A atmosfera cultural dos anos 1970, as referências aos bastidores de Hollywood e um roteiro singelo, que exige sensibilidade do espectador. Essas são alguns componentes que fizeram "Licorice Pizza", de Paul Thomas Anderson, ter agradado tanto o Oscar 2022, recebendo indicações em Melhor Filme, Direção e Roteiro Original. O longa-metragem estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (17).
O título confuso dessa comédia romântica, que na tradução literal é "pizza de alcaçuz", é um apelido para os disco de vinil. Daí já se tira bastante do tom nostálgico da produção ambientada no Vale de San Fernando, área de Los Angeles onde o diretor nasceu, cresceu e ainda mora. Thomas Anderson também já fez uma ode ao passado em "Boogie Nights" (1997).
“Licorice Pizza” acompanha a paixão nem sempre declarada do adolescente Gary Valentine (Cooper Hoffman, filho do ator Philip Seymour Hoffmann, que faleceu em 2014) com Alana Kane (Alana Haim, a caçula do trio de pop rock Haim), que vive os seus 20 e poucos anos. Ambos os atores são estreantes e já possuem uma relação com o diretor, que dirigiu clipes da banda Haim e era amigo do pai de Cooper.
Essa proximidade de Thomas Anderson com o local ambientando, com os atores e os demais elementos que orbitam nessa história explicam como "Licorice Pizza" conseguiu imprimir uma carga tão afetiva. A fotografia, na direção de arte e suas paletas de cores, na trilha sonora composta por nomes como David Bowie, Nina Simone, Chuck Berry… Tudo confabula para a criação de um ambiente confortável.
Nesses confusos tempos dos anos 1970, da decadência da contracultura, da crise do petróleo e do fiasco americano no Vietnã, Gary e Alana experimentam momentos diferentes da juventude. Com apenas 16 anos, ele tem furor, ímpeto, é curioso com a sexualidade e imaturo para determinadas questões. Já Alana não aguenta mais estar na casa da família, cria embates com parentes e busca constantemente um trabalho na indústria do entretenimento.
É nessa amizade pouco provável que mora a riqueza do longa: juntos, eles vivem pequenas aventuras cotidianas. Aquelas mesmas aventuras que vivemos em nossos contextos locais, que estão em nossas lembranças. Thomas Anderson os leva para a sua realidade particular. Nesses causos, os jovens esbarram com participações estelares.
Bradley Cooper está caricato e marcante como Jon Peters, cabeleireiro que namorou Barbra Streisand e se tornou produtor de grandes filmes de Hollywood. Sean Penn vive Jack Holden, um astro da velha guarda de Hollywood já em decadência (inspirado em William Holden). O cineasta Benny Safdie interpreta um outro personagem real, o político angelino Joel Wachs, que esconde a sua homossexualidade. Já John Michael Higgins interpreta um personagem polêmico que se casa com mulheres japonesas sem entender o que elas falam.
Criando ou não um tom satírico, o diretor volta no tempo ao ponto de deixar um pouco de lado o politicamente correto. Isso está presente nos próprios protagonistas, que possuem uma relativa diferença de idade. Mas sua nostalgia abranda essas questões, usufruindo desses tempos atuais em que estamos saudosos até da semana que passou.