Trânsito, transportes e mobilidade urbana, com Roberta Soares

Mobilidade

Por Roberta Soares e equipe
SEGURANÇA VIÁRIA

Ciclofaixas viram pistas de motos no Recife e colocam ciclistas em perigo

Vale o alerta: circular em ciclofaixas ou ciclovias prevê multa de R$ 880,48. É infração considerada gravíssima e que ainda resulta em 7 pontos na CNH

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Roberta Soares

Publicado em 07/05/2024 às 11:37 | Atualizado em 07/05/2024 às 20:12
As reclamações de ciclistas têm aumentado, inclusive, devido ao risco de sinistros de trânsito, já que os flagrantes estão por toda a cidade - JAILTON JR./JC IMAGEM

As ciclofaixas do Recife estão virando pistas de motos. É isso mesmo que você leu. Tem sido cada vez mais comum ver motoqueiros - não só entregadores, mas também Uber e 99 Moto com passageiros na garupa - utilizando as ciclofaixas para escapar de retenções ou ganhar vantagem em ultrapassagens ou em travessias com semáforos.

As reclamações de ciclistas têm aumentado, inclusive, devido ao risco de sinistros de trânsito (não é mais acidente que se define, segundo a ABNT), já que os flagrantes estão por toda a cidade. Principalmente em ruas e avenidas que têm constante registro de retenções ou congestionamentos.
E como quase a totalidade da rede cicloviária do Recife é estruturada em ciclofaixas - quando a segregação do tráfego de veículos não é física, apenas com obstáculos pontuais e sinalização -, a vulnerabilidade para quem usa a bicicleta é ainda maior.

MULTA POR CIRCULAR NAS CICLOFAIXAS É DE QUASE R$ 900

“Estou com medo de pedalar nas ciclofaixas, confesso. Tenho visto com muita frequência motoqueiros invadindo as estruturas e, por pouco, não atropelando ciclistas que passam. É impressionante. Muitos, inclusive, fazem isso na frente da fiscalização de trânsito”, desabafa o estudante Carlos Henrique Ferreira, que usa a ciclofaixa da Rua Amélia, nas Graças, Zona Norte da capital, onde mais presencia as invasões.

"Vivencio este problema de invasão das motos às ciclofaixas todos os dias. Avenida Fernandes Vieira, Rua Montevidéu, Rua do Futuro etc. Basta um simples congestionamento para que os motociclistas adentrem pelas ciclofaixas. E a CTTU não fiscaliza! Qualquer hora pode acontecer um sinistro", reclama o servidor público estadual Klauber de Castro Teixeira.

Flagrantes são comuns, principalmente, em ruas e avenidas que têm constante registro de retenções ou congestionamentos - JAILTON JR./JC IMAGEM
Flagrantes são comuns, principalmente, em ruas e avenidas que têm constante registro de retenções ou congestionamentos - JAILTON JR./JC IMAGEM
Mais de 1 mil condutores são multados por dia por trafegar em ciclovias ou ciclofaixas no Brasil. No Recife, foram 1 mil num mês - JAILTON JR./JC IMAGEM

Muitos motoqueiros confiam na impunidade de que não serão flagrados e, assim, deixarão de ser multados em R$ 880,48 por cometer uma infração considerada gravíssima e que ainda resulta em 7 pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH).

CICLOFAIXAS TÊM CADA VEZ MENOS OBSTÁCULOS PARA PROTEGER OS CICLISTAS DO TRÁFEGO DE VEÍCULOS

O crescimento das invasões das ciclofaixas é validado também pela Associação Metropolitana de Ciclistas do Recife (Ameciclo). Crescimento, vale destacar, provocado, principalmente, pelo aumento do número de motocicletas circulando pela cidade - uma consequência da explosão do serviço de aplicativos de transporte de passageiros com motos, como Uber e 99 Moto, além dos delivers.

Números das próprias plataformas de transporte confirmam o crescimento do serviço e, consequentemente, de motos nas ruas. Ao mesmo tempo, é perceptível que a Prefeitura do Recife tem economizado no uso de obstáculos que protejam os ciclistas enquanto pedalam nas ciclofaixas. Cada vez vemos menos tachões e mini-blocos nos equipamentos para segregá-los do tráfego motorizado. Isso é outra grande reclamação dos ciclistas.

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“Por isso lutamos tanto pela implantação de ciclovias no lugar de ciclofaixas. E por elementos de proteção, como mais tachões e mini-blocos. Quanto mais, maior a segurança. Os motoqueiros estão invadindo as estruturas exatamente porque esses obstáculos estão cada vez mais distantes um dos outros, expondo quem pedala”, confirma Bárbara Barbosa, coordenadora da Ameciclo.

É preciso considerar que dos 191,5 km da rede cicloviária da cidade, mais de 90% são de ciclofaixas. As ciclovias - que têm a separação total do tráfego de veículos - são poucas na cidade. Atualmente, temos ciclovias apenas nas Avenidas Boa Viagem, Agamenon Magalhães e um trecho da Avenida Norte. O restante são ciclofaixas - quando a separação é parcial, feita com tachões ou mini-blocos - e ciclorrotas - quando existe apenas a sinalização para compartilhamento da via.

O aumento do risco de se trafegar em ciclofaixas e, também, em ciclovias, se reflete nos números. De acordo com os últimos dados disponíveis do Ministério da Saúde, em 2022, 1.346 ciclistas perderam a vida no trânsito brasileiro. Para se ter ideia do crescimento da letalidade, as vítimas ciclistas representavam, em 1996, 0,9% do total dos óbitos no trânsito brasileiro, e agora são 3,97%.

MAIS DE 1 MIL CONDUTORES SÃO MULTADOS POR DIA NO BRASIL POR CIRCULAR EM CICLOFAIXAS

Circular em ciclofaixas ou ciclovias prevê multa de R$ 880,48. É infração considerada gravíssima e que ainda resulta em 7 pontos na CNH - JAILTON JR./JC IMAGEM
Circular em ciclofaixas ou ciclovias prevê multa de R$ 880,48. É infração considerada gravíssima e que ainda resulta em 7 pontos na CNH - JAILTON JR./JC IMAGEM

Mais de 1 mil condutores são multados por dia por trafegar em ciclovias ou ciclofaixas no Brasil. Apenas em fevereiro de 2024, segundo dados oficiais do Registro Nacional de Infrações (Renainf), mais de 34 mil infrações de veículos trafegando em ciclovias ou ciclofaixas foram registradas no País.
No Recife, por exemplo, mais de 1 mil veículos foram notificados por transitar ou estacionar em ciclofaixas e ciclovias apenas no mês de março de 2024, segundo a Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU).

Os números são alarmantes, se considerarmos que os ciclistas são elementos frágeis do trânsito. Segundo a Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), o deslocamento de bicicleta como transporte nas cidades brasileiras ainda é de alto risco.

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Por quilômetro percorrido, quem se deslocam através de bicicletas têm oito vezes maior probabilidade de morrer em um sinistro de trânsito do que ocupantes de um veículo de passeio.

O perigo de usar a bike como transporte - exatamente devido às invasões de ciclofaixas por motos e à expansão insuficiente da malha cicloviária nas cidades - fica atrás apenas dos deslocamentos com motocicletas (20 vezes) e a pé (nove vezes), também segundo a Abramet.

Por isso a implantação de ciclovias deveria ser prioridade. Porque a proteção para o ciclista é maior do que as ciclofaixas - principalmente aquelas com poucos obstáculos de defesa para o ciclista.

CTTU DIZ QUE AUTUOU MAIS DE MIL MOTOQUEIROS EM UM MÊS POR CIRCULAR EM CICLOFAIXAS

Mais de 1 mil condutores são multados por dia por trafegar em ciclovias ou ciclofaixas no Brasil. No Recife, foram 1 mil num mês - JAILTON JR./JC IMAGEM

Por nota, a CTTU, responsável pela fiscalização de trânsito e, inclusive, pelo planejamento da rede cicloviária da capital, criticou as invasões das ciclofaixas por motoqueiros e alertou sobre as consequências da infração.

Também informou que somente em março de 2024 mais de 1 mil veículos foram notificados por transitar ou estacionar em ciclofaixas e ciclovias. E garantiu ter um cronograma de recolocação dos elementos de segregação da malha cicloviária. Confira a resposta na íntegra:

“A Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU) não compactua com o uso de ciclofaixas e demais modais ciclos por parte de veículos automotores e reforça que, de acordo com o artigo 193, do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), transitar com o veículo nesses locais configura infração gravíssima, com multa no valor de R$ 880,48 e 7 pontos na carteira de habilitação.

A CTTU reforça a instalação de elementos segregadores, dentro do programa de manutenção de sinalização viária, que entre outras coisas, prevê a recolocação desses objetos, a pintura das ciclofaixas, dentre outras medidas. A autarquia informa que as ciclofaixas utilizam diversos elementos segregadores com o objetivo de proporcionar maior segurança viária aos ciclistas.

A CTTU vem trabalhando na capacitação de motociclistas, em especial os de aplicativos e de empresas, através do projeto Piloto Seguro. Somente, em março deste ano, foram capacitados 164 motoristas. Além disso, a autarquia realiza fiscalizações constantes para coibir o uso incorreto das ciclofaixas pelos veículos motorizados. Dados de março de 2024 indicam que mais de 1 mil veículos foram notificados por transitar ou estacionar nesses locais”.

CICLOFAIXAS SEM EXPANSÃO NO RECIFE

Ciclovias, como a da Avenida Agamenon Magalhães, são mais seguras para quem pedala porque têm segregação total do tráfego de veículos - Renato Ramos/JC Imagem

Apesar dos avanços na implantação e expansão da malha cicloviária na última década, a Prefeitura do Recife deu uma desacelerada desde 2021. Segundo dados da CTTU, foram implantados menos de 50 km de estrutura para os ciclistas na cidade nos últimos três anos. Atualmente, o Recife conta com 191,5 km de rotas cicloviárias, sendo 47,2 km implantados entre 2021 e abril de 2024.

No caso do Recife, o Plano Diretor Cicloviário (PDC) previa a implantação de 265 km de estrutura cicloviária na cidade entre 2014 e 2017, mas foram implantados 191,5 km entre 2014 e 2024. E, mesmo assim, apenas 75 km foram dentro da rede cicloviária estudada e prevista no PDC.

“Ou seja, apenas 28% da rede que estava projetada no PDC foi implementada efetivamente. E estamos falando, basicamente, de ciclofaixas, que são estruturas que não protegem o ciclista como as ciclovias. E a maioria delas, com poucas exceções, colocadas em ruas que têm menos tráfego de veículos. Por isso que agora a nossa luta tem sido pela infraestrutura nas avenidas para facilitar o deslocamento de quem pedala”, alerta Bárbara Barbosa, da Ameciclo.

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