentação que integra essa reportagem confira os recursos disponibilizados por cada um dos 18 municípios).
“Assim, reduzimos para dois cartões que podem ser utilizados nos ônibus, metrôs, trens ou barcos. O passageiro pode trafegar entre todos esses modos pagando uma tarifa única e usando um único”, seguiu explicando. As transformações começaram a ser desenhadas ainda em 2019, mas foram efetivadas a partir de 2021, ainda na pandemia de covid-19.
AVANÇOS EM NÚMEROS
Abril a Dezembro 2019:
Mais de 6,2 milhões de passes carregados ( 25%)
• Mais de 398 milhões de validações com passe ( 32%)
• 477 milhões de passageiros de transportes públicos (18% )
• Mais 97 milhões de utilizações com passe ( 32%).
• Menos 24 milhões de títulos ocasionais validados (23,5%)
Receitas totais (Milhões €)
2018 - 505,9
2019 - 534,8
2020 - 428,9
2021 - 496,4
2022 - 534,8
Oferta de frota (Milhões veíc.km)
2018 - 116,3
2019 - 117,5
2020 - 107,9
2021 - 121,1
2022 - 125,8
Demanda de Passageiros (Milhões)
2018 - 534,5
2019 - 614,2
2020 - 348,5
2021 - 374,7
2022 - 549,3
GESTÃO DO TRANSPORTE E DA BILHETAGEM ELETRÔNICA PASSOU PARA O PODER PÚBLICO
Outra mudança importante foi que, após a unificação do sistema, a bilhetagem eletrônica saiu do controle do setor privado e foi assumida pelo poder público. E os operadores passaram a responder a uma única autoridade, e a receber de um sistema unificado.
“O usuário tinha uma má experiência de utilização do transporte. Adiciona-se a isso que mais de 87% desses sete mil tipos de tarifas custavam acima de 40 Euros mensais. O novo tarifário custa 40 Euros no máximo, qualquer horário, qualquer operador, seja ônibus, barco ou trem”, afirmou Sonia Alegre.
PASSE PARA TODA A FAMÍLIA USAR O TRANSPORTE PÚBLICO
Os 18 municípios que compõem a Grande Lisboa reúnem três milhões de habitantes. Além do cartão de uso diário, a remodelagem do sistema permitiu a criação do Passe Família, que disponibiliza aos pais e aos filhos do casal - independentemente da quantidade - usarem o transporte em toda a região de forma ilimitada durante um mês e pagando no máximo 80 Euros, o que corresponde a dois passes metropolitanos.
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“Essa política provocou uma efetiva redução nos gastos com transportes feitos pelas famílias da Grande Lisboa e atraiu mais passageiros. Mas, mesmo assim, a tarifa continuou sendo insuficiente para sustentar o sistema de transporte. Por isso, a base do acordo entre o governo central e os municípios foi a garantia, de forma permanente, de que o sistema seria subsidiado, e a tarifa congelada permanentemente”, destaca Sonia Alegre.
O exemplo da Região Metropolitana de Lisboa vale para o Brasil em geral. Mostra que tudo é decisão de gestão, política e administrativa. Para quem não sabe, a Grande Lisboa tem metade da extensão da Região Metropolitana de São Paulo, mass, por outro lado, é 10% maior que a Região Metropolitana do Recife, por exemplo.
PROMESSA DE SUBSÍDIO PERMANENTE MESMO COM DEMANDA AINDA OSCILANTE
Durante a apresentação no Arena ANTP 2023, a representante da Autoridade Metropolitana de Lisboa garantiu que o governo está decidido a subsidiar o sistema o quanto e por quanto tempo for necessário para que o preço da tarifa não suba e a qualidade seja mantida. Mesmo com o crescimento da demanda não sendo o esperado - ainda reflexo da pandemia de covid-19.
“Entendemos (governo central) que essa era e continua sendo a melhor solução para estimular o transporte público coletivo e fazer as pessoas reduzirem o uso do automóvel. Assim, reduzir as emissões de poluentes e melhorar a vida das pessoas. O subsídio é pago por toda a sociedade. É uma medida social e alguém tem que financiar essa medida”, enfatizou.
A redução tarifária, de fato, provocou um crescimento da demanda na ordem de 15%, percentual a mais verificado na venda dos passes metropolitanos (chamado de Navegantes). Em 2018, o sistema registrava 534 milhões de passageiros. E em 2019, ano em que a nova rede começou a operar, subiu para 614 milhões de passageiros.
A pandemia de covid-19 provocou uma redução drástica na demanda, que caiu para 348 milhões, mas em 2021 e 2022 voltou a subir lentamente, chegando a 374,7 e 549,3 milhões de passageiros, respectivamente.
CONFIRA UMA AMPLA APRESENTAÇÃO DAS MUDANÇAS NA GRANDE LISBOA:
A revolução de política tarifária da Grande Lisboa by Roberta Soares on Scribd