Dois breves trechos resumem bem o perfil biográfico do empresário e jornalista Roberto Marinho (1904-2003), escrito por Eugênio Bucci e recém-publicado em livro pela Companhia das Letras. Eis o primeiro: "Roberto só descartava a vingança quando seu traidor já estivesse na lona, fora de combate, derrotado pela própria vida. Nesses casos, vingava-se ao esnobar a própria vingança". O segundo: "O jornalista nunca se envergonhou do compromisso com a tirania fardada. Ele, que se arrependeu por escrito de ter cedido aos encantos dos embaixadores do fascismo italiano, jamais recuou do apoio ao golpe de 1964".
Com texto instigante, em 330 páginas, Roberto Marinho: Um Jornalista e seu Boneco Imaginário (R$ 84,90, em pré-venda) aborda alguns dos pontos mais polêmicos da história do magnata dos meios de comunicação, como Bucci — e tantos outros — o classifica. Marinho é apresentado como um homem inteligente, com olhar bem atento às transições pelas quais o País passava e focado 100% no crescimento do império das Organizações Globo. Para isso — e como consequência de ter se tornado um dos empresários mais influentes do Brasil — criou alianças políticas com praticamente todos os presidentes (até com Getúlio Vargas, o "pai dos pobres", com quem acabou rompendo nos últimos anos de vida do ex-ditador, passando a criticá-lo, mesmo convivendo com um censor na Redação do jornal O Globo). Também apoiou o golpe de 1964, denominado por ele como uma "revolução".
Até mesmo no Ato Institucional número 5 — o AI-5, o mais autoritário e violento do governo militar no País — Marinho não se afastou de quem estava no poder para lutar pela democracia. Ao contrário. Manteve, em seus veículos, uma cobertura discreta e pouco imparcial. Preferiu a amizade à ira dos militares. Nesse período de censura e perda de direitos da população, o império do empresário se multiplicou. A TV Globo se expandiu, assim como as rádios e os jornais impressos sob o seu comando. Só quase dez após a morte dele (devido a um edema pulmonar provocado por uma trombose), como bem pontua o autor do livro, um editorial de O Globo fez o mea culpa e disse ter errado ao apoiar o golpe — isso em meio às manifestações pelas quais o País passava em 2013.
Outro ponto alto do livro é quando o autor trata da relação entre o empresário com o grupo americano Time-Life, que o ajudou a colocar a TV Globo no ar por meio de um acordo pouco esclarecido até hoje. A Constituição brasileira proibia a participação de estrangeiros como sócios de empresas jornalísticas nacionais.
A polêmica edição sobre o debate entre os então candidatos à Presidência da República Fernando Collor de Melo e Luís Inácio Lula da Silva, em 1989, apresentada pelo Jornal Nacional no dia seguinte ao certame, também foi abordada no perfil escrito por Eugênio Bucci. Sem meias palavras, como também já foi reconhecido, o autor reforça que houve uma clara intenção em mostrar — naquela reportagem exibida no já então principal telejornal do País, dono de uma das maiores audiências do canal — que Collor era o mais preparado para comandar o Brasil. Tudo pensando no melhor para o País, como justificava Marinho. Ou para um "império" das comunicações em amplo desenvolvimento?
AGRESSÕES
A obra destaca, ainda, um lado pouco, ou totalmente desconhecido, do público em geral. Roberto Marinho é apresentado, em alguns dos capítulos, como um homem vingativo. Agressivo, inclusive. Na primeira parte, há o relato de que ele, adulto, se vingou de uma agressão sofrida quando era criança. O mesmo fez quando acreditou que o pai, Irineu Marinho, havia sido vítima de um golpe.
Pouco antes de voltar da Europa com a família, onde passava por tratamento médico, o patriarca descobrira não estar mais no comando do A Noite, que fundara anos antes e era um dos principais jornais da época. Roberto Marinho não só foi às vias de fato com um dos novos diretores do impresso como também liderou, tempos depois, ferrenhos ataques escritos no O Globo, fundado em seguida, para acusar aqueles que passaram a ser considerados inimigos, mesmo com o pai já falecido.
Ao longo da vida, aliás, alguns amigos (ou funcionários) de Marinho também tornaram-se oponentes. E, assim como numa guerra, só um lado venceu. O dono da TV Globo manteve-se em pé sempre.