A Amparo 60 marca com mudança de endereço os 24 anos percorridos até aqui: a partir desta terça-feira (14), a galeria tocada por Lúcia Santos ocupa o terceiro piso da Dona Santa, em Boa Viagem. Esta é a terceira casa em que se ampara — do Pina, onde começou seu trabalho, foi para o Edifício Califórnia, permanecendo por cinco anos, até integrar agora o espaço de Juliana Santos, que já não é mais só uma loja de roupas nem a única hóspede do prédio à Rua Professor Eduardo Wanderley Filho, 187.
A movimentação da Amparo 60 para compor uma espécie de 'pool' que a Dona Santa está formando (e que incluirá também um restaurante do chef André Saburó) flerta com uma dinâmica que tem mudado o formato de alguns negócios — tem a ver com uma necessidade de diversificar 'produtos' e experiências que, embora sejam de diferentes 'departamentos', dialogam entre si e podem promover conexões porque há uma curadoria unindo as pontas. Moda e arte, além do mais, sempre estiveram em prateleiras vizinhas.
A Dona Santa, um empreendimento que por décadas se consolidou como espaço de moda, já havia se reposicionado em março quando convidou a Número Galeria — também de Lúcia Santos, mas de venda de múltiplos de arte e em sociedade com Eduardo Gaudêncio e Ricardo Lyra — para se instalar em seu segundo piso. A chegada da Amparo 60 tanto amplia o novo conceito da loja quanto deixa a galerista mais confortável trafegando por suas duas galerias separadas por apenas uma escada. E não somente: ela acredita que pode colocar outras pessoas em contato com as obras de arte contemporânea.
Dito isso, o que Lúcia Santos deixa claro é que a Amparo 60 continuou a mesma, de 1998 até aqui, e assim segue deste novo ponto para frente. "Eu apostei nos artistas jovens da época e segui com esse projeto ao longo desses 24 anos", conta a galerista, que, à medida em que esses artistas iam amadurecendo, ganhando projeção em feiras de arte e representação em galerias de São Paulo ou de fora do País, novos jovens iam chegando, criando uma convivência entre gerações. "A gente continuou na insistência de trazer artistas experimentais — aqueles que estão fazendo as primeiras exposições — juntando com artistas consagrados. Costurar gerações sempre foi uma vontade minha", completa.
"3X6 Percursos"
E prova disso é que nesta terça, com a inauguração da nova loja, ocorre a abertura da exposição coletiva 3X6 Percursos. Nela, a curadora Heloísa Amaral Peixoto mescla artistas já consagrados com outros de menos tempo de trabalho. São eles: Ascânio MMM, português radicado no Rio e um dos nomes mais recentes no casting da galeria, que deve ganhar sua primeira individual aqui em setembro; mais os pernambucanos de gerações variadas Marcelo Silveira, José Patrício, Clara Moreira e Fefa Lins; e também o gaúcho radicado no Recife Cristiano Lenhardt.
A exposição é uma continuidade da mostra "Corpus-lócus", que foi apresentada pela Amparo 60 na SP-Arte, em abril, quando o estande da galeria ficou entre os dez mais impactantes na lista da revista Select. Em outubro, um novo recorte de seis artistas de diferentes gerações — dos 32 atuais no casting — vai render outra exposição "3X6". A proposta é continuar criando diálogos e conexões entre as obras de artistas distintos em gerações e técnicas.
Trajetória da galeria
A Amparo 60 surgiu no mercado em 1998 com uma mostra do artista Eudes Mota. Naquele momento, o Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães (Mamam) era um equipamento recém-aberto (em 1997) e começava a atrair olhares de curadores para novos artistas daqui. A instituição pública e a galeria tiveram uma atuação importante na projeção desses nomes e da produção de arte contemporânea no Estado.
Antes de se tornar galerista, 28 anos atrás Lúcia Santos era dona de uma loja que mesclava objetos de design e peças de antiguidade e de arte popular garimpadas junto com a mãe, a arquiteta Janete Costa, em Olinda (por isso, o Amparo no nome). Interessavam a elas coisas raras — o 60 do nome se refere ao selo olho-de-boi, impresso por determinação do Governo Imperial brasileiro, em 1843, e raro nas coleções de filatelistas.
Lúcia Santos considera que aquela loja foi um embrião da Amparo 60 e, sendo assim, credita Janete Costa como cofundadora da ideia que veio desaguar na forma de galeria dedicada a colocar na vitrine, sobretudo, artistas do Recife e do Nordeste. Embora não sejam os únicos no casting, até hoje eles são maioria.
"O que eu percebo é que são artistas que querem continuar morando nas suas cidades, e que amam o Recife. A Amparo 60 é uma galeria que representa esses artistas no Recife, ela é um porto. Mesmo representados por galerias fora daqui ou do Brasil, eles têm um lugar na cidade", conta.
Ela mesma diz ter recusado abrir galeria em São Paulo, comprometida em fomentar o mercado de arte contemporânea daqui. "Preferi criar uma história no Recife. Nesse aspecto, nós estamos deixando uma marca, porque, de tudo o que você faz na vida, nada é mais importante do que deixar uma marca na cidade."