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Saúde e Bem-estar

Por Cinthya Leite e equipe
SAÚDE

"As medidas são duras, mas são a única maneira de salvar vidas", diz diretor da OPAS sobre quarentena

Médico Jarbas Barbosa comentou no Passando Limpo, da Rádio Jornal, atual situação da pandemia no Brasil

Cadastrado por

Katarina Moraes

Publicado em 16/03/2021 às 10:22 | Atualizado em 16/03/2021 às 12:43
Médico pernambucano Jarbas Barbosa, novo diretor da Opas, é formado pela UFPE e especialista em saúde pública e epidemiologia - MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL

O vice-diretor da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS), o médico Jarbas Barbosa, comentou, na manhã desta terça-feira (16) sobre a atual situação da pandemia no Brasil e as novas medidas restritivas adotadas, inclusive, por Pernambuco, anunciadas nessa segunda (15) pelo Governo do Estado. Para ele, "é importante comunicar bem a população para ter adesão, porque são medidas duras, mas são a única maneira de salvar vidas", disse, em entrevista ao Passando Limpo, da Rádio Jornal.

Entre os dias 18 e 28 de março, estará proibido, em Pernambuco, o funcionamento de atividades sociais e econômicas não essenciais em todos os horários, durante toda a semana. Desta forma, estarão fechados o comércio não essencial, bares e restaurantes, praias e parques, escolas, lojas de conveniência entre outros. O objetivo é conter o aumento de casos e não colapsar o sistema de saúde, que se encontra com alta ocupação.

Pernambucano, Jarbas Barbosa defende que as medidas são necessárias para melhorar a situação epidemiológica no Estado, mas afirma que deveriam ser acompanhadas de outras que visassem a compensação econômica. 

"Essas medidas mais duras como lockdown têm que ser tomadas por um período restrito de tempo para dar um freio na transmissão e têm que ser acompanhadas de medidas de compensação econômica. Quando isso acontece, as pessoas aderem, quando não, a gente tem mais dificuldade de implementar", disse.

Além disso, outra dificuldade para o cumprimento das quarentenas, segundo o especialista, é a discordância entre os chefes do Executivo. "Quando a gente tem um governador dizendo uma coisa e um presidente dizendo outra, isso gera confusão nas pessoas, porque elas não sabem em quem acreditar e acham que alguém está usando aquilo de maneira política. Recomendamos deixar a política de lado, olhar o que a ciência diz que funciona".

Confira a entrevista completa

Rádio Jornal: O Equador esteve há algum tempo nas manchetes dos jornais que muita gente estava nas ruas, e depois saiu da mídia, o que aconteceu? Como está agora o Equador?

Jarbas Barbosa: No ano passado quando a covid chegou na América Latina, chegou um mês depois do pico terrível no norte da Itália e em Nova York, e os países da América tomaram medidas de contenção, que foram eficazes para evitar que os picos horríveis com gente morrendo por falta de leitos ocorressem. As exceções foram em Manaus e em Guayaquil, Equador. Lá tivemos o quadro que tivemos agora há pouco em Manaus, de falta até de vagas em cemitérios. A capacidade das funerárias foram superadas. Eles tomaram as medidas, conseguiram controlar, tem surtos, mas nenhum do tipo explosivo. A situação no Equador atualmente encontra-se relativamente controlada, a transmissão ainda é séria, nenhum país da América Latina conseguiu controlar muito a transmissão, mas está sem a repetição daquele quadro dramático que tivemos no ano passado.

A América Latina tem um comportamento muito parecido. As medidas foram importantes para evitar a explosão que houve na Europa, mas não foram efetivas a ponto de controlar a transmissão. Em abril, março, a Europa adotou medidas muito restritivas e foram muito efetivas. Os países passaram meses com uma média de 10 mortes diárias ou menos. Depois da volta do verão, começou de novo a crescer, teve uma segunda onda.

No caso da América Latina, as medidas foram importantes para evitar os picos exagerados. Mas, por causa da pobreza, por causa das condições de moradia, pessoas que moram em favelas e comunidades pobres vivem naturalmente uma condição de aglomeração. Por causa da economia informal, que as pessoas precisam sobreviver, por falta de um apoio social mais forte, mensagens confusas sobre o que fazer ou não fazer, fez com que a América Latina não pudesse não controlar, apesar de ter conseguido diminuir a curva. Houve uma redução no final do ano, e depois começou de novo a crescer. A gente teve pico em vários países, México, Brasil, mesmo na Argentina, Chile. Uma situação de transmissão forte que ninguém pode abaixar a guarda ainda.

Rádio Jornal: O uso da vacina contra a covid-19 produzida pela Universidade de Oxford em parceria com a Astrazeneca foi suspenso em mais cinco países da Europa nesta semana, na Alemanha, França, Portugal, Itália e Espanha. Eles disseram ter agido por preocupação após relatos de casos de trombose, apesar da relação entre o imunizante e a doença não estar ainda comprovada. No Brasil, a Anvisa e os especialistas dizem que não há confirmação da relação. O que o senhor diz a respeito da segurança dessa vacina?

Jarbas Barbosa: A vacina da Oxford é segura, é pré-qualificada pela OMS. É importante toda a preocupação com a segurança e eficácia das vacinas. Muita gente, quando começa a pressionar as autoridades regulatórias, tem que autorizar em um dia, dois dias, as pessoas estão tomando uma atitude irresponsável, porque as vacinas tem que ser avaliadas enquanto a segurança e eficácia. Mas, até agora, demonstraram ser seguras.

Os casos na Europa precisam ainda de confirmação, e o que nós temos até agora é que alguns casos de tromboembolia foram registrados. A Agência Europeia continua recomendando o uso da vacina, e o que nós sabemos é que, aparentemente, o número de casos de tromboembolia entre pessoas vacinadas está igual ao da população em geral. De toda forma, isso está sendo investigado com todo o rigor, como deve ser. Aparentemente esses casos estariam relacionados com um lote produzido na Itália. Mas, a vacina da Astrazeneca que é distribuída na América Latina não é produzida na Europa, e sim por um produtor na Coreia do Sul, ou por um produtor indiano, no instituto Serum.

Rádio Jornal: Após tantas idas e vindas, o que a OPAS recomenda para o governo e para a população dos países que estão enfrentando a pandemia de uma maneira descontrolada, como o Brasil?

Jarbas Barbosa: Depois de um ano de pandemia, nós já sabemos o que funciona e não funciona. Temos muitas evidências construídas em países, estados e cidades que demonstraram que as medidas de saúde pública podem efetivamente controlar a transmissão. É importante primeiro monitorar bem a situação da pandemia, em cada estado e região, porque em um país grande como o Brasil, você pode ter uma situação bem controlada em um estado, e o outro não. Tem que monitorar bem indicadores como o índice de transmissão, a velocidade da transmissão, a ocupação dos leitos hospitalares, e outros que podem ajudar a identificar como está se comportando a transmissão.

Se você identifica que a transmissão está crescendo, é importante tomar as medidas adequadas. Em termo da população, manter as medidas que sabemos que podem prevenir. O uso de máscaras toda vez que sair de casa, porque são muito efetivas para prevenir a transmissão; manter a distância física, evitar aglomerações e espaços fechados, isso é essencial. Não existe outra maneira até o momento de controlar a transmissão. Do ponto de vista coletivo, é importante que as autoridades, quando detectam o crescimento, tomem medidas para reduzir a mobilidade das pessoas, com a suspensão de serviços não essenciais - principalmente os que geram aglomerações. Isso tem que ser feito com cuidado e com critério, mas não existe outra maneira, no momento de controlar a transmissão.

Até que a vacina tenha um efeito sobre a transmissão, vão se passar alguns meses. Mesmo países da América Latina que já tem maior porcentagem da população já vacinada, como o Chile, teve que decretar lockdown em algumas áreas. É preciso continuar com esse monitoramento cuidadoso, é importante comunicar bem a população, para ter adesão, porque são medidas duras, mas são a única maneira de salvar vidas, porque se a gente não reduzir a velocidade da transmissão quando se encontra em crescimento, não vamos ter leitos de UTI, respiradores suficientes em nenhum sistema de saúde do mundo, mesmo em países ricos e desenvolvidos, e pessoas podem morrer por falta desses recursos.

Rádio Jornal: No começo da pandemia tínhamos dois líderes políticos anti-ciência; Bolsonaro no Brasil, e Trump nos EUA. Trump saiu do cenário, mas Bolsonaro continua contestando a ciência. Em outros países do mundo, temos a reação de agentes econômicos contra lockdown, mas sentimos uma certa união entre os poderes. É só no Brasil que está acontecendo isso no momento?

Jarbas Barbosa: Essas medidas mais duras como lockdown quando têm que ser tomadas são tomadas por um período restrito de tempo para dar um freio na transmissão e têm que ser acompanhadas com medidas de compensação econômicas. Na Europa elas foram bem sucedidas porque existe uma rede de proteção social bem organizada, as pessoas podem ficar em casa. Nos EUA também, teve o pacote de estímulo. Quando isso acontece, as pessoas aderem; quando não, a gente tem mais dificuldade de implementar.

Uma mensagem unificada por parte dos governos é muito importante. Quando a gente tem um governador dizendo uma coisa, um presidente dizendo outra, isso gera confusão nas pessoas, porque elas não sabem em quem acreditar, podem ter a ilusão de que alguém está usando aquilo de maneira política. Recomendamos deixar a política de lado e olhar para o que a ciência diz que funciona e fazer as recomendações adequadas para que a sociedade como um todo possa participar desse esforço para salvar vidas.

Rádio Jornal: Havia sido programada uma reunião em Buenos Aires para comemorar os 30 anos do Mercosul, mas o presidente da Argentina, sabiamente, preferiu não fazer o encontro presencial. Um dos temas dessa pauta era uma política de ação pelo menos dos quatro países. Na sua avaliação, o que poderia ser feito, em conjunto, por esse bloco?

Jarbas Barbosa: Creio que foi bom não ter tido a reunião física do Mercosul, porque pode ser virtual. Nós participamos a convite do presidente da Colômbia. Participamos há duas semanas, eu e a diretora da Opas, para informar sobre a Covid. Teve a participação de oito presidentes da república. Creio que quanto mais pudermos evitar reuniões presenciais neste momento, melhor, ainda mais quando se pode fazer usando plataformas virtuais.

Há uma preocupação dos países da América do Sul com o Brasil, por conta da percepção de descontrole da transmissão no país, que está em níveis elevadíssimos há três ou quatro semanas, além da nova variante identificada em Manaus, que os estudos iniciais comprovam que ela transmite duas vezes mais rápido que o vírus original.

Acreditamos que o melhor esforço é cada país buscar controlar a transmissão. Fechamento de fronteira é muito pouco eficaz, principalmente na América do Sul, já que o Brasil faz fronteira com quase todos. O melhor caminho é cada um atuar no seu país usando todas as armas disponíveis em termos de saúde pública para atuar o mais rápido possível e de maneira conjunta e coordenada em áreas de fronteiras. A ideia de que ninguém está bem protegido se todos não estiverem, cada dia se torna mais verdadeira.

Rádio Jornal: A situação do Paraguai foi pacificada, está mais fácil de trabalhar lá?

Jarbas Barbosa: O Paraguai teve algumas mobilizações políticas muito fortes que envolveram várias queixas contra o governo, por como ele conduziu a pandemia, denúncias de corrupção durante a resposta à pandemia, que parecem não ter sido apuradas adequadamente, é uma situação muito sensível. No Chile, ano passado tivemos vários protestos. É uma situação política sensível, a América Latina já vinha de um ambiente de muita polarização política, o que é uma barreira a mais. Para enfrentar uma situação como essa, é muito importante que tenhamos lideranças capazes de unir a população.

Não tenho dúvida que as gerações futuras vão lembrar desses anos, de 2020 e 2021, como a gente lembra das grandes guerras. O impacto econômico e social, as milhões de pessoas na América Latina que estão sendo empurradas de volta à pobreza extrema, o crescimento da desnutrição de novo, depois de mais de uma década, é um quadro muito triste. E se além disso, nós temos a tentativa de uso político, creio que isso gera mais insegurança e dificulta as pessoas a aderirem as medidas que funcionam, inclusive a vacina, e prolonga o sofrimento causado pela pandemia, não só das doenças e mortes, mas também o impacto social e econômico tão forte.

Depois de um ano, nós cristalizamos algumas informações sobre a covid-19. Parece um consenso universal lavar as mãos, usar a máscara e manter o distanciamento. Qual é o aprendizado que temos em nível de governo e nações? No Brasil, tivemos uma queda e uma subida muito forte da pandemia. Isso é um padrão internacional? Teremos que começar a conviver com isso até vacinarmos todo mundo?

Esse é comportamento natural da covid-19. Se não fizermos pressão e usarmos os freios que conhecemos para diminuir a velocidade da transmissão, ela tende a crescer e produzir esse quadro que vemos hoje no Brasil. Essa segunda onda acontece porque quando a gente consegue controlar uma onda, passa uma falsa percepção de segurança nas pessoas. Parece que a pandemia acabou.

No caso do Brasil, tivemos festas de fim de ano, verão com aglomeração, carnaval, já está muito bem documentado em diferentes áreas do mundo que quando você tem esses períodos, geralmente há um crescimento da transmissão depois, porque as pessoas relaxam as medidas, passam a se aglomerar mais, e é inevitável de acordo com as características do vírus que se você alivia os freios, ele volta a correr com velocidade. Vamos ter que manter esses freios funcionando até que a gente alcance os 70% ou 80% de cobertura vacinal da população, que é o que a gente chama de imunidade coletiva, porque o acesso às vacinas ainda é limitado no mundo.

Quando a transmissão diminui, você pode liberar algumas atividades, com critério. Cada autoridade local, cada governador e cada prefeito tem que avaliar muito bem o quadro para nem exagerar para mais, nem para menos. É muito importante não abaixar a guarda achando que a pandemia acabou, porque isso produz um crescimento intenso na velocidade da transmissão e novas ondas. Isso aconteceu na Europa, na América Latina e nos Estados Unidos.

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