O que você faria para cobrar e lutar por justiça? Até onde iria? Desde que a filha foi assassinada, há quase seis anos, a vida da professora Lucinha Mota se tornou um pesadelo diário. Toda a sua energia, desde então, é gasta na luta por punição a quem cometeu o crime bárbaro. Mas pouco foi possível fazer, já que a Polícia Civil de Pernambuco não consegue avançar nas investigações para identificar o autor e a motivação relacionada à morte da pequena Beatriz Angélica Mota, de 7 anos, no município de Petrolina, no Sertão. A vítima recebeu mais de 40 facadas depois de sair da quadra do colégio particular onde estudava para beber água. Acontecia uma festa de formatura no local e, mesmo com a movimentação intensa, alguém entrou no estabelecimento, puxou a menina, cometeu o crime e deixou o corpo em uma sala desativada.
O assassinato, que chocou o Estado, completa mais um ano sem solução em 10 de dezembro. Como forma de mobilizar a sociedade e exigir justiça, a mãe e o pai de Beatriz, Sandro Romildo, além de amigos da família e voluntários, farão uma longa caminhada de Petrolina até o Recife, com início no próximo domingo (05). Serão cerca de 720 quilômetros feitos a pé até chegar à capital pernambucana, segundo Lucinha. "Vamos sair às quatro da manhã. Por dia, vamos caminhar em média 25 a 40 quilômetros. Nossa previsão é chegar ao Recife depois de 23 a 25 dias, ou seja, até dia 30 estaremos no ponto final", afirma.
Para atingir o objetivo, os pais de Beatriz treinaram, traçaram metas, encontraram ao menos 25 pontos de apoio - incluindo pousadas, casas de parentes, amigos e até pessoas que ofereceram ajuda após conhecerem a campanha feita no perfil "Caso_beatriz", no instagram. "Em todo local que pararmos, pelo Estado, haverá uma mobilização sobre a importância da luta por justiça. Vamos também alertar sobre o aumento dos crimes e a baixa taxa de resolução dos casos em Pernambuco. Cobrar agilidade do Estado para que a injustiça não permaneça", diz Lucinha.
No dia que chegar ao Centro do Recife, o grupo irá à sede do Ministério Público de Pernambuco (MPPE), onde farão um ato, e ao Palácio do Campo das Princesas, sede do governo do Estado, onde pedirão uma audiência com o governador Paulo Câmara. "Se ele não nos receber, voltarei para casa, em Petrolina. Mas, depois de uns dias, vou voltar ao Recife e acampar na porta do Palácio até ser recebida", conta a mãe de Beatriz.
A INVESTIGAÇÃO
Desde que Beatriz foi morta no tradicional Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, vários delegados designados pela Polícia Civil comandaram as investigações do caso. E não conseguiram chegar ao assassino, nem à motivação do crime. Até uma força-tarefa, que chegou a contar com cinco promotores de Justiça, foi criada pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE). No começo de 2021, no entanto, o grupo foi desfeito. Apenas um promotor acompanha o andamento do inquérito, que soma milhares de páginas, centenas de depoimentos e dezenas de exames de DNA.
Uma das linhas de investigação, em 2016, apontava para uma possível motivação religiosa, ou seja, o mentor do assassinato teria interesse, na verdade, em atingir a tradicional escola. Mas essa linha, apesar de ventilada pelo promotor de Justiça Carlan Carlo da Silva, nunca foi confirmada pela polícia.
Em 2017, a Polícia Civil chegou a divulgar a imagem de um suspeito que possivelmente entrou no colégio durante a festa. Uma câmera flagrou o rapaz do lado de fora, mas nenhuma imagem do lado de dentro teria registrado a dinâmica do crime. A imagem do suspeito, vale destacar, era pouco nítida. Foi oferecida até recompensa de R$ 10 mil, por meio do Disque-Denúncia, mas o criminoso não foi encontrado.
Testemunhas contaram à polícia, na época, que o suspeito teria sido visto tentado se aproximar de outras duas crianças antes de chegar até Beatriz. Mas ninguém, até então, havia desconfiado de nada.
Nessa mesma época, os pais da menina morta enviaram uma carta ao papa Francisco, que respondeu, estimulando a família a insistir pela justiça.
Anos se passaram, delegados foram substituídos, protestos foram realizados, mas a família de Beatriz ficou sem respostas. E com o sentimento cada vez mais forte e duro da impunidade. Os pais decidiram até fazer uma investigação paralela para juntar pistas.
"Apesar da promessa do governo do Estado, tivemos pouco acesso à investigação da Polícia Civil, alguns relatórios apenas. Já solicitei acesso às imagens de câmeras de segurança e outros detalhes, mas não fui autorizada. Tenho coisas a compartilhar com a Polícia Civil, mas não sinto mais segurança. Acredito que, lá no começo, a investigação não foi bem feita. Houve prejuízos ao caso, por isso ninguém consegue resolver", declara Lucinha.
PEDIDO DE FEDERALIZAÇÃO
Nos últimos anos, os pais de Beatriz pediram insistentemente para que a Polícia Federal assumisse as investigações, o que não ocorreu. Também pedem ao governo do Estado que autorize a cooperação de uma instituição norte-americana no caso - a Criminal Investigations Training Group, que conta, inclusive, com a intermediação do Consulado Americano. Mas não há resposta.
O QUE DIZ A POLÍCIA CIVIL
Procurada pela coluna Ronda JC, a assessoria da Polícia Civil de Pernambuco respondeu por meio de nota. Segue o texto, na íntegra:
"A Polícia Civil de Pernambuco informa que segue comprometida com a investigação do caso da criança Beatriz Angélica Mota.
No final do último mês de maio, o Chefe e o Subchefe da Polícia Civil de Pernambuco, Nehemias Falcão e Darlson Macedo, respectivamente, receberam, em seu gabinete, uma comissão formada pelos pais da criança Beatriz Angélica Mota, pelo advogado da família e pela coordenadora do Movimento Somos Todos Beatriz. Os quatro delegados, que compõem a Força Tarefa criada pela Chefia de Polícia para investigar o caso, participaram da reunião, assim como a Diretoria de Inteligência da PCPE. A comissão pôde fazer os questionamentos necessários aos delegados e foi reafirmado, naquele momento, que todos seguem disponíveis para esclarecimentos.
A Força Tarefa é composta por delegados que possuem vasta experiência: a diretora da DIRESP, Polyanne Farias; o diretor da DINTER 2, João Leonardo; a Delegada Seccional de Petrolina, Isabela Fonseca; e o Chefe da Divisão de Homicídios Metropolitana Norte, Vítor Freitas.
Todo o material que compõe o Inquérito Policial em curso, disposto em 23 volumes, segue em análise constante e também estão sendo realizadas novas diligências. Não há registro de negativa de recursos para a investigação. Importante destacar que o caso segue sob segredo de justiça."