O desafio de Nelson Teich é testar a população antes de pensar em flexibilizar isolamento

Em sua primeira declaração como ministro da Saúde, o médico Nelson Teich disse que é preciso flexibilizar o isolamento social para haver a retomada da atividade econômica e que, para isso, as políticas públicas serão baseadas em ampla pesquisa sobre a covid-19
Leonardo Spinelli
Publicado em 17/04/2020 às 9:13
Desafio para o novo chefe da Saúde. Brasil tem um dos menores níveis de testagens da população para o novo coronavírus entre os países mais afetados pela doença Foto: REPRODUÇÃO/YOUTUBE


Atualizada às 10h36

Em sua primeira declaração como ministro da Saúde, o médico Nelson Teich disse que é preciso flexibilizar o isolamento social para haver a retomada da atividade econômica e que, para isso, as políticas públicas serão baseadas em ampla pesquisa sobre a covid-19. O grande desafio para o novo chefe da Saúde, no entanto, é que o Brasil tem um dos menores níveis de testagens da população para o novo coronavírus entre os países mais afetados pela doença.

Na prática, os três níveis de governos estão trabalhando praticamente às cegas, sem saber, nem mesmo, quando exatamente acontecerá o pico da disseminação do vírus. Os testes são fundamentais para orientar uma saída gradual do confinamento. A subnotificação é um grande problema no Brasil

O médico e pesquisador do Instituto Aggeu Magalhães, Ernesto Marques, conta que a testagem da população pode resolver várias questões enquanto não é descoberta uma vacina contra o novo coronavírus. “Você pode ser mais preciso no distanciamento social e na quarentena, colocando apenas as pessoas mais susceptíveis. Quem está imune pode ficar livre para andar”, diz. “Você ainda pode conhecer áreas onde o vírus já circulou para liberá-las, enquanto outras não.” Há ainda os testes aleatórios. Nesse caso, a pessoa que dá positivo fica de quarentena e faz-se uma pesquisa de todas as pessoas com que ela manteve contato.

Divulgação - Médico Ernesto Marques diz que a testagem da população pode resolver várias questões enquanto não é descoberta uma vacina

Esses modelos, diz o médico, são usados em países que já começaram a rodar a economia, como é o caso de Cingapura, do território de Hong Kong e da Coreia do Sul, que realizou esta semana eleições legislativas, com todos os cuidados de distanciamento social, com os eleitores de máscaras e tirando a temperatura. A volta acontece respeitando normas de biossegurança, etiqueta respiratória e mudanças de padrão.

Nesses locais, a aplicação dos testes não é uma atividade apenas do poder público. As empresas também testam seus funcionários.

Esse é um ponto importante para os setores que desejam voltar e pressionam o governo em relação ao isolamento. A iniciativa privada, portanto, também terá de arregaçar as mangas para encontrar uma saída.

“Em Singapura os trabalhadores estão medindo a temperatura corporal durante o dia nas suas firmas. Testam e são supervisionados. No dia seguinte é a mesma coisa. Trabalhar de máscara, responder questionário... Se está tudo ok, pode ir trabalhar”, descreve o médico.

"A questão não é só dinheiro, não há insumos. Para se fazer (testes) precisa de enzima, uma série de reagentes gerais no laboratório para extrair DNA, e tudo está faltando " - Ernesto Marques, médico e pesquisador pernambucano

Para voltarem ao trabalho, as empresas terão de investir em novos planos de segurança para seus trabalhadores, melhorar a ventilação de suas instalações, observar a distância maior entre as estações de trabalho e investir em profissionais capacitados para realizar esse tipo de supervisão. “Todo setor tem um gestor de segurança do trabalho. Em uma pandemia, essa função é amplificada e se estende desde a hora que o funcionário sai de casa. Vem de transporte público, individual ou da companhia?”
Entre as empresas que conseguiram manter os trabalhos, o caso do Grupo Moura, que produz em Belo Jardim, no Agreste do Estado, há 30 dias implementou um programa de prevenção e orientação contínua dos colaboradores. São medidas de limpeza e higienização de áreas comuns, linhas de produção e estações de trabalho. Parte das equipes atuam de forma remota e um Comitê Interno acompanha permanentemente a situação.

O médico Ernesto Marques reconhece que todas as adaptações custam alto. “É melhor ficar fechada ou operando assim?”, questiona, lembrando que esse custo será pago pelo consumidor e sociedade como um todo, no final das contas.

Na visão do médico essas são as soluções mais imediatas para se sair da crise, até porque a vacina, vai demorar mais de um ano para ficar pronta. “Nenhuma vacina ficou pronta em um ano na história da humanidade. Vamos lembrar que ainda não existe uma para o HIV, nem para a Sars e nem para a Mers. Há uma vacina para a dengue, do laboratório Sanofi Pasteur, que ficou pronta depois de 20 anos de estudo”, diz. Mesmo assim, após dois anos de circulação descobriu-se que a vacina potencializava o risco de dengue hemorrágica para aquelas pessoas que nunca haviam tido dengue. “São coisas que se descobrem com o tempo, é muita coisa no escuro.”

Sobre a atual situação, o médico faz uma crítica. "Subfinanciam a saúde pública, a pesquisa por uma eternidade. Quando acontece, querem a solução imediata e aí se descobre que nem jogando todo do dinheiro do mundo vai resolver o problema."

Segundo Marques, o custo das medidas de segurança biológica se pagam com a redução dos gastos com tratamento e ganho de produtividade. "É um gasto que se faz, mas que se lucra com o tempo. Por exemplo, se os países tivessem investido em desenvolver sistemas de vigilância mais eficientes, não estaríamos vivendo essa pandemia. O sistema de vigilância epidemiológica para doenças infecciosas é essencialmente o mesmo desde 1950. Hoje é um sistema super caro e ruim."

@cairuis / divulgação - Segundo o economista João Rogério Alves Filho, o principal indicador de que haverá uma nova depressão são os dados de desemprego dos Estados Unidos: 22 milhões de americanos


NÃO HÁ INSUMOS

Entre os países que conseguiram os melhores resultados para achatar a curva da transmissão viral estão aqueles que adotaram controles rígidos de isolamento, baseados nos dados obtidos através de testes. No Brasil, a ampliação dos testes é um dos gargalos, embora a expectativa seja de testar até 50 mil pessoas por dia. O Ministério da Saúde tem, até o momento, a entrega programada de apenas 9,2 milhões do total de 22,9 milhões previstos.

Desde o início dos casos, o País realizou até esta sexta-feira (17) de manhã 62.985 testes, algo como 26 testagens por grupo de 100 mil pessoas. Para se ter uma ideia, a Coreia, com uma população quatro vezes menor, já realizou mais de 538 mil, segundo a plataforma de acompanhamento online https://ncov2019.live/.

“A questão não é só dinheiro, não há insumos. Para se fazer precisa de enzima, uma série de reagentes gerais no laboratório para extrair DNA, e tudo está faltando. Tem problema da coleta, o bastão que coleta do nariz. Basta um componente faltar para inviabilizar toda a cadeia. Coreia e China são produtores, as fábricas estão lá. Os EUA estão conseguindo e têm capacidade de plantas de produção que podem ser redirecionadas, leva um tempo, mas o Brasil continua dependente de fora”, salienta o médico pernambucano Ernesto Marques.

Mas há alternativas. Ele lembra que realizou pesquisas sobre a chicungunha com o instituto Aggeu Magalhães através de testes sorológicos por anticorpos, que identifica pessoas que já foram infectadas e se curaram. A informação é importante porque os curados adquirem imunidade. O mesmo procedimento poderia ser realizado para a covid-19 e a coleta de dados funciona como uma pesquisa de opinião, a partir de amostras da sociedade é possível levantar o percentual de pessoas atingidas por classe sociais, idade, atividade profissional, áreas e outros dados importantes que podem servir de base para o relaxamento gradual do isolamento. Uma pesquisa como essa tem um custo operacional na faixa de R$ 1 milhão.

A médica pesquisadora do Aggeu Magalhães Cynthia Braga informou que o instituto não foi procurado para realizar pesquisas, mas salienta que este não é o melhor momento, devido aos riscos de contaminação para a equipe de campo. Outra pesquisadora, Celina Martelli, estaria planejando um inquérito sorológico em banco de sangue sobre a covid-19.

O médico Ernesto Marques lembra, no entanto, que é possível realizar os testes de soro prevalência sem colocar em risco a vida dos pesquisadores. "Podemos fazer usando correio e a auto coleta",  diz.


A GRANDE DEPRESSÃO


Embora o desejo de todos seja de que o isolamento social acabe e haja a retomada das atividades, para cada vez mais economistas, das mais variadas correntes doutrinárias, pouco importa se a quarentena terminará daqui a 15 dias ou em dois meses. O mundo está entrando num estado global depressivo, pior do que aquele testemunhado na Grande Depressão de 1929. “Para os grandes analistas, o fim do isolamento social não será solução para o quadro dramático que se avizinha nos próximos anos”, diz João Rogério Alves Filho, economista e sócio-diretor da PPK Consultoria.

"O governo está subestimando os efeitos que a pandemia trará sobre a economia global e brasileira. É necessário revisar a abrangência e eficácia das medidas de apoio, que hoje só está focada em dois ou três meses de auxílio " - João Rogério Alves Filho, economista e sócio-diretor da PPK Consultoria

Segundo Alves Filho, o principal indicador de que haverá uma nova depressão após o chamado “grande confinamento”, como definiu a economista-chefe do FMI, Gita Gopinath, são os dados que saíram do emprego nos Estados Unidos, onde 22 milhões de americanos deram entrada nos pedidos de auxílio de seguro desemprego, o que representa um índice de 10% de desemprego na principal economia do mundo. “Estamos caindo num processo depressivo. Seria quando a oferta e demanda agregada perdem a referência, como um avião que entra em estol (perda total de sustentação), ou como um paciente infartado que precisa de choque elétrico ou injeção de adrenalina para retomar”, diz.

Em outras palavras, não é a retomada das atividades que fará a economia recuperar o fôlego, mas como a intervenção dos Estados na economia vão agir para que a atividade volte.

E, neste sentido, critica o economista, o governo brasileiro está mais preocupado com o déficit fiscal do que necessariamente focado na recuperação. “O governo está subestimando os efeitos que a pandemia trará sobre a economia global e brasileira. É necessário revisar a abrangência e eficácia das medidas de apoio, que hoje só está focada em dois ou três meses de auxílio.”

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