Pequenos negócios podem sobreviver à crise financeira

Análise, planejamento, corte de custos e empréstimos fazem parte das estratégias apontadas por especialistas para que o micro e pequenos empresários escapem da crise
Edilson Vieira
Publicado em 29/05/2020 às 22:40
Segundo dirigentes de entidades pernambucanas, incertezas relacionadas ao comportamento da doença dificultam projeções sobre o andamento dos negócios nos próximos meses Foto: FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM


Neste momento de crise generalizada é difícil encontrar uma empresa que não tenha sido afetada financeiramente pelo isolamento social com queda no faturamento por conta da paralisação ou restrição das atividades. A situação é mais grave para os micro e pequenos empresários. Segundo a Receita Federal, Pernambuco tem cerca de 462 mil pequenos negócios, desses 65% são MEIs (micro empreendedores individuais). Ter um capital de giro para se manter e pagar as contas tem sido um grande desafio para os pequenos. Neste cenário, recorrer à um empréstimo pode ser a saída mas, antes disso, há alternativas que podem, e devem, ser empregadas. Se a opção for mesmo pelo empréstimo, pesquisar muito e planejar o futuro a médio e longo prazos são as ferramentas que vão ajudar a reduzir os riscos de o empresário cair na inadimplência.

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Fernando Clímaco, coordenador de diretrizes e ambiente de negócios do Sebrae-PE, afirma que o microempresário pode avaliar se é o momento de recorrer a um empréstimo para equilibrar a saúde financeira da empresa analisando o fluxo de caixa. É uma forma de saber como estão as finanças neste momento e se é viável se comprometer com o crédito, que representa uma nova dívida para ele. “O dinheiro quando entra traz alívio, mas representa um custo a mais a médio ou longo prazo. Informação é fundamental para que ele projete a saúde financeira da empresa pelos próximos meses, ou anos, para que o empréstimo entre como remédio e não como veneno”, afirmou o coordenador do Sebrae.

Divulgação - O economista Rafael Ramos diz que volta da movimentação econômica no comércio será lenta mas alguns setores como vestuário, calçados e beleza terão retorno mais rápido

Rafael Ramos, economista da Fecomércio, diz que um limitador da decisão de pegar ou não o empréstimo é a incerteza de como será a volta das atividades com o fim da quarentena. “Pode ser que o empreendedor tenha que começar a pagar o empréstimo ainda com o faturamento reduzido. Agora, alguns setores terão um retorno mais rápido, como os de moda e beleza, então a recuperação desse comerciante será mais rápida, o que diminui os riscos, caso ele resolva pedir um empréstimo”, diz Ramos. O economista aconselha que este dinheiro não seja empregado no pagamento de despesas do dia-a-dia porque seria o mesmo que dobrar a dívida.

”O empréstimo deve ser alocado para impulsionar as vendas por isso, deve ser investido na divulgação do negócio e em produtos ou serviços que chamem a atenção para a empresa”, ensina Ramos
Aqueles empresários que já estão com dívidas assumidas não devem pedir empréstimos, o melhor seria renegociar com os credores o pagamento dessas dívidas até para limpar o nome e, no futuro, ter acesso a crédito em condições mais favoráveis. Outro conselho do economista é limitar o parcelamento do empréstimo em até 30% do faturamento da empresa. “Isso vale também para as pessoas físicas. Não ter dívidas financeiras que ultrapassem 30% do salário. É uma margem segura para poder pagar outras despesas e ainda o financiamento”, disse Rafael Ramos.

RELACIONAMENTO

Fernando Clímaco, do Sebrae, chama a atenção para o que ele define como um problema sério entre empreendedores de pequeno porte, a falta de um relacionamento sólido com os bancos. “O pequeno empresário que não tem uma conta empresarial, que só lida com o banco através de uma conta corrente de pessoa física, dificulta o acesso a financiamentos. Crédito tem muito a ver com relacionamento e confiança. Ser cliente de um banco já é meio caminho para se conseguir o crédito, afirma Clímaco.

Para o especialista do Sebrae encontrar um crédito mais barato é possível, basta pesquisar. “Tem algumas coisas interessantes como no Banco do Nordeste, que tem uma linha de crédito emergencial de 2,5% ao ano, um juro bem baixo. Tem ainda o Pronampe, Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, que pretende oferecer R$ 15,9 bilhões em crédito para o segmento. A taxa de juros prometida pelo Pronampe é a Selic mais 1,25% , hoje ficaria em 4,25% ao ano”, diz Clímaco. O Pronampe teve a lei sancionada no último dia 19, devendo ser regulamentado nesta semana pelo Ministério da Economia.

Além dos bancos oficiais e privados, existem outros canais de recursos para os pequenos empreendedores, como as cooperativas de crédito e as fintechs, que operam plataformas digitais de crédito. As agências de fomento também são uma boa opção. Em Pernambuco, a Age, agência estadual de empreendedorismo, oferece empréstimos entre R$ 3 mil até R$ 50 mil para micro e pequenos. Fernando Clímaco orienta ainda levar em conta algumas referências ao pesquisar sobre taxas de juros. É importante comparar taxas de vários bancos e também a Selic, taxa de juros básica do sistema financeiro, que está em 3% ao ano. “Uma taxa que estiver numa escala muito acima disso pode indicar juros além do razoável ou abusivo. Às vezes a instituição financeira divulga em uma publicidade crédito a juros baixos, sem explicar se a taxa é aplicada ao mês ou ao ano, o que obviamente faz grande diferença”, alerta Clímaco.

ORGANIZAÇÃO

O comerciante Laert Lancast é um exemplo de pequeno empreendedor que utiliza o microcrédito de maneira racional para melhorar os negócios. Dono de um pequeno box de calçados no lado externo do Mercado de Cavaleiro, em Jaboatão dos Guararapes, Laert é formalizado como MEI (Micro Empreendedor Individual) há dez anos. Ele tomou um empréstimo de R$ 2.500, em janeiro deste ano, para capital de giro. “Aproveitei os juros baixos, não para pagar dívidas, mas para me preparar para os períodos de maior venda, como Dia das Mães, São João, e Natal”, conta o comerciante que paga R$ 275, 24 por mês do empréstimo. Então, veio a quarentena. “Estou com o comércio fechado desde 21 de março”, conta Laert. Mesmo assim, o comerciante não se desesperou. “Eu tenho que ser organizado. Me cadastrei no auxílio emergencial do governo e vou levando, esperando o momento de reabrir meu comércio”, conta.

Laert pegou o empréstimo através da Agência Estadual de Empreendedorismo (Age), antiga Agefepe. A agência lançou no final do ano passado uma linha de crédito popular com financiamento de até R$ 3mil e juros de 1,49% ao mês, com prazo de 12 meses para pagamento. Marcelo Barros, diretor presidente da Age diz que a procura foi grande e que teve de se ajustar ao momento atual. “Neste período da pandemia estamos dando, excepcionalmente, três meses de carência total, o beneficiado não paga nem a parcela e nem os juros neste período”, diz os presidente. A vantagem é tanto para contratos antigos como para contratos novos. Quem tomar recursos agora em junho só irá pagar no mês de outubro.

A Age tem linhas de crédito para autônomos, trabalhadores informais, micro empreendedores individuais e micro e pequenas empresas com valores máximos de financiamento entre R$ 3 mil até R$ 50 mil, dependendo do porte do negócio. Foram lançadas ainda linhas especiais de financiamento para guias de turismo, odontólogos e costureiras. A partir desta segunda-feira (1) será a vez dos salões de beleza, barbearias e clínicas de estética contarem com uma linha especial. “São setores que foram muito afetados pela interrupção das atividades”, explica Barros. Ele diz que já estão cadastrados mais de cinco mil empreendedores nos programas de microcrédito com recursos de cerca de R$ 11 milhões. “Nosso foco é o autônomo, o micro e o pequeno. Mas é importante não confundir microcrédito com crédito pessoal. Não dá para uma pessoa física tomar empréstimo para pagar o cartão de crédito, por exemplo”.

Marcelo explica que é feita um levantamento da vida econômica do candidato e de sua atividade, analisando a capacidade de honrar ou não com o pagamento das parcelas. Além disso, pode ser pedido a formação de um grupo de três a cinco pessoas onde cada membro fica responsável pelo financiamento do outro. Se alguém atrasar o pagamento o valor é diluído nas prestações do grupo todo. “Com isso se resolve o grande problema de acesso ao crédito que é a garantia, tão exigida pelos bancos. Aqui, a garantia é solidária”, explicou Marcelo Barros.

 

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