Romoaldo de Souza

A política do beija-mão vicia o político e enfraquece a democracia

Sem o fim da reeleição, para cargos do Executivo, Brasil continuará nessa política do atraso

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Romoaldo de Souza

Publicado em 02/04/2024 às 16:39 | Atualizado em 03/04/2024 às 0:08
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O senador Josaphat Marinho (1915-2002) - de longe o mais notório orador que ouvi falar no Senado Federal [ele exerceu o primeiro mandato entre 1963 e 1971. O segundo foi de 1991 a 1999] - disse, certa vez, que “a sociedade brasileira precisa repousar a atenção, para que amanhã não estejamos no clima da indeterminação dos princípios. E são esses princípios fundamentais da ordem jurídica que constituem a garantia dos cidadãos”. Profetizou!

Qualquer que seja a perspectiva que se vislumbre na política brasileira, para os próximos anos, dois fatores parecem ser imprescindíveis: o reordenamento jurídico merece atenção, assim como a formação política que deve ser prioritária.

Evocar Josaphat Marinho (BA) é dever histórico para resgatar debates políticos que ocorriam no Parlamento do início do século, recheados de argumentos, de ideias e não de doutrina, de fanatismos ideológicos nem do debate dogmático das religiões.

O diálogo falha “porque as pessoas não começam com predisposição de ouvir e aprender, mas para confrontar o outro e convencer”. Logo, o que temos não é o debate das ideias, “mas de uma batalha verbal”, como escreve o neurocientista Mariano Signa, em “O Poder das Palavras”, Companhia das Letras (2023).

O Parlamento, lugar dos diálogos, das falas, do “parler”, do falar, incorporou a dualidade do argumento de “nós” contra “eles” e de longe a “batalha verbal” conceituada pelo cientista argentino é o que predomina nos anais do Congresso Nacional.

Chamou atenção, por esses dias, de como o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), presenteou os deputados com 14 dias de recesso “para que possam visitar suas bases e acompanhar a 'janela partidária' de candidatos às 58.208 cadeiras de vereadores".  Segundo Lira, “É a hora de estarmos juntos desses candidatos". Porque é lá no município onde está a base política dos deputados. São vereadores - prefeitos também - que serão os cabos eleitorais das eleições de 2026. É justo.

Embrenhado pelo Sertão do Pajeú, o deputado Carlos Veras (PT-PE), um dos coordenadores da bancada pernambucana, ressalta que os vereadores “são atores importantes dentro dos partidos porque são os principais elos entre as legendas e a população porque. É no município onde vive o cidadão”, lembra.

Arthur Lira, que está no segundo mandato como chefe da Câmara, é hoje um dos mais influentes políticos, principalmente, quando o assunto é partilha das emendas parlamentares. 

No Senado Federal, o jogo de compadres entre Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG) mostra que se quisermos falar de “linha evolutiva” da política, quase nada sobra. Alcolumbre era presidente do Senado e não podia mais ocupar o cargo - porque já esteve ali por dois mandatos consecutivos. O que fez ele? Apoiou Pacheco desde que o senador mineiro o apoiasse de volta. A não ser venha a ocorrer um cataclisma político, Davi Alcolumbre será o próximo presidente do Congresso Nacional, certamente pelos próximos oito anos. E não se fala em renovação.

Dos 5.567 executivos municipais, passando pelos 27 estaduais e o presidente da República, quase todos eles se penduram em um fenômeno político que o Brasil implantou, no final dos anos 1990, que, comprovante, não azeita, não rejuvenesce a política.

O início da fase de reeleição trouxe para o país o que há de pior no parasitismo político. É o de chegar ao cargo já trabalhando pela reeleição. Uma emenda acabando com esse instrumento e dando cinco anos de mandato para prefeitos, governadores e o presidente poderá ser  revigorante.

Em um cenário que prima pela realidade dos fatos é preciso que toda a política brasileira se modifique com a rapidez com que os acontecimentos exigem. É fato que algumas das importantes políticas sociais - e aqui incluo a pauta dos direitos sociais - tende a fazer uma pressão tão grande no próprio Parlamento que outros projetos serão aprovadas, muito mais por um dever moral de deputados e senadores do que, mesmo, por compromisso com desses atores sociais.

Na esfera do Poder Executivo é inegável que a atual gestão patina por falta de “pés no chão”. É muito Brasília para pouco Brasil. É muito cargo público para pouca qualidade técnica e política. E essa Brasília demora muito tempo para chegar ao Brasil. Medidas adotadas por aqui, pela capital federal, levam às vezes, décadas para chegarem nesse elo de que tratou, acima, Carlos Veras.

Haja vista que entra ano e sai ano e a política do “pires na mão” é que vem dando as cartas na distribuição de recursos às prefeituras. Pela Esplanada dos Ministérios vale mais a política do apadrinhamento do que propriamente o projeto. Prefeito que tem um bom padrinho tem mais chance de liberação de verbas.

Claro ficou que o Judiciário também precisa passar por um “freio de arrumação”, revendo as próprias decisões, inclusive aquelas que limitam poderes e que por vezes substitui o Poder Legislativo, constitucionalmente, responsável por escrever as leis.

Do outro lado da Praça dos Três Poderes - na parte Norte, onde está o Palácio do Planalto - faz-se necessária a chegada de políticas que não olhem para trás com o ranço de quem chega para “reinventar a roda”. O desafio é que chegue para agregar a Faria Lima com a agricultura familiar, que adote políticas de contenção de gastos e que evite as “cascas de bananas” do populismo.

O Brasil está longe desse cenário.


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