Depois do meio-dia de 20 de outubro de 1990, o modo de se produzir e se relacionar com a música pop sofreu o impacto de uma importante mudança no Brasil. Sob tutela de Astrid Fontenelle, entrou no ar a versão nacional da Music Television, ou somente MTV, o canal estadunidense de televisão que por aqui chegou nove anos depois da tutora gringa, aberto e rodeado de muita expectativa. O apelo, a princípio, era focado na exibição de videoclipes. Para o debut, o escolhido foi o da versão de Marina Lima para Garota de Ipanema.
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Numa época em que a internet engatinhava e nem se sonhava com a praticidade do YouTube ao alcance dos smartphones como extensão das mãos, um canal de TV que transmitia as últimas novidades da música feita em todo mundo 24h por dia era mesmo uma comoção. Tudo relacionado à MTV reverberava entre os que tinham a oportunidade de acesso à programação — difícil de ser sintonizada em alguns pontos do País.
Para a audiência, era passo maior na democratização do acesso a uma fatia da cultura segmentada. Para os profissionais da área, abria-se uma vitrine, mas também um novo desafio: o videoclipe agora teria tanta — e às vezes mais — importância do que a música. Mudança de hábito que por vezes acirrou as diferenças entre contratados de grandes gravadoras e músicos independentes, bem como revelou por vezes que criatividade e domínio inventivo não se compram. O formato Acústico MTV, por exemplo, foi responsável muitas vezes por catapultar um artista para o topo das paradas.
Além disso, a MTV Brasil, ame ou odeie, ganhou pontos pelo caráter de improviso, uma aura que no início vinha da reação orgânica de jovens VJ’s — os videojockeys — inexperientes e sem saber bem ao certo o que deveriam fazer na posição que ocupavam. Dessa primeira turma fizeram parte nomes hoje consagrados no entretenimento televisivo, a exemplo de Zeca Camargo ou a própria Astrid. Foram a geração inicial de apresentadores-celebridades (confira mais abaixo alguns dos principais nomes), ou como Gaia Passarelli, representante da geração que fechou as portas, cita no texto Minha Vida de VJ: “Adolescentes iam na porta da emissora pedir autógrafo e tirar selfies, mandavam presentes, faziam fã-clubes virtuais. É como ser repórter e estrela do rock ao mesmo tempo”.
Com o avanço das redes sociais e impasses mercadológicos, a MTV Brasil decidiu encerrar as atividades com o então modelo e se despediu, orgulhosa, de ter colocado “o dedo na ferida”, como diz parte de seu último editorial lido no fechamento do canal por Astrid Fontenelle, em 30 de setembro de 2013. E faz sentido.
A jovem emissora influenciou diretamente o comportamento dos jovens, ofereceu entretenimento mais alternativo e abriu espaço para uma TV de massa menos careta.
Segundo a jornalista Patrícia Kogut, no livro 101 Atrações de TV Que Sintonizaram o Brasil, a estética da MTV era, de fato, única e singular: “Tratava-se de um ambiente em que o improviso era mais do que permitido, era um valor. Palavrões ecoavam sem censura e colaboravam para compor a aura da juventude que dominava o canal e atraía o seu público-alvo. [...] O calor do ‘feito sem ensaio’, em vez de atrapalhar, funcionava como capital a mais”.
Mas mesmo com a verborragia de seus apresentadores e programas, a MTV conseguia falar sério quando queria. A emissora se destacava com suas campanhas para o jovens contra a AIDS, exercia a inclusão com o público LGBT na sua grade - de onde veio, inclusive, o primeiro beijo gay da TV brasileira, no Fica Comigo,
programa apresentado por Fernanda Lima, em junho de 2001, muito antes da teledramaturgia da TV Globo, que só faria isso 13 anos depois. Surpreendia o próprio público ao interromper sua programação por 15 minutos para pedir ao telespectador: “desligue a TV e vá ler um livro”.
Com o programa Meninas Veneno, com Marina Person, já se abordava de feminismo e empoderamento feminino muito antes dos termos se tornarem moda. No Ponto Pê, Penélope Nova falava de sexualidade e aconselhava os jovens, de todos os gêneros, sem qualquer tipo de discriminação.
Explorando vários tipos de linguagens, o entretenimento da emissora também tinha seus diferenciais. O Daniella no País da MTV, apresentado por Daniella Cicarelli, era um divertido “Vídeo Show às avessas” nos bastidores do canal. Com o Rockgol, o canal musical unia duas paixões do brasileiro: música e futebol. Se arriscou na animação (com Fudêncio e Seus Amigos e Mega Liga MTV de VJ's Paladinos entre os mais comentados) e até na dramaturgia, com a minissérie A Menina Sem Qualidades - protagonizada por Bianca Comparato - já em seu derradeiro ano.
O humor peculiar, visto ainda com os inesquecíveis Hermes e Renato, acompanhou a MTV até o último suspiro, com revelação de novos talentos (com destaques para nomes como Tatá Werneck, Dani Calabresa e Marcelo Adnet). Entre acertos e erros, a emissora musical deixou um legado inestimável para uma geração que cresceu educada por essa jovem rebelde que, do jeito dela, botou essa p**** para funcionar direito.
A tempo: Astrid Fontenelle também foi incumbida de encerrar oficialmente a história da emissora, logo após ao último videoclipe veiculado no canal, que teve tutela pernambucana: Maracatu Atômico, com Chico Science & Nação Zumbi, anunciado pela VJ Cuca Lazzarotto.
1. Zeca Camargo
Hoje com 57 anos de idade, o jornalista Zeca Camargo integra a “primeira geração” de VJ’s da MTV Brasil e comandou a direção de jornalismo do canal. No vídeo, ele estreou um dia depois da inauguração no programa Semana Rock, que trazia um resumo semanal de notícias sobre o “barulhento” gênero musical. Mas sua passagem pela emissora ficou mais marcado pelo jornalístico MTV No Ar, que ficou sob sua tutela até 1994. Após a MTV, Zeca passou pela TV Cultura e a TV Globo, onde ficou de 1996 a 2020. Entretanto, a ligação do jornalista com a música seguiu após a MTV. Ainda no Grupo Globo, ele assinou a coluna Pop & Arte, do G1, falando essencialmente sobre a cena musical. Em 2018, publicou uma biografia sobre a cantora Elza Soares. Hoje, ele é diretor de TV na Band e estreou um podcast de entrevistas com astros pop na plataforma Deezer, com episódios novos todas as quartas-feiras.
2. Astrid Fontenelle
Responsável por “abrir” a MTV Brasil na inauguração – "Oi, eu sou a Astrid. É é com o maior prazer que estou aqui para anunciar que está no ar a MTV Brasil!" – Astrid Fontenelle ficou no canal até 1999. Foi a primeira VJ a apresentar o icônico Disk MTV, programa que trazia os 10 clipes mais pedidos do dia. Assumiu a direção de jornalismo da emissora após a saída de Zeca Camargo e ainda comandou os programas Top 20 Brasil, Zuê MTV, Barraco MTV e Pé na Cozinha. Após a emissora musical, Astrid se consolidou como apresentadora com passagens pela Band, SBT (como repórter do programa Hebe entre 2008 e 2009) e o canal fechado GNT, onde está no ar atualmente a frente do Chegadas e Partidas e o Saia Justa, em que discute sobre o universo feminino ao lado das cantoras Gaby Amarantos e Pitty, além da atriz Monica Martelli. E assim como abriu a emissora, Astrid foi a responsável pelo discurso final da MTV Brasil, em setembro de 2013.
3. Sabrina Parlatore
Uma das VJ’s mais queridas da MTV, Sabrina Parlatore integrou a chamada “segunda geração” de apresentadores do canal. Entrou na emissora em 1995 para comandar o Non Stop MTV após passar por testes, mas foi no comando do Disk que ela ganhou o carinho do público. Na casa, Sabrina ainda apresentou os programas Top 20 Brasil, Luau, Resposta e Suor MTV, quando deixou o canal musical em 2000. E após passagens por outros programas musicais, passou a investir numa carreira de cantora em 2014. Hoje, aos 45 anos, Sabrina é casada com o cantor e compositor Wilson Simoninha, já se curou de um câncer de mama, e em 2017, participou da primeira temporada do reality musical da TV Globo, PopStar, onde ficou em sexto lugar. E em junho deste ano lançou o single Orgulho – o segundo de sua carreira autoral – nas plataformas digitais. “Serei eternamente a Sabrina da MTV”, declarou a cantora, em entrevista ao Jornal do Commercio.
4. Penélope Nova
Filha do cantor Marcelo Nova, vocalista da banda Camisa de Vênus, Penélope Nova entrou na MTV Brasil em 1997 como produtora. Em 2001, foi convidada para apresentar o Riff MTV, que antes se chamava Fúria Metal, focado em clipes de heavy metal. Mas ganhou popularidade no comando do Ponto Pê, em 2004, onde dava conselhos sexuais para os jovens por telefone. Quatro anos depois, comandou o ótimo MTV Na Rua, um informativo feito ao vivo, com o público nas ruas. Penélope ficou na emissora até 2011, quando passou a fazer participações como atriz em séries. Desde 2018, voltou a ter contato com a música ao ser uma das 100 juradas do Canta Comigo, um reality musical da Record e também abriu um canal no YouTube, chamado P & Ponto. Atualmente, ela pode ser vista também julgando o formato voltado para adolescentes, o Canta Comigo Teen, apresentado por Rodrigo Faro, também na Record, aos domingos.
5. MariMoon
Considerada uma das primeiras celebridades da internet, MariMoon faz parte da terceira e última geração de VJ’s da MTV. Entrou no canal musical em 2008 para comandar o Scrap MTV – nome, inclusive, baseado em um recurso da rede social Orkut, que estava em alta no Brasil naquele momento – onde dava dicas de música, cultura, cinema, internet e também fazendo entrevistas. Em 2010, ganhou mais notoriedade, principalmente entre o público adolescente, ao comandar o Acesso MTV, ao lado de Titi Müller. MariMoon deixou a emissora em 2012, um ano antes do fechamento do canal. Em seguida, trabalhou como dubladora, atriz de musical e série musical infantojuvenil na Disney Channel. Desde 2015, decidiu criar um canal no YouTube chamado Siga@MariMoon, onde fala de arte, cultura, moda, beleza e vida sustentável.
6. Titi Müller
Irmã da atriz Tainá Müller, Titi estreou na MTV em 2008 apresentando o web-show Podsex. Com o sucesso do formato na internet, a emissora musical colocou o programa na grade, e Titi apresentava com Kika Martinez. Após passagens pelo Verão MTV e Viva! MTV, entrou no comando do Acesso MTV ao lado de MariMoon, onde ficou até o final de 2012. Em maio de 2013, Titi volta para o comando do Acesso após pedidos do público, mas acabou sendo demitida no mês seguinte devido a crise que já abatia toda a MTV Brasil, que também acarretou no fim do programa. Atualmente, Titi pode ser vista no canal fechado Multishow, onde apresenta o Anota Aí, focado em viagens, faz coberturas de shows para a emissora musical da Globosat, e ainda comanda o BBB – A Eliminação, focado no reality Big Brother Brasil. Aos 34 anos, Titi Müller é casada com o guitarrista Tomas Bertoni, da banda Scalene, e recentemente deu à luz Benjamim, seu primeiro filho.
7. Gastão Moreira
Representante da primeira safra de VJ's, Gastão Moreira e seus longos cabelos encaracolados integraram a equipe da MTV Brasil da estreia, em 1990, até 1998. Durante este período, ele apresentou os programas Gás Total e Fúria Metal, pelo qual ficou mais conhecido. Em ambos, o "VJ do rock" destrinchava ao público o universo do heavy metal, apresentando videoclipes, acompanhando shows e entrevistando músicos. O trabalho na emissora era uma extensão da paixão por música que Gastão nutria desde criança. Oficialmente bacharel em Direito, mas músico de fato, integrou bandas como a Dose Fatal, Hip Monsters e Kratera. Hoje Gastão mantém no YouTube o canal Kazagastão, que alimenta com entrevistas, biografias, listas, coleções e mais tópicos ligados a diferentes vertentes do rock, e é bastante ativo em seu perfil no Instagram (@kazagastao).
8. Luiz Thunderbird
Luiz Fernando Duarte, Luiz Thunderbird ou somente Thunder, fez parte da MTV em diferentes períodos. Esteve lá, com algumas pausas, entre 1990 e 2013. Das várias atrações que comandou, ganham destaque o CEP MTV, ainda no início dos anos 1990, e o Programa do VMB, já em 2011. Este último rememorava os momentos mais marcantes do Video Music Brasil, a premiação que agitou o mundo da música por décadas. Thunder também é músico, sendo sua banda mais famosa e duradoura a Devotos de Nossa Senhora Aparecida, na qual é vocalista e baixista desde 1986. Com passagens por outras emissoras brasileiras, Thunder, hoje com 59 anos, recentemente lançou o livro Contos de Thunder – A biografia e se dedica ao canal Music Thunder Vision, no YouTube. Por lá, aborda as mais variadas vertentes musicais, do rap à tropicália: "Pra você que quer conhecer música boa, saber mais do seu artista favorito, ouvir as histórias e testemunhos do pai de todos os VJ's da MTV no Brasil", diz a descrição.
9. João Gordo
Vocalista da banda de punk rock Ratos de Porão - que comemora 40 anos de carreira em 2021, João Gordo foi um dos VJ's mais duradouros da MTV. De 1996 a 2009, apresentou quase todo tipo de programa, ganhando notoriedade principalmente pela desenvoltura nos de entrevista, nos quais conseguia tirar dos convidados declarações únicas e honestas. Foi neles que protagonizou momentos icônicos da televisão brasileira, como em 2000, quando expulsou a banda Los Hermanos de seu Gordo on Ice após o vocalista, Marcelo Camelo, se referir aos Ramones - de quem João Gordo é fã - como "porcaria". Outro instante inusitado aconteceu quando o ator Dado Dolabella apareceu no Gordo A Go-Go portando um machado, o que terminou em confusão. João Gordo é pai de dois adolescentes, frutos do casamento com Viviana Torrico. Ao lado da esposa, comanda a loja de produtos veganos Central Panelaço, que também é programa no YouTube em que recebe famosos para conversar e preparar receitas sem ingredientes de origem animal.
10. Sarah Oliveira
Uma das VJs mais queridas pela audiência, Sarah entrou na MTV como estagiária, quando ainda cursava a faculdade de Rádio e TV. Sua desenvoltura como repórter do Contato MTV fez com que assumisse a apresentação do Disk MTV, após a saída de Sabrina Parlatore. Comandou também o Top 20 Brasil, Luau MTV, entre outras atrações, e chegou a compor a equipe de jornalismo do Jornal da MTV. Permaneceu no canal de 2000 a 2005, quando migrou para a TV Globo, para atuar no extinto Vídeo Show. Especializada em jornalismo cultural, Sarah Oliveira tem se dedicado desde a última década a idealizar e apresentar programas musicais e de comportamento para o rádio, canais de televisão paga e para o seu canal no YouTube, tais como Viva Voz, Calada Noite, Na Trilha da Canção, O Nosso Amor a Gente Inventa - em que anônimos compartilham suas histórias de amor - e Minha Canção.
11. Gaía Passarelli
Gaía fez parte da última "leva" de VJ's a adentrar a MTV Brasil, em uma turma que contava com nomes como os dos músicos Chuck Hipolitho e o recifense China. Chegou em 2011 com ar mais sério e intelectual para apresentar o noturno Goo MTV, tentativa da emissora de engatar um programa que trouxesse novidades da música alternativa, experimental e oposta à massa pop que dominava a programação diurna. A ideia não deu muito certo e o programa, ainda que de excelente qualidade, foi cancelado antes mesmo de completar um ano, como ela conta em texto sobre seus tempos de VJ. Gaía permaneceu na emissora até o encerramento das atividades, em 2013, apresentando ainda o Extrato MTV e o MTV1. Apesar do pouco tempo de casa, é uma das VJ's mais lembradas pelos que acompanhavam a emissora. É escritora, colaboradora de veículos como a Folha de São Paulo, autora do livro Mas Você Vai Sozinha? (Editora Globo, 2016), com dicas sobre viagem, e editora-chefe do site BuzzFeed Brasil.
12. China
O pernambucano Flávio Augusto Câmara, o China, já era figura conhecida entre os amantes da música nacional. Foi vocalista da banda Skeik Tosado e, quando estreou na MTV, em 2011, já havia lançado um disco solo (Simulacro, 2007) e estava prestes a colocar o segundo no mundo, o Moto Contínuo. Assim como Gaía, China foi convidado pela MTV nacional para renovar os ares da emissora, ficando responsável por apresentar os últimos lançamentos da música brasileira em seu ótimo MTV Brasa, que ia ao ar diariamente. A atração ganhava ares especiais com as edições em que se nomeava Show na Brasa, com apresentações ao vivo. Pelo palco passaram grandes brasileiros como a Nação Zumbi, Otto, BNegão & Seletores de Frequência, Karina Buhr, Criolo, Céu e Tulipa Ruiz. Ambas as atrações mesclavam informação e entretenimento, com o plus do carisma de China, reforçado pelo bordão "minha joia", marca dele durante os tempos de MTV. China seguiu carreira na televisão em canais como a TV Bandeirantes e lançou outros dois álbuns solo, Telemática (2014) e Manual de Sobrevivência para Dias Mortos (2019).