TRANSPORTE

'Uber é pior desgraça que poderia ter surgido': conheça história do brasileiro que fez da luta contra apps seu estilo de vida

Há 5 anos, o mineiro Wagner Oliveira trava uma batalha com a big tech, que já lhe rendeu um livro e milhares de inscritos no YouTube

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Marcelo Aprígio, Guilherme Ravache

Publicado em 22/09/2021 às 14:01 | Atualizado em 24/09/2021 às 7:35
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As recorrentes insatisfações de usuários e motoristas com a Uber, que têm tomado as redes sociais nos últimos dias, não são novidade para o mineiro Wagner Oliveira, o primeiro motorista a ser expulso da plataforma no Brasil, além de ser o primeiro a levar a empresa aos tribunais do país. Há cinco anos ele denuncia o que considera abusos dos aplicativos de transporte de passageiros. Esta disputa contra a gigante estadunidense se transformou no livro “Minha batalha contra a Uber”, lançado em março de 2021, no qual Oliveira relata sua derrota judicial e faz contundentes críticas à empresa.

Com as reclamações sobre a plataforma ganhando corpo, na esteira da alta dos combustíveis, o ex-motorista endureceu ainda mais suas críticas à big tech. “A Uber é a pior desgraça que poderia ter surgido no planeta terra, recentemente. O negócio é um negócio criminoso e ilegal”, diz Wagner. “Este é um serviço cuja tarifa é um dumping pensado para quebrar o sistema todo e, assim, formarem um monopólio ou um duopólio”, emenda.

REPRODUÇÃO/YOUTUBE
Wagner Oliveira, ex-motorista da Uber - REPRODUÇÃO/YOUTUBE

“Depois dos sucessivos aumentos do preço do combustível, o que já era ruim, simplesmente, ficou péssimo, ficou totalmente inviável. Então, os motoristas não querem mais aceitar as corridas”, afirma ele, segundo quem as viagens têm ocasionado prejuízos aos bolsos de quem dirige pela plataforma.

Os impactos financeiros negativos também são criticados por Yure Tenório, que transporta passageiros pela Uber há três anos e meio. “Quando começou, era maravilhoso: vários incentivos, o custo de vida não era o que é hoje em dia. Agora, não só a Uber, mas a 99 também, até que cobram bem do passageiro, mas a tarifa é barata demais para o motorista”, pontua Tenório.

Quem também tem sentido o peso de transportar passageiros intermediado por aplicativos é Danilo Araújo. “As plataformas inventaram agora a modalidade promo, que, na verdade, não paga o que vamos gastar com deslocamento”, diz ele. “Por isso, temos ouvido falar de muitos cancelamentos”, completa.

JC IMAGEM
App 99 - JC IMAGEM

Lucros e prejuízos

De acordo com Wagner Oliveira, que é formado em Administração de Empresas, mesmo repassando baixos valores aos condutores parceiros, a plataforma estadunidense não consegue equilibrar suas contas. “Geralmente, os motoristas acham que a Uber tem lucros fabulosos, mas não tem. A operação dela é deficitária desde o primeiro ano, desde 2009, quando ela nasceu nos Estados Unidos”, diz ele.

A empresa, porém, anunciou na terça-feira (21) que pode registrar o primeiro lucro trimestral ajustado da história da companhia antes do previsto, dada a intensa demanda por entrega de comida e recuperação nas corridas de seu serviço de transporte por aplicativo. Isso levou as ações da empresa dispararem na bolsa de Nova York e registrarem alta de mais de 12%, na maior valorização desde 4 de novembro de 2020, quando os papéis subiram mais de 14%, negociadas a US$ 44,37.

O ex-motorista diz ainda acreditar que, diante da realidade atual, motoristas ligados à Uber tendem a continuar com altos custos para rodar e baixos lucros para receber. “O prejuízo é total. Quanto mais o motorista roda, mais prejuízo ele tem”, argumenta Oliveira, citando questões como tributos e despesas com a manutenção dos veículos.

Segundo Wagner, para tentar driblar os problemas financeiros na relação com a companhia, muitos motoristas parceiros têm criado duas contas, uma como profissional e outra como cliente, para avaliar a viabilidade das tarifas. Outros ainda têm fechado corridas com passageiros sem a mediação da plataforma. Isso, porém, explica ele, pode se tornar uma dor de cabeça.

Arnaldo Carvalho/JC Imagem
App Uber - Arnaldo Carvalho/JC Imagem

“O algoritmo vigia o motorista e cliente o tempo todo. Por exemplo, se o motorista e o cliente combinam de fazer uma corrida por fora, o algoritmo tem como rastrear porque eles colocaram no sistema que o algoritmo deve informar todas as vezes que eu fui na sua casa e peguei você para levar para o aeroporto. Então, o sistema dispara uma mensagem expulsando o motorista da plataforma por mau uso”, diz ele, afirmando ter sido alvo de algo parecido.

Para evitar situações semelhantes, um projeto de lei apresentado na Câmara dos Deputados impõe regras e limites para o banimento dos condutores das plataformas. Ou seja, o artifício de bloquear os motoristas para controlar a oferta se tornará mais limitado. Pela proposta, a empresa operadora de aplicativos de transporte de passageiros ou entrega de mercadorias deverá comunicar sobre o bloqueio, suspensão ou exclusão dos prestadores de serviço com antecedência mínima de 24 horas. E mais, terá de explicar a razão, que poderá ser contestada.

Na raiz do problema está a precarização do trabalho dos motoristas, e provavelmente, a grande questão desse conceito de “nova economia” e a “uberizacão” das relações de trabalho. Sem direitos trabalhistas e valores mínimos, a atividade se torna uma corrida para o fundo do poço para quem presta serviço nas plataformas digitais. Recentemente, inclusive, a presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Maria Cristina Peduzzi, defendeu a existência de direitos mínimos para a categoria.

‘Blackout’ do transporte público

Engana-se, porém, quem acredita serem as críticas de Wagner apenas focadas na parte financeira ou sobre expulsões. Na avaliação dele, o crescimento da Uber e de empresas similares no Brasil pode prejudicar o transporte público, que já estaria perdendo forças nas grandes cidades do país.

“O que está acontecendo é que eles estão estrangulando o transporte público, os ônibus urbanos e agora você tem esse tal de Buser. Esse é o pior problema da Uber, ela criou um modelo que os outros ficam copiando. Então, o que já era ruim vai ficar mil vezes pior. Estou prevendo um blackout do transporte público nos grandes centros urbanos, infelizmente”, sublinha.

Foto: Divulgação
Buser - Foto: Divulgação

"Eles querem destruir tudo. Criar o caos e depois bater às portas do governo pedindo subsídios, dizendo assim: 'olha, já que está todo mundo no buraco, o Estado vai ter que nos socorrer, para a gente poder fazer um rearranjo do sistema. É um plano maquiavélico de destruir o transporte público no mundo inteiro", diz ainda.

Por isso, ele cobra do poder público uma ação mais enérgica contra as plataformas e afirma que é preciso frear o avanço da big tech no Brasil. “A Uber é uma empresa privada que se meteu a fazer transporte público. Isso é função do Estado. Por isso, o poder público perdeu o controle da quantidade de carros e agora de ônibus. Nós estamos no caos. A solução é parar os aplicativos imediatamente. Enquanto o governo não tomar essa medida nós vamos ter um blackout nas grandes capitais”, cobrou ele, pedindo que passageiros também abandonem a plataforma.

Escritor e youtuber

Expulso da plataforma, Oliveira tem se dedicado à saga contra a empresa, de onde retira seu sustento. Além das vendas do livro, ele se mantém com um canal no Youtube, no qual posta vídeos diários sobre os abusos da Uber e empresas semelhantes, e presta consultoria a motoristas que querem buscar seus direitos na Justiça.

O canal tem cerca de 19,1 mil usuários inscritos, e o público-alvo são trabalhadores de aplicativos. No vídeo mais assistido deste ano, com cerca de 30,6 mil visualizações, Oliveira comenta uma reportagem sobre o aumento da procura por táxis.

“O que eu falo lá, no meu canal, é que a Uber está lesando o cliente para ela e não para o motorista. Então, não existe como você negociar com milícias digitais, são quadrilhas que não aceitam [o diálogo]”, conclui ele.

Confira a nota na íntegra da a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), que representa as plataformas no país:

"Fundada em 2018, a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia - Amobitec representa as maiores empresas de tecnologia e mobilidade do Brasil.

A associação tem como missão contribuir para o desenvolvimento da mobilidade integrada, por meio da interlocução ética e profissional com os agentes públicos e organizações da sociedade civil, apresentando propostas de políticas públicas e estímulo à inovação tecnológica para a melhoria do desenvolvimento urbano e da qualidade de vida.

Além de atender às crescentes demandas da população de forma fácil e eficiente, a Amobitec entende que as inovações podem ajudar na gestão da mobilidade urbana, promovendo a integração entre os modais, o aumento da acessibilidade ao sistema de transporte e a redução da dependência do automóvel privado. Em estudo realizado a partir da Pesquisa Origem e Destino (OD 2017 I), foi possível identificar um perfil multimodal entre os usuários de aplicativos. Segundo a pesquisa, 6% do total das viagens que utilizam aplicativo tem início ou fim no transporte coletivo; dentre as outras viagens de pessoas que utilizam aplicativos, 36% são realizadas por modos coletivos e ativos.

Durante um período de instabilidade econômica, a movimentação gerada pelos apps foi essencial para que milhões de pessoas, entre entregadores, motoristas, restaurantes, comerciantes e micro empresas, tivessem uma alternativa para gerar renda e apoiar o sustento de suas famílias."

Confira a nota na íntegra da Uber:

"As atividades da Uber são completamente legais no Brasil: os motoristas parceiros prestam o serviço de transporte remunerado privado individual de passageiros, atividade que tem respaldo na Constituição Federal, integra a Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei Federal 12.587/12) e já foi regulamentada em âmbito nacional pela Lei Federal 13.640/18. Em 2019, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a proibição ou a restrição desproporcional da atividade é inconstitucional e representa violação aos princípios da livre iniciativa e concorrência.

A Uber paga impostos: a empresa está em dia com os impostos devidos para operar no país. De 2014 a 2020, considerando todas as linhas de negócio da Uber, a empresa pagou mais de R$ 4,2 bilhões em tributos, tanto federais (como PIS, Cofins e Imposto de Renda) quanto municipais (como o ISS e outros).

A Uber contribui com a economia do país: a empresa repassou R$ 68,4 bilhões aos motoristas e entregadores parceiros em sete anos de operação no Brasil. Esses números representam uma movimentação na economia que afeta também o consumo em diversos setores, como os de comércio, alimentação e serviços, além dos diretamente ligados à mobilidade urbana como lojas automotivas, oficinas mecânicas e postos de gasolina. Uma pesquisa realizada pela Accenture concluiu que o trabalho com a Uber proporcionou acesso à renda em um momento de crise e funcionou como uma fonte de segurança financeira na pandemia.

A Uber trouxe impactos positivos para a mobilidade: Uma pesquisa do Datafolha realizada para o Observatório Nacional de Segurança Viária aponta que 68% dos brasileiros que consomem álcool dizem ter deixado de dirigir após beber e passaram a usar aplicativos de mobilidade nessas ocasiões. Já uma pesquisa da consultoria BCG apontou que 73% dos brasileiros concordam que um dos atrativos dos aplicativos é poder beber sem precisar dirigir.

Outra pesquisa do Observatório Nacional de Segurança Viária realizada em 2019 identificou que 84% dos brasileiros já usaram os aplicativos como complemento ao transporte público. O índice é ainda mais alto em cidades em que a Uber chegou há mais tempo, como São Paulo (87%) ou Rio (88%). Hoje, o usuário do app da Uber já pode ver em São Paulo a opção “Transporte Público” junto com outros serviços disponíveis, como UberX, Uber Flash, Uber Eats ou Cornershop. Uma vez selecionada a opção, são exibidas as melhores rotas para se chegar ao destino usando a rede de transporte público, com horários de partida e chegada atualizados, além de instruções de caminhada para os pontos de embarque e desembarque. A ideia é que o usuário possa tomar a melhor decisão sobre seu descolamento, considerando tempo, conforto ou preço. A empresa também procura compartilhar nossa inteligência de dados com pesquisadores e autoridades para ajudá-las no planejamento das cidades. Em São Paulo, por exemplo, iniciativas nesse sentido já ajudaram a entender melhor o funcionamento dos congestionamentos e de acidentes de trânsito.

A Uber não faz concorrência desleal: o foco da Uber é oferecer mais opções para as pessoas se movimentarem pelas cidades. O CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) realizou um estudo concluindo que a chegada da Uber no mercado não mudou o panorama do transporte público individual, "pelo contrário, a empresa passou a atender uma demanda reprimida". Em abril de 2018, um novo estudo do órgão confirmou que o início da operação da Uber no Brasil acabou por “gerar benefícios aos consumidores e incentivar a entrada de novos ofertantes no mercado de transporte remunerado individual de passageiros”. 

Sobre gravação de áudio: Motoristas parceiros e usuários podem utilizar o próprio aplicativo para gravar a viagem caso não se sintam confortáveis. O conteúdo pode ser enviado para Uber de forma criptografada e, em caso de necessidade, utilizado para investigações ou compartilhado com autoridades, na forma da lei. Ao mesmo tempo, a proteção da privacidade dos envolvidos é levada muito a sério em todo o processo. Todos os usuários e motoristas receberão um aviso informando que o recurso está disponível e que eles podem estar sujeitos à gravação de áudio. Somente a Uber tem a chave para descriptografar o arquivo e isto somente pode ser feito após a denúncia, com o envio do áudio. A gravação não pode ser ouvida no dispositivo do usuário ou motorista, nem compartilhada com terceiros, apenas com a Uber.

Importante destacar que segurança e a principal prioridade para a Uber. A empresa está permanentemente investindo em novos recursos para fazer a plataforma cada vez mais segura antes, durante e depois que é usada por nossa comunidade de usuários, parceiros ou clientes. Para diminuir os riscos a todo esse contingente de pessoas, acreditamos na capilaridade e no poder transformador da tecnologia. O Brasil conta com o primeiro Centro de Desenvolvimento Tecnológico da Uber na América Latina. Grande parte dos novos recursos de segurança que chegam ao aplicativo estão sendo desenvolvidos no país, com a participação de engenheiros e especialistas brasileiros."

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