Já se passaram 18 anos, mas as dúvidas em relação aos assassinatos das adolescentes de classe média alta Maria Eduarda Dourado e Tarsila Gusmão, ambas de 16 anos, permanecem. Os kombeiros foram culpados pelo crime que ficou conhecido como o "Caso Serrambi"? Ou são mesmo inocentes, como concluiu o júri popular que os absolveu há dez anos? Seja qual for a conclusão nas rodas de conversa, o caso está encerrado desde dezembro de 2018, quando transitou em julgado no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Nesta segunda-feira (03), completa-se mais um ano do desaparecimento e morte das garotas. E, mesmo com toda a repercussão nacional do caso, a impunidade venceu. A seguir, relembre detalhes do crime:
Maria Eduarda e Tarsila estavam passando o feriado do Dia do Trabalhador com um grupo de amigos na Praia de Serrambi, em Ipojuca, no Litoral Sul de Pernambuco. Elas caminhavam sozinhas à beira-mar, no dia 03 de maio de 2003, quando não foram mais vistas. Amigos procuraram por elas, mas disseram não ter encontrado nenhuma pista. Dez dias depois, o empresário José Vieira, pai de Tarsila, encontrou os restos mortais das adolescentes em um canavial em Camela, no distrito de Ipojuca.
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As investigações conduzidas pela Polícia Civil de Pernambuco apontaram os irmãos kombeiros Marcelo José de Lira e Valfrido Lira da Silva como os responsáveis pelo crime. Entre as provas, objetos encontrados no local do crime e na kombi de Marcelo, como fio de nailon, barbeador da mesma marca e cor usado pelo kombeiro e fios de cabelo que se assemelhavam aos das vítimas. Três testemunhas afirmaram ainda terem visto as vítimas pedir carona na Praia de Porto de Galinhas. Mas o resultado foi contestado mais de uma vez pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE). O então promotor de Ipojuca, Miguel Sales (falecido em 2014) chegou a pedir novas diligências três vezes, colocando em xeque as investigações, que acabaram nas mãos da Polícia Federal.
Mesmo após a Polícia Federal assumir as investigações do Caso Serrambi e concluir que os kombeiros eram os culpados pelas mortes, a sociedade pernambucana continuou dividida, porque surgiram vários boatos em relação à forma como as vítimas foram mortas. Na época, as polícias Civil e Federal garantiram ter checado todas as versões dadas para o crime. E todos chegaram à mesma conclusão quanto à culpa dos irmãos kombeiros. Eles foram presos, mas sempre alegaram inocência.
O julgamento de Marcelo e Valfrido Lira aconteceu em setembro de 2010. Foram cinco dias de júri popular. No final, a sentença foi favorável à absolvição dos réus - por 4 votos a 3. Um recurso especial chegou a ser impetrado pelo advogado Bruno Lacerda, que representa os pais de Tarsila. Segundo ele, houve a presença de nulidade no júri, por isso o mesmo deve ser invalidado. "Uma jurada se manifestou ao final do júri. Ela cumprimentou um dos acusados e falou: 'Eu não disse que ia dar certo?'. Isso demonstrou a parcialidade. Na realidade, esse voto foi decisivo, já que os réus foram absolvidos por quatro votos a três", afirmou Lacerda, na época. Outro ponto que, segundo ele, seria decisivo para a anulação do julgamento é que um advogado que atuou na defesa dos kombeiros já havia atuado como assistente de acusação deles.
O recurso foi analisado pela 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), em 2015, mas foi negado por unanimidade pelos desembargadores. Nesse mesmo ano, o caso foi levado ao Superior Tribunal de Justiça, que, em 2018, decidiu por negar o pedido de novo júri. E o caso transitou em julgado, encerrando de vez uma possibilidade de reviravolta e punição aos kombeiros.
"Em entrevista à coluna Ronda JC, em 2018, o procurador de Justiça Ricardo Lapenda, que atuou no caso em 2010, foi categórico: disse que não havia dúvidas de que os irmãos kombeiros mataram Tarsila e Maria Eduarda. "Não tenho a mínima dúvida. São dois assassinos livres, impunes. Aquelas histórias que geraram dúvidas foram tudo armação do promotor Miguel Sales. Ele tumultuou todo o processo e conseguiu mobilizar a população de Camela (distrito de Ipojuca, onde aconteceu o júri)."
Na última semana, a coluna tentou contato com os irmãos kombeiros e com o advogado de defesa deles, mas não conseguiu retorno.
CRONOLOGIA DO CASO
03 DE MAIO DE 2003
As adolescentes saem de Serrambi, onde estavam hospedadas na casa de um amigo, para um passeio de lancha até Maracaípe. Os amigos que estavam na embarcação voltam e elas ficam na praia.
13 DE MAIO DE 2003
Após dez dias do desaparecimento, o pai de Tarsila, José Vieira, encontra os corpos das adolescentes num canavial em Camela, distrito de Ipojuca.
18 DE MAIO DE 2003
O Grupo de Operações Especiais (GOE) da Polícia Civil prende os irmãos Marcelo e Valfrido Lira.
16 DE JUNHO DE 2003
Os irmãos kombeiros são indiciados pelo crime.
20 DE JUNHO DE 2003
O então promotor de Ipojuca, Miguel Sales, devolve o inquérito à polícia e alega que alguns pontos não haviam sido esclarecidos.
18 DE JULHO de 2003
A Polícia Civil entrega o inquérito com as novas diligências. Três dias depois, os kombeiros são liberados porque expira o prazo de prisão temporária.
19 DE AGOSTO DE 2003
A polícia descarta a possibilidade de corrupção de menores e uso de drogas na casa de praia onde as vítimas estavam.
13 DE DEZEMBRO DE 2004
A pedido do Ministério Público e da SDS, a Polícia Federal assume as investigações do duplo homicídio.
16 DE JUNHO DE 2005
Polícia Federal conclui o inquérito e chega ao mesmo resultado da Civil. Os irmãos kombeiros são indiciados.
DEZEMBRO DE 2006
Após o promotor pedir novas diligências, a Polícia Federal conclui o caso novamente.
17 DE JANEIRO DE 2007
Miguel Sales devolve o inquérito mais uma vez. O caso volta para a Polícia Civil e dois novos delegados assumem as investigações.
02 DE JANEIRO DE 2008
A Procuradoria-Geral de Justiça designa dois promotores para analisarem o inquérito. Duas semanas depois, o MPPE oferece denúncia contra os kombeiros.
17 DE JANEIRO DE 2008
A polícia prende Marcelo. Valfrido foge, mas se entrega no outro dia. O promotor Miguel Sales é afastado do caso.
22 DE JANEIRO DE 2010
A Justiça marca a data do júri popular dos kombeiros.
04 DE SETEMBRO DE 2010
Após cinco dias de júri, os jurados decidem, por quatro votos a três, que os kombeiros são inocentes.
10 DE MARÇO DE 2015
A 1ª Câmara Criminal do TJPE nega recurso especial que pede a anulação do júri. Caso segue para o Superior Tribunal de Justiça (STJ).
10 DE AGOSTO DE 2018
O ministro do STJ Reynaldo Soares da Fonseca monocraticamente, nega o recurso especial que pede a anulação do júri.
10 DE SETEMBRO DE 2018
A Quinta Turma do STJ, de forma colegiada, também nega o agravo instrumental. Não cabe mais recurso.