Enquanto para os mais pobres, no mercado de locação informal, a perda de renda faz os preços ficarem inacessíveis (dando lugar aos despejos), na classe média o preço mais caro do aluguel de residências tem levado locadores e locatários à mesa de negociação na hora de revisar o contrato. O Recife, na última pesquisa FipeZap, passou a ser a capital com a maior variação no preço do metro quadrado para locação, o que além do impacto do índice de reajuste, com uma variação acima do IPCA e do próprio IGP-M no último mês, é explicado em parte pela concentração do adensamento em extratos mais urbanizados dentro da cidade, menor oferta de imóveis para aluguel e falta de infraestrutura descentralizada.
“O que no aluguel tem a ver com mercado, pode oscilar tanto para mais quanto para menos em função de contextos que ocorrem. No caso, com a pandemia, muitos imóveis desocuparam, inclusive imóveis residenciais. Houve um conjunto de fatores que fez com que houvesse um aumento da oferta em determinado momento. Agora, as coisas estão voltando ao normal e, consequentemente, as pessoas estão retomando os negócios, voltando para a cidade. Isso gera uma procura maior e pode influir no preço do aluguel", observa o diretor da imobiliária Arrecifes, Frederico Mendonça.
Os dados da pesquisa do Secovi-PE, representante dos condomínios residenciais e comerciais, Administradoras de Condomínios, Administradoras de Imóveis e Imobiliárias do Estado, no último mês de agosto houve uma redução, na comparação a 2020, de -32% na oferta de imóveis usados para locação no Recife, o que demonstra o descompasso entre o ritmo da oferta e retomada da demanda. Aliado a isso, Recife e Jaboatão dos Guararapes concentram mais de 85% do total de imóveis disponíveis em toda a Região Metropolitana.
“Quando a gente vai para cidades onde a verticalização é mais espaçada, pegando esses últimos anos, todas elas tiveram uma queda (nos preços de locação). Nossa visão é de que o mercado de apartamentos em Recife está concentrado em áreas nobres, e essa pandemia tem aspecto de enfatizar desigualdades. Reflete um pouco isso. Tem sido pior para os mais pobres, afetando o mercado de moradia desse segmento, mas a gente vê que os apartamentos estão concentrados em bairros menores, o que acaba dando esse impulso”, explica o economista do Zap+, Pedro Tenório.
Dentro da cidade do Recife, só o bairro de Boa Viagem concentra 40,59% da oferta de imóveis para locação residencial, os demais não passam de 5%. O bairro é o mesmo que apresenta um dos metros quadrados mais caros da cidade, em média R$ 40,88.
“Recife tem uma característica bem peculiar, é uma das menores capitais em extensão territorial do País. Qualquer 'distanciazinha' maior, os moradores acham longe, acham distante, geralmente por conta de questões como o trânsito, costumando morar mais agrupados. Boa Viagem, Graças, Espinheiro são regiões com grande adensamento populacional, justamente por essa peculiaridade”, pondera Mendonça. Segundo ele, o valor, a nível de mercado, varia em função da demanda, “mas tende a subir também na hora que tem lugares com infraestrutura mais diversificada e mais rica, porque com a concentração, geralmente esses lugares passam a ser objetivo maior das pessoas. De cada 10 imóveis, três estão em Boa Viagem”, complementa.
De acordo Tenório, analisando os números do FipeZap, antes da pandemia, Recife já era um mercado que estava aquecido, “enquanto São Paulo estava com 2% a 3% de crescimento no valor do metro quadrado do aluguel, e o Brasil acompanhando essa variação, na casa dos 4%,Recife já vinha numa velocidade superior. Com a pandemia, você vê uma primeira queda, segurando o preço. No entanto voltou a acelerar depois, chegando a esse resultado de agora”.
No acumulado do ano, o preço do metro quadrado na capital pernambucana já é o segundo maior do País (R$ 34,29/m²), atrás apenas do registrado em São Paulo (R$ 39,26/m²).
Sobram problemas e não chegam soluções
Para reduzir o tamanho do déficit, especialistas apontam que é preciso pensar em soluções integradas que melhorem a qualidade de vida da população e demandam investimento direto do poder público, sem transferência da responsabilidade para a iniciativa privada.
“Não vejo Recife estruturando essa política (habitacional) de forma transparente, com programas estabelecidos e que gerem resposta em escala suficiente. Projetos pilotos precisam ganhar outra perspectiva, com investimento público direto, sem contrapartida. Temos um problema complexo que a prefeitura precisa encarar”, aponta Socorro Leite.
Segundo ela, falta priorização para a questão da habitação na cidade e mesmo quando tomadas iniciativas, elas seguem paliativas, sem dar conta do problema como um todo.
“O programa recentemente lançado, de regularização fundiária, é muito pequeno. É preciso ter linhas programáticas mais propícias para a atração de recursos. A prefeitura anunciou recentemente um novo empréstimo com a Caixa, que será usado para infraestrutura viária. O que é mais urgente, fazer pontes ou casas? Isso acaba na verdade aumentando o déficit, com mais despejo”, alerta Leite.
De acordo com Poley, é preciso pensar na construção de habitações, locação social e também serviços de infraestrutura em toda a cidade. “Quando garante a infraestrutura, pode pensar até também no deslocamento dessa demanda, aumentando a oferta de habitação adequada, que pode gerar uma tendência de redução dos preços, com maior oferta adequada pela cidade”, defende.
Na questão da locação, a ação mais direta da prefeitura no repasse de recursos está no auxílio-moradia, hoje pago a 5.6660 famílias, no valor de R$ 200 reais por mês. levando-se em conta essa única fonte para pagamento de aluguéis, subentende-se que essas pessoas agregam a conta do déficit qualitativo, conseguindo apenas acessar moradias precárias.
Na última quinta-feira, a prefeitura anunciou um novo programa voltado para a construção de habitações. Um pacote de benefícios fiscais oferecerá isenções de impostos e taxas municipais para a atividade das construtoras, especialmente, em relação a habitacionais de interesse social, segundo a prefeitura, que não especificou se haverá algum diferencial para esses tipos de construções.
A previsão é que mais de 8 mil empreendimentos residenciais saiam do papel até o fim de 2022 na cidade, reunindo aportes de mais de R$ 3 bilhões e gerando quase 20 mil novos postos de trabalho.
Outra ação ainda em espera vem do governo federal, com a locação social. Anunciada há um ano, dentro do Programa Casa Verde e Amarela, a medida visa à produção habitacional, por meio de Parceria Público-Privada (PPP). Ainda em fase de definição, pelo MDR, o projeto piloto prevê o atendimento de famílias com renda mensal de até R$ 2 mil e outro grupo entre R$ 2 mil e R$ 4 mil, com acesso a imóveis com locação facilitada.