O Nordeste sempre esteve presente na eclética obra de Pabllo Vittar. A artista maranhense faz questão de inserir referências artísticas e estéticas da região em seus trabalhos, fugindo de estereótipos reducionistas e, ao contrário, dando visibilidade nacional a movimentos que fazem a cultura dos nove estados pulsarem, como o forró, tecnobrega, brega-funk, entre outros. Mas, essa proposta artística nunca esteve tão evidente e consolidada quanto em Batidão Tropical, seu quarto álbum de estúdio, lançado na noite de quinta-feira nas plataformas de streaming.
Pensar a importância de Pabllo Vittar no cenário pop brasileiro é uma tarefa complexa. Em um intervalo de quatro anos desde seu primeiro disco, Vai Passar Mal (2017), a artista acumulou números superlativos nas plataformas de streaming (só no YouTube, são mais de um bilhão de visualizações, superando nomes como Amy Winehouse, Nelly Furtado e Megan Thee Stallion) e nas redes sociais, onde se tornou a drag queen mais seguida do mundo.
Além de se posicionar como um dos principais nomes da música contemporânea no Brasil, ela também tem chamado a atenção no exterior, se apresentando em países como os Estados Unidos, e colaborando com artistas como Marina, Lauren Jauregui, Charli XCX e Thalia. Sua representatividade na comunidade LGBTQIA e os espaços que ela conquistou na mídia também fazem de Pabllo um fenômeno singular.
Sua obra dialoga com tendências musicais, como o brega-funk de Parabéns (2019), mas não fica presa a elas. Pabllo evoca um repertório cultural vasto e longe de proselitismos, que a aproxima de produções de vanguarda, como projetos de música eletrônica alinhados com o movimento PC Music, às músicas que bombam nas festas Brasil afora, para além do eixo Rio de Janeiro-São Paulo.
AVISA QUE É ELA
Se em seus outros trabalhos Pabllo equilibrava as tendências internacionais com os sons mais brasileiros, em Batidão Tropical ela abraça as raízes nordestinas e vive a fantasia de evocar as cantoras que marcaram sua infância e juventude, como Mylla Karvalho, da Companhia do Calypso, uma de suas maiores referências.
No novo álbum, três faixas são composições inéditas: o forró Ama Sofre Chora, cuja frase "Piranha também ama" viralizou rapidamente; Triste com T e A Lua, todas grandes candidatas a dominar as festas de São João, não fosse a pandemia. Não deve demorar, inclusive, para outros artistas do forró eletrônico incorporarem essas faixas em seus repertórios, como já aconteceu com outras músicas de Pabllo, a exemplo de Disk Me, que ganhou várias versões, como a de Solange Almeida.
Nas outras seis faixas, Pabllo celebra canções que fazem parte do seu repertório afetivo, assim como o de muitas pessoas do Norte e Nordeste, como Ânsia, cantada pela pernambucana Brega.Com e que também ganhou versão da Companhia do Calypso (ler vinculada) e Calcinha Preta; Bang Bang e Zap Zum e Ultra Som, da Ravelly; e Não É Papel de Homem, da Kassikó. Todas as canções ganham arranjos vibrantes, que evocam as grandes estruturas das bandas de forró.
Que este álbum tenha sido lançado na noite de São João e no mês do orgulho LGBTQIA também mostra como a artista entende a cultura como organismo vivo, pulsante e pronto para ser ressignificado. Ainda que a comunidade sempre tenha estado presente na cena do forró, brega e outros ritmos, eles ainda eram considerados, majoritariamente, heteronormativos. Vittar desafia essa percepção e convida todos para dançar essa sua utopia do desejo e da festa.