Fim do auxílio emergencial impede mais pobres de planejarem um ano novo em 2021

Em meio à incerteza sobre a pandemia da covid-19 e seus efeitos sobre a economia e mercado de trabalho, grande parcela da população iniciará o novo ano com menos rendimentos
Lucas Moraes
Publicado em 27/12/2020 às 8:00
Comerciantes dão sua opinião sobre o Auxílio Emergencial do Governo Federal após a última parcela. Foto: FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM


O que você planeja para o ano novo? Trocar de carro, fazer mais viagens, uma casa nova - com mais espaço para toda a família... 2021 se aproxima e traz consigo muitos desejos de renovação. Porém, para muita gente, milhões de brasileiros na verdade, não há nem mesmo o direito de sonhar com dias melhores. O motivo é a incerteza. Na virada do ano, chega ao fim os pagamentos do auxílio emergencial, financiado pelo governo federal para socorrer os mais pobres na crise gerada pela covid-19. A doença e seus efeitos sanitários e econômicos ainda não deram trégua, mas o dinheiro já acabou e trouxe ainda mais angústia a quem teme novos lockdowns e não sabe como fará para garantir a própria sobrevivência.

Durante cinco meses de 2020, Mauro de Araujo, 41 anos, costumava ser reconhecido pela profissão. “Eu era promotor de vendas”, orgulha-se. Foi demitido no meio de uma das maiores crises sanitárias da história. A pandemia do novo coronavírus - embora ele agradeça não ter tirado-lhe a saúde - deixou-o sem renda e também perspectivas.

>> Veja quem recebe o benefício nos últimos dias do ano

FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM - Mauro de Araujo, 41 anos, passou a vender frutas após perder o emprego na pandemia

“Saí da empresa do nada. Veio a pandemia e foi decidido mandar um monte de gente embora. Trabalhei só cinco meses de carteira assinada, então nem tive seguro-desemprego. Recorri ao auxílio emergencial, mas até hoje espero ter uma aprovação. A resposta para mim é só ‘pedido negado’”, conta.

Como promotor de vendas, Araujo tinha um salário fixo todo o fim do mês, passagem para pegar ônibus e ajuda de custo com alimentação. O auxílio emergencial, embora não tenha chegado diretamente para ele, foi pago à esposa. R$600 passou a ser a renda da casa onde ele mora com a companheira e uma criança de quatro anos. De outro casamento há ainda despesa com outros dos filhos adolescentes.

“O auxílio ajudou muito. Mas o último pagamento da minha esposa foi em novembro. Agora, nem feira para o mês consigo fazer mais. Todos os dias levo para casa uma coisa ou outra que está faltando e a gente vai se virando. Não é pior porque graças a Deus minha esposa tem casa própria. Se tivesse aluguel também, nem sei o que iria fazer”, diz ele. Sem emprego formal, a nova ocupação do ex-promotor de vendas e numa banca de frutas no Centro de Camaragibe. Lá comercializa de cajú a uva e fatura de R$30 a R$50 “num dia bom”.

Esse tal de "bom dia" é outro fator preocupante que insiste em não aparecer e recompor o rendimento de famílias inteiras. Em Pernambuco, desde o mês de junho o comércio passou a reabrir as portas após a fechada repentina para conter o avanço da curva de casos da covid-19. A medida adotada dentro do Plano de Convivência do governo do Estado para retomada da atividade econômica foi comemorada por quem preciso “fazer dinheiro todos os dias”, mas de lá até este mês de dezembro, o rendimento dos dias trabalhados não são nem os mesmos de 2019.

“Todos os dias eu estou aqui. Das 8h às 18h. É só a graça… tem dia que venho armo a barraca, passa o tempo, desarmo e vou embora. Sem vender nada. Eu recebi auxílio emergencial, e foi uma benção. Não quero receber para sempre. O que queria mesmo é que as coisas melhorassem. Como isso ainda não aconteceu, a gente fica assim perdido sobre como vai ser o ano que vem”, desabafa Cristiana Francisca Vidal, 55 anos.

FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM - Cristiana Francisca Vidal, 55 anos, passou quase quatro meses à espera da primeira parcela do auxílio emergencial

Há pelo menos oito anos a renda dela era de no máximo R$ 100 ao dia com a venda de perfumes e cosméticos na rua. Para conseguir o auxílio emergencial foram três tentativas de cadastro. “Só veio sair (o primeiro pagamento) em meados de agosto. Recebo ainda agora em dezembro, está garantindo meu Natal, mas depois não sei. Tem gente que fala ser muito dinheiro, mas pegue R$1,2 mil, pague as contas e vá num supermercado. O dinheiro voa e você nem vê. Tudo é muito caro”, reclama.

Nas contas do Ministério da Cidadania, o auxílio emergencial chegará ao fim sendo pago a quase 69 milhões de brasileiros. Muitos deles são beneficiários do Bolsa Família, que viram a renda crescer, mas tantos outros são desempregados, trabalhadores informais e autônomos que passaram a ter o auxílio emergencial como única fonte de renda.

Segundo pesquisa do Datafolha, 36% dos beneficiários não tinham outro dinheiro além do que foi pago pelo governo neste mês de dezembro. Depois de cinco parcelas de R$1,2 mil ou R$600, a redução do auxílio emergencial pela metade fez com que 75% dos beneficiários reduzissem a compra de alimentos; 65%, os gastos com transporte; 57%, o consumo de água, luz e gás. Para 55%, foi preciso diminuir a compra de remédios e 51% responderam que deixaram de pagar contas da casa.

“O dinheiro foi para pagar conta mesmo, comprar comida. Não foi para gastar com besteira, não. Foi uma benção mesmo. Eu trabalho só com artesanato e, como tudo anda, ainda mais com essa pandemia, o pouco que a gente consegue trabalhando não daria conta”, atesta Suely Menezes, 57 anos.

FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM - Suely Menezes, 57 anos, usou o dinheiro do auxílio para comprar comida e pagar contas

 

Pobreza

Não fosse o auxílio emergencial, a pobreza, segundo as linhas de US$ 1 dólar, US$ 1,25 dólar, US$ 1,90 dólar e US$ 3,20 dólares ao dia teria sido entre 6,1 e 6,6 pontos percentuais maior em maio de 2020 do que na média de 2019. Com os pagamentos, a pobreza ficou 1,8 e 4,5 pontos percentuais menor do que em 2019 no mês de maio. Os cálculos são do pesquisador associado do FGV/ Ibre e ex-secretário nacional nos ministérios da Cidadania e Desenvolvimento Social Vinicius Botelho.

Levando-se em conta o orçamento inicial previsto superior a R$ 320 bilhões, o auxílio emergencial representou 3,5 vezes todo o orçamento que estava disponível para o desenvolvimento social no início do ano (R$ 92 bilhões). Trouxe resultados, mas para a situação fiscal do governo se mostrou algo insustentável nas atuais configurações.

Mesmo assim, isso não exime o governo federal de garantir a amplitude de uma rede de proteção social aos mais pobres. Considerando que o PIB feche 2020 em - 4,7% e cresça o equivalente a 3,6% em 2021, o PIB per capita do ano que vem chegaria a um patamar 2,7% menor do que em 2019. Seguindo esse critério, erradicar a demanda por programas sociais segundo a linha de US$ 1 dólar já demandaria um crescimento de aproximadamente 20% do PIB per capita. Isso exemplifica o tamanho do desafio aos gestores e a dificuldade das pessoas acreditarem na capacidade dos desejos por um 2021 melhor se tornarem realidade.

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