Há mais desempregados em Pernambuco do que habitantes em Caruaru, cidade mais populosa do interior do estado. Enquanto a capital do Agreste tem 365,2 mil moradores, a falta de trabalho atinge 640 mil pernambucanos, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Uma fração expressiva dessas pessoas perdeu o emprego desde que a covid-19 chegou ao Brasil. De março de 2020, quando a OMS decretou a pandemia, até dezembro, Pernambuco fechou 374 mil vagas de trabalho. O desemprego recorde teve seus efeitos mais devastadores sobre os mais jovens, as mulheres e os negros.
Em 2020, a taxa de desemprego no estado bateu 16,8%, o maior valor desde 2017. O resultado é o quinto pior do país, na frente apenas dos estados da Bahia, Alagoas, Sergipe e Rio de Janeiro. Além disso, o nível de ocupação chegou a 40,4%, ou seja, apenas quatro em cada dez pernambucanos em idade de trabalhar tinham uma ocupação, o percentual mais baixo desde o início da série histórica da pesquisa no formato atual, em 2012.
Uma das pessoas afetadas pela ‘pandemia do desemprego’ foi Mariana Brito, 28 anos. Ela trabalhava em uma livraria na Zona Norte da cidade, mas com a chegada da pandemia e adoção de medidas de restrição, o estabelecimento fechou as portas por um tempo e neste intervalo demitiu os funcionários. “Foi bem complicado principalmente manter as contas em dia, tanto as básicas como a da pós graduação que eu faço, e continuar procurando um trabalho nesse tempo parada, sem tantas perspectivas”, conta ela, que, um ano após a demissão, já está trabalhando novamente em um shopping da cidade, mas confessa ter medo do futuro.
“Hoje, março de 2021, volto a ter medo de perder o emprego, pois as vendas caíram muito. A gente até tem movimento no shopping, mas ele ocorre mais no setor de alimentação”, diz a jovem.
Os dados fechados do ano de 2020 confirmam que, com as medidas restritivas à circulação de pessoas, o desemprego atingiu de forma mais severa o trabalhador informal e, como consequência, parcelas da população que historicamente têm menos acesso à formalidade.
"Durante o ano, o desemprego foi muito mais forte na informalidade. Houve uma queda no número de trabalhadores informais. No entanto, ela não está relacionada à criação de novos empregos formais, mas ao fato de os trabalhadores informais terem perdido suas ocupações ao longo do ano”, pontua Fernanda Estelita, do IBGE. "Como a gente sabe que grande parte dos trabalhadores pretos e pardos estão ligados à informalidade, pode ser que essa realidade tenha influência no desempenho do desemprego desses trabalhadores”, completa, apontando que a taxa de informalidade no estado caiu de 48,8% em 2019 para 48,1% no ano passado.
O cenário pode explicar também a elevada taxa de desemprego entre trabalhadores menos escolarizados: no quarto trimestre de 2020, quase um quarto (23,7%) dos brasileiros em idade de trabalhar e com ensino médio incompleto estavam em busca de uma vaga. “Esse grupo sempre teve uma taxa de desemprego maior do que outros níveis de escolaridade, mas o número registrado no fim de 2020 representa um crescimento de 5,2 pontos percentuais em relação a um ano antes”, afirma o economista Francisco Cunha, consultor e sócio fundador da TGI.
Entre a população com faixa etária entre 18 e 24 anos, a alta em relação a 2019 foi de 2,85 pontos percentuais. Em 2020, 29,5% dessa parcela estavam desempregados, mais que o dobro da média nacional.
Não houve, na taxa anual, grande diferença entre a evolução do desemprego de homens e de mulheres, já que os homens foram mais atingidos no início da pandemia. No entanto, o mercado de trabalho no Brasil é historicamente mais adverso para as mulheres. Elas recebem menos que os homens (mesmo ocupando as mesmas funções), chegam em menor número aos cargos de chefia e sofrem discriminação por causa da maternidade. Por isso, as mulheres (15,7%) continuam com uma taxa de desemprego bem superior à dos homens (11,8%).
Ana Margareth Vila Bela, 54, engrossa o grupo de mulheres que ficaram sem emprego durante a pandemia. Ex-cobradora de ônibus e demitida no final de março de 2020, ela tem se desdobrado para continuar ganhando algum dinheiro e provendo as necessidades de sua casa. “Fui pega de surpresa com a demissão. Quando eu soube da notícia, fiquei em choque. Me preocupei com as contas. Mas como recebi o seguro desemprego, isso ajudou. Agora, estou me virando vendendo comidas. É melhor do que ficar sem fazer nada”, afirma Ana.
Apesar das dificuldades, ela não se deixa abater e tem expectativa de conquistar um lugar ao sol do mercado de trabalho em breve. “Esperança a gente sempre tem. Mesmo sendo mais difícil para mim, por causa do preconceito por eu ser mulher, por causa da minha idade, mas não falta esperança.”
As perspectivas para o futuro, no entanto, não são boas. Para o economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre) Rodolpho Tobler, ainda que haja um recrudescimento da pandemia, a taxa de desemprego vai aumentar nos próximos meses.
“Em 2020, muitos trabalhadores optaram por ficar em casa esperando se sentirem mais seguros e contavam com o auxílio emergencial mais robusto — de R$ 600 e depois de R$ 300. Agora, se o auxílio vier, será em um valor inferior ao de antes e para menos pessoas. Procurar trabalho não é mais uma opção. As contas ficam apertadas e a necessidade de emprego se torna urgente."
Avaliação parecida faz Fernanda Estelita, do IBGE. Ele vislumbra um cenário ruim para este início de 2021, com muita gente tentando retornar ao mercado, medidas de estímulo fiscal retiradas e o setor privado em situação insuficiente para fazer a economia crescer sozinha.
“É difícil manter pessoas em casa quando precisam sair para rua, o governo não vai conseguir controlar todo o mundo. A pessoa precisa sair para ganhar dinheiro e não passar fome. Se não conseguir trabalhar em comércio fechado, vai de motorista de Uber, motoqueiro de aplicativo, ambulante, alguma coisa para conseguir alguma renda”, disse.
Na avaliação de Francisco Cunha, o auxílio foi essencial para diminuir a pressão sobre o mercado de trabalho, porém, ele afirma que a melhor política econômica para combater esses números negativos é controlar o coronavírus. “Nunca houve aquele dilema entre salvar vidas e salvar empregos. A gente salvou menos vidas e salvou menos empregos. Não houve uma troca neste sentido”, afirma.
“A principal política econômica é a vacinação. Não tem nada mais importante. Quem conseguir mais rapidamente derrubar o número de mortes de covid-19 vai conseguir impulsionar sua economia melhor do que outros países. A gente está em um ritmo muito lento.”