Pode parecer estranho para quem cresceu assistindo à teledramaturgia do Sudeste na televisão, mas Pernambuco teve uma época fértil de produção de novelas. Esse período começou nove anos depois do eixo Rio-São Paulo, em 1960, com a inauguração das duas primeiras emissoras pernambucanas: a TV Jornal do Commércio, atual TV Jornal, e a TV Rádio Clube, que fechou em 1980.
Nomes como Arlete Salles, José Wilker e Lúcio Mauro iniciaram suas carreiras aqui, nessas produções, quase todas dirigidas por Jorge José B. Santana, memória viva do começo da TV no Recife e autor de "A Televisão Pernambucana Por Quem a Viu Nascer" (Facform, 2007). Neste 21 de dezembro, quando se celebra os 70 anos da novela no Brasil, vamos relembrar alguns folhetins.
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A primeira telenovela feita e exibida no Estado foi "O Ruído do Silêncio" (1960), da TV Rádio Clube, que tinha um enredo policial. Eram dois capítulos por semana, nas terças e quintas-feiras, às 21h. "O enredo girava em torno de um roubo ocorrido em uma mansão. O assalto teve muita maestria no silêncio da noite, o que justificava o título. Então, tentavam descobrir quem foi que executou esse furto, com uma narrativa que tinha o mocinho e a mocinha. Foi algo simbólico", relembra Jorge, em entrevista.
"Essa novela teve 30 capítulos. Fez sucesso porque, até então, só se tinha a radionovela." "O Ruído do Silêncio" era exibida ao vivo, pois o videoteipe, usado para gravações, era extremamente caro naquela época. Os cenários eram montados nos estúdios, fazendo o produto se assemelhar a uma espécie de "teleteatro filmado".
Jorge José relembra de várias novelas feitas nos anos 1960, todas com direção dele, a exemplo de "Canção do Fugitivo" e "Sublime Mentira", na TV Rádio Clube. Após sua ida para a TV Jornal, dirigiu "Nobreza de um Canalha" e "Um Dia Talvez”, com textos de Weber Carvalho, e "Senhora de Engenho", "Leonor, A Inesquecível", "Coração em Revolta" e "Amor de Colegial", todas escritas por Alberto Lopes.
O grande sucesso
A novela com maior impacto foi "A Moça do Sobrado Grande", exibida na TV Jornal em 1968, com texto de Semíramis Alves e direção de Jorge José. Ela se passava em Pernambuco, no século 19, com enredo que trazia duas grandes famílias que controlavam as terras e a produção de açúcar, abordando histórias e costumes do povo nordestino.
Esse folhetim foi exibido nacionalmente na TV Bandeirantes, inicialmente aos sábados. "A audiência dela foi tão grande que a Bandeirantes a colocou de segunda a sexta, antes de 'Os Miseráveis', uma novela deles que estava com audiência baixa. A ideia era prender a audiência", explica Santana.
O elenco era composto por Carmem Peixoto (Laura de Castro e Silva), José Pimentel (Carlos, um solteirão apaixonado), ator que até seus últimos dias foi o Jesus da Paixão de Cristo do Recife, Paulo Ribeiro (Jerônimo Castro e Silva), entre outros. Foram mais de 100 episódios.
Cotidiano de produção
"A Moça do Sobrado Grande" também ficou conhecida por ser a primeira novela com cenas externas, algo que não era comum pela dificuldade do manejo dos equipamentos. "Gravávamos perto da Escola de Aprendizes Marinheiros e na antiga Fábrica da Fosforita. Era uma novela de época, que exigia um guarda-roupa belo, cabelos trabalhados. Chegávamos ao estúdio logo cedo de manhã, e saíamos tarde da noite. Mas todos os atores sentiam-se recompensados pelos altos índices de audiência e o carinho do público", relembra Carmem Peixoto.
"Existia um caminhão que mandava as imagens para Santo Amaro, onde ficava a TV, através de micro-ondas. O elenco chegava de 5h30 para se aprontar. De 7h saíamos, pois tínhamos de aproveitar o sol. As câmeras eram muito pesadas, precisavam de quatro pessoas para carregar. Quando dava 16h40, tínhamos gravado apenas 5 ou 6 minutos de novela. Depois íamos para os estúdios, gravar cenas internas até a meia-noite. No outro dia, estávamos lá de 5h de novo (risos). Mas era muito legal. Era uma novidade."
Com a popularização do videoteipe e depois da transmissão via satélite, as emissoras locais passaram a exibir produtos vindos do Sudeste. Na década de 1990, a Globo Nordeste, fundada em 1972, retomou a produção local ao produzir especiais como "A Promessa de Jeremias", "Caminho de Monte Santo" e "O Santo Cibernético", levando a tradição até o final dos anos 1990. Já nos anos 2000, a TV Jornal chegou a produzir as minisséries "Santo por Acaso" e "Cruzamentos Urbanos".