MÚSICA

Mais de 400 artistas assinam manifesto contra ação sobre uso de canções em programas políticos. Entenda

Supremo Tribunal de Justiça irá julgar se o uso alterado de canções em programas políticos deve ser considerado uma paródia e isento de autorização e pagamento de direitos autorais

Cadastrado por

Emannuel Bento

Publicado em 07/02/2022 às 15:50 | Atualizado em 07/02/2022 às 16:14
Gilberto Gil, Roberto Carlos e Marisa Monte estão entre os 400 nomes de um manifesto crítico à ação que pode considerar apropriação de canções em propagandas políticas como "paródias" - FERNANDO YOUNG, RAQUEL CUNHA E ALFREDO ALVES/DIVULGAÇÃO

Mais de 400 cantores e compositores se reuniram em um abaixo-assinado para tornar pública a preocupação da classe artística com uma ação que será julgada no Supremo Tribunal de Justiça nesta quarta-feira (9). A ação nº ERESP 1.810.440 irá decidir se o uso alterado de canções em programas políticos deve ser considerado uma paródia e isento de autorização e pagamento de direitos autorais.

O grupo acredita que essa ação judicial pode mudar os rumos da lei de direitos autorais no Brasil. A decisão definirá, especificamente, se foi regular o material de campanha político do candidato Tiririca, que em 2014 usou um trecho da famosa música "O Portão", de autoria de Roberto e Erasmo Carlos, para produzir o seguinte refrão: "Eu votei, de novo vou votar, Tiririca, Brasília é o seu lugar".

Em busca de um parecer favorável, mais de 400 compositores e artistas, entre eles nomes como Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Milton Nascimento, Gilberto Gil, Samuel Rosa, Zeca Pagodinho, Marisa Monte, Adriana Calcanhoto, Carlinhos Brown, Lulu Santos, Os Paralamas do Sucesso, João Bosco, Rita Lee, Paulo Sergio Valle, Vanessa da Matta, Guilherme Arantes, Emicida e Rael se reuniram num Manifesto.

Foto: Vinícius Loures/Câmara dos Deputados - Foto: Vinícius Loures/Câmara dos Deputados

Na visão dos artistas, o uso de paródias de obras musicais em campanhas eleitorais - sem autorização prévia - "será um ilegítimo passaporte para alavancar candidaturas e interesses político-partidários e servirá para distorcer o processo eleitoral e enganar os eleitores, com graves reflexos na democracia brasileira", aponta a comunicação da iniciativa.

"Até hoje, nunca houve dúvida de que o uso de obras musicais com finalidades políticas, mesmo que modificadas letras e/ou melodias, sempre dependeu de autorização prévia do titular de direitos autorais. Ou seja, jamais cogitou-se enquadrar como paródia", diz um trecho do manifesto.

"Entretanto, esse entendimento histórico poderá ser modificado e admitir os usos indiscriminados das obras musicais com fins eleitorais, usurpando a gestão dos autores sobre suas criações. A paródia está prevista na lei de direitos autorais a fim de preservar a liberdade de expressão desde que não venha gerar prejuízo ou descrédito ao criador e sua obra", continua o texto.

"No caso de prevalecer o entendimento desfavorável aos criadores, haverá irreparável lesão aos direitos pessoais e às opções ideológicas em razão da interferência nos direitos inalienáveis dos autores, que terão suas criações artísticas - verdadeira extensão de suas identidades - atreladas a valores, opções, ideologias ou governos, eventualmente contrárias às suas convicções. Um verdadeiro risco à integridade do sistema de proteção aos direitos autorais”.

Entenda o caso

Em 2014, a editora Sony Music, em nome de Roberto e Erasmo Carlos, moveu ação judicial contra o Partido da República e o Deputado Tiririca pelo uso não autorizado da canção “O Portão”, na campanha a Deputado Federal por São Paulo do então candidato Tiririca, com alteração da letra da obra. Em primeira instância, a 21ª Vara Cível/SP deu ganho de causa aos autores e titulares dos direitos autorais, cuja sentença foi confirmada pela 20ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça/SP.

O Partido e o candidato recorreram da decisão e, em novembro de 2019, a 3ª Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) deu ganho de causa ao Recurso Especial do PR e do Deputado, entendendo o uso da música na campanha como legítima, por se tratar de uma paródia permitida pela Lei de Direitos Autorais. Essa decisão foi alvo de novo recurso, que será julgado pelo mesmo STJ, em Brasília, no próximo dia 9/2, por um colegiado formado por 10 ministros.

Confira o manifesto na íntegra:

"Os compositores e artistas que abaixo assinam vêm tornar pública sua extrema preocupação com o julgamento do ERESP 1.810.440, em curso no Superior Tribunal de Justiça, que irá julgar, no dia 09/02/2022, se o uso alterado de canções em programas políticos deve ser considerado uma paródia e isento de autorização e pagamento de direitos autorais.

A decisão se dará em processo judicial onde se discute se foi regular o material de campanha político do candidato Tiririca, que se apropriou da famosa música "O Portão", de autoria de Roberto e Erasmo Carlos, para produzir o seguinte refrão: Eu votei, de novo vou votar, Tiririca, Brasília é o seu lugar.

Até hoje nunca houve dúvida de que o uso de obras musicais com finalidades políticas, mesmo que modificadas letras e/ou melodias, sempre dependeu de autorização prévia do titular de direitos autorais. Ou seja, jamais cogitou-se enquadrar como paródia. Entretanto, para surpresa da classe artística, esse entendimento histórico poderá ser modificado e admitir os usos indiscriminados das obras musicais com fins eleitorais, usurpando a gestão dos autores sobre suas criações.

A paródia está prevista na lei de direitos autorais, a fim de preservar a liberdade de expressão, assegurar a livre opinião, a crítica, a sátira, o humor, a diversão, a arte, enfim, permitir a livre manifestação desde que não venha gerar prejuízo ou descrédito ao criador e sua obra. É uma exceção, de caráter efêmero, que deve ser interpretada sempre associada à circulação das ideias, conforme concebeu o legislador.

No caso de prevalecer o entendimento desfavorável aos criadores haverá irreparável lesão aos direitos pessoais e às opções ideológicas, em razão da interferência nos direitos inalienáveis dos autores, que terão suas criações artísticas - verdadeira extensão de suas identidades - atreladas a valores, opções, ideologias ou governos eventualmente contrárias às suas convicções. Um verdadeiro risco à integridade do sistema de proteção aos direitos autorais.

O uso de paródias de obras musicais em campanhas eleitorais, sem autorização prévia, será um ilegítimo passaporte para alavancar candidaturas e interesses políticopartidários. Além de atingir os direitos morais dos criadores, que ficarão privados de fazerem suas livres escolhas políticas ou ideológicas, servirá para distorcer o processo eleitoral e enganar os eleitores, com graves reflexos na democracia brasileira.

As consequências são seriíssimas e a questão reclama a imediata mobilização de toda classe artística e da sociedade civil, no sentido de rogar ao STJ, que julgue na preservação dos direitos autorais dos criadores e na defesa de eleições hígidas e transparentes!"

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