Foi um show de Alceu Valença o último que eu vi antes que a pandemia fechasse a gente em casa. Era a abertura do Carnaval de Olinda, na praça do Carmo, fevereiro de 2020. Havia gente apinhada, colada uma na outra, subindo a ribanceira que dá para a igreja. Quase dois anos depois, foi através do mesmo Alceu que eu me reencontrei com um palco à minha frente, na noite deste sábado (2), num show que marca a retomada dos grandes eventos em Pernambuco e que mata a saudade, ou ao menos alivia e dá esperança.
Desta vez, diante dele, um público muito menor: havia duas mil pessoas, distribuídas, na parte de baixo, em mesas e cadeiras, e em camarotes no primeiro e segundo pisos. O número representa cerca de 16% da capacidade total da casa de shows - percentual máximo estipulado pelos protocolos sanitários de agora.
Um público também com mobilidade restrita, como ainda é necessário: é até permitido que a pessoa fique em pé e dance, mas é proibido que circule, a menos que seja para ir ao banheiro, sob a obrigatoriedade do uso de máscara. O acessório, aliás, é imprescindível à entrada e saída.
Na primeira área de mesas do show de Alceu Valença, o frege foi maior durante a noite - talvez tenha disparado o gatilho de como a gente se comportava quando estava à beira do palco. A princípio, é estranho estar num show - ainda mais do "Bicho Maluco Beleza" - sem poder se movimentar livremente nem estar no meio de um público como uma massa só. Mas, enquanto o corpo vai dançando sentado, a cabeça vai se adaptando.
É importante frisar que, fora pouquíssimas exceções, cada qual ficou devidamente em seu espaço e munido de álcool.
À entrada, mais do que o ingresso - e mais importante do que ele - era (e continua sendo) preciso ter o cartão com esquema vacinal completo ou então com uma dose mais o teste RT-PCR (feito até 48 horas antes do show) ou antígeno (até 24 horas antes). A produção do show, prevendo que alguém chegasse desavisado quanto à obrigatoriedade, contratou uma equipe laboratorial que realizava os testes na hora, sob pagamento do consumidor.
Destoando completamente da noite e das condições atuais, um casal apareceu sem máscara nem comprovante ou teste, reclamando o direito de entrar porque havia pagado caro pelo ingresso.
Os ingressos custaram desde R$ 70, a cadeira, a R$ 3 mil, o camarote no 1º piso para até oito pessoas.
Frevo com vacina
No palco, Alceu Valença, que entrou em cena por volta das 23h, depois da apresentação de Geraldinho Lins, parabenizou as medidas estabelecidas pelo Governo do Estado e defendeu a vacina e o uso da máscara mesmo após a imunização, num discurso de combate ao que está aí. "Digo a vocês: nós vamos acabar com esse coronavírus, porque nós vamos degolar esse canalha, entendeu? E para isso é preciso que todo mundo se vacine. Vacina para todos!", exclamou o dono da noite, de 75 anos, informando que já tomou a terceira dose, de reforço, e mostrando a máscara guardada no bolso.
Ele montou um repertório para matar a saudade mesmo. Foi um sucesso atrás do outro. A certa altura, havia gente com emoção suficiente de se estar no Marco Zero cantando, dançando e chorando o fim do Carnaval. Começou com forró, baião, xote e xaxado e desaguou no frevo. "A primeira parte deste show foi dedicada a São Bento do Una", disse, mencionando sua cidade natal, depois de cantar "Papagaio do Futuro", "Baião", "Vem Morena", "O Canto da Ema", "Xote das Meninas", "Sabiá" e "Coração Bobo", formando alguns casais junto às suas mesas.
O roteiro seguiu com ritmos que ele conheceu quando chegou ao Recife, como o frevo e o maracatu. Vieram, entre outros, os grandes sucessos "Como Dois Animais", "Pelas Ruas que Andei", "La Belle de Jour" e "Anunciação", quando deixou o palco.
Alceu Valença retornou de fraque prateado e cartola preta, como nos velhos Carnavais. Cantou "Voltei Recife", "Diabo Loiro" e "Bicho Maluco Beleza", tirando do público os muitos passos de frevo guardados há mais de um ano.
Homenagem a Paulo Rafael
O show foi em homenagem ao guitarrista Paulo Rafael, que morreu no dia 23 de agosto, aos 66 anos, devido a um câncer no fígado. Paulinho, como era conhecido, era caruaruense, integrante do Ave Sangria e estava na banda de Alceu Valença desde 1975.
"Queria dedicar a uma pessoa que sempre estará presente dentro dos meu shows, na minha obra musical, na obra musical do Ave Sangria. O nome dele é Paulo Rafael. Paulinho que sempre esteve ao lado da música; Paulinho que tinha uma sensibilidade incrível para a música, Paulinho que era um dos maiores guitarristas do mundo e colocou um estilo próprio, da guitarra, a serviço da música popular brasileira. A guitarra de Paulo Rafael entrou no forró, entrou no frevo, entrou em tudo que é canto. Então, é muito triste pra gente, é difícil, 'tô' num luto terrível, mas a vida segue, e eu tenho certeza que Paulinho está achando bacana que a gente está fazendo um show aqui."
O instrumentista Léo Lira foi quem assumiu a guitarra na banda de Alceu Valença, após a morte de Paulo Rafael.
Próximos shows
A apresentação de Alceu Valença foi também a retomada do Classic Hall, que permaneceu fechado para shows desde o início da pandemia, em 2020. A programação da casa segue, no dia 15 de outubro, com a dupla Jorge e Mateus. Depois, no dia 18 de novembro, haverá gravação de DVD da banda Limão com Mel, marcando a volta do vocalista Edson Lima. Wesley Safadão, Xand Avião, Gusttavo Lima e Tarcísio do Acordeon vão participar.