O temor em torno de uma nova onda de casos da covid-19 fez com que a Prefeitura do Recife cancelasse a realização de shows públicos durante o réveillon 2022. A medida mantém a queima de fogos na orla de Boa Viagem e do Pina e nos demais pontos da cidade onde tradicionalmente já havia festa e, como está posta até então, é vista como prudente por setores que estão diretamente ligados à festa. Bares, restaurantes e hotéis veem ainda impacto econômico reduzido, mas adiantam que o cancelamento deve ser levado em conta como uma medida preventiva, para que não haja um impacto maior nas atividades ao decorrer do próximo ano.
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"Com essa questão do cancelamento, é imprevisível ter um dimensionamento dos impactos. Falamos sobre essa questão do acompanhamento dessa nova variante (ômicron), mas não estamos ainda com um posicionamento de consenso. Esperamos que bares e restaurantes não sejam atingidos, porque passamos por muita dificuldade e ainda estamos enfrentando. Havendo cumprimento dos protocolos sanitários, não há motivo para haver cancelamento do nosso funcionamento, até agora", diz o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes - seccional Pernambuco (Abrasel-PE), Andre Araújo.
O mês de dezembro, movido pelas festividades natalinas e de réveillon, é o melhor período para bares e restaurantes, com incremento de até 12% no faturamento. O cancelamento da festa pública é visto com prudente, mas acende um sinal de alerta em relação ao que virá pela frente.
"Esperamos que a racionalidade permaneça. Não houve ainda nem recuperação de receita. Não estamos conseguindo isso porque ainda estamos muito endividados, acumulando as dívidas. Estamos vivendo essa retomada, de confiança na vacinação. Os estabelecimento estão com movimento, mas de longe a gente ainda não conseguiu se recuperar. Esperamos bom senso e prudência em relação a novas medidas", reforça Araújo.
Na rede hoteleira do Estado, o impacto do cancelamento das festas públicas de réveillon, que já se estende a Petrolina, Caruaru e Jaboatão dos Guararapes, além do Recife, não deve reduzir a ocupação prevista dos leitos em mais de 10%. Em virtude do impacto econômico da pandemia, a capital pernambucana reduziu o número de leitos disponíveis na cidade, e com as flexibilizações já trabalhava com a estimativa de 90% de ocupação neste fim de ano.
"Acho prudente. Vai ser de certa forma impactante para o turismo, pois vai abalar alguma coisa, mas é melhor perder agora e ganhar o ano (de 2022). O prejuízo será menor. Liberar agora é um risco que pode bater no Carnaval. Se a gente puder se prevenir, para o turismo é melhor perde menos agora", diz o presidente da Associação da Indústria Brasileira de Hotéis de Pernambuco (Abih-PE), Eduardo Cavalcanti.
De acordo com Cavalcanti, a movimentação de turistas não esta atrelada, no Recife, à realização de festas públicas. "Se proibir o show de rua, grande, que a prefeitura faz em Boa Viagem, não mexe em 10% da ocupação da hotelaria. Importante é ser possível ter a festa de réveillon dentro do hotel. Se posso ter um evento dentro do hotel para 300 a 400 pessoas, não corre risco", afirma.
A expectativa é de que não haja uma movimentação intensa de turistas estrangeiros em pontos importantes do Estado. De acordo com a Abih-PE, no Litoral sul, o público preponderante deverá ser do Sul e do Sudeste. Já na capital, a expectativa é pela chegada de pessoas vindas de cidades como Maceió, João Pessoa e interior do Estado.
Cancelamento
A Prefeitura do Recife decidiu nesta terça-feira (30) não realizar os tradicionais shows da programação de réveillon, no próximo dia 31 de dezembro, que costumam marcar a virada do ano na orla do Pina e Boa Viagem. O prefeito João Campos (PSB) garantiu a realização da queima de fogos na orla de Boa Viagem, e também descentralizada em outros bairros da cidade e além desse cancelamento, não pontuou nenhuma alteração no funcionamento de bares e restaurantes ou até mesmo em festas realizadas dentro de hotéis ou em outros espaços privados.
Está garantida a queima de fogos na Orla de Boa Viagem, com 17 minutos de um show no céu recifense. Serão quatro balsas dispostas no mar, responsáveis por dar suporte aos fogos que serão projetados sem estampidos.
Também haverá cinco minutos de fogos em polos descentralizados no Ibura, Jardim São Paulo, Morro da Conceição e Lagoa do Araçá.
O que uma história da Itália antiga tem a ver com a decisão dos prefeitos sobre liberar ou não o carnaval
Prefeitos de cidades como Recife, Salvador, Olinda e Rio de Janeiro estão com uma espada sobre o pescoço e são obrigados a decidir sobre a festa de rua.
Fala-se muito na expressão "Espada de Dâmocles" e, dificilmente, ela se encaixa tão bem quanto na novela dos gestores brasileiros sobre liberar ou não o Carnaval de 2022.
Conta-se que na corte de Dionísio, em Siracusa, por volta do ano 400 A.C, um cortesão chamado Dâmocles, que invejava a riqueza e o poder de seu senhor, recebeu como presente a chance de viver durante um dia cercado de todo o ouro, prata e belas mulheres.
Dionísio colocou apenas uma condição: que ele passasse o dia com uma espada apontada para o pescoço, pendurada por um fio de rabo de cavalo.
O governante queria mostrar para o súdito a pressão pela qual passava todos os dias.
Poucas vezes, no Brasil, um carnaval teve tantas implicações políticas como já temos para 2022. Governadores e prefeitos estão no centro dessa discussão, principalmente pelo momento que vivemos. A pandemia aliviou, mas não passou.
Esse meio de caminho ajudou os gestores a liberarem a maior parte das atividades econômicas, inclusive shows privados com controle vacinal na entrada. Mas festa de rua é outra história.
Qualquer decisão tomada terá repercussão negativa para os prefeitos e governadores e, por isso, eles tentarão todas as formas para tirar o corpo fora. A associação de prefeitos de capitais com tradição no carnaval, como Recife, Salvador e Rio de Janeiro estão fazendo, é uma delas.
É uma forma de dividir o ônus. Quando alguém reclamar na capital pernambucana, poderá se dizer "mas Salvador e Rio de Janeiro também cancelaram".
O problema são as festas privadas: como proibi-las depois que shows estão acontecendo por todos os cantos, com aglomeração?
No carnaval de rua, é impossível controlar de forma segura a entrada de pessoas. Um milhão de pessoas apresentando cartão de vacina antes de começar o Galo da Madrugada ou para subir cada ladeira e beco de Olinda é impensável.
O prefeito de Petrolina, Miguel Coelho (DEM), já decidiu liberar somente os eventos privados de carnaval e cancelar a festa de rua. Petrolina é uma grande cidade, com uma economia forte e de grande interesse para o turismo, mas não tem como comparar com Recife, Olinda, Salvador e Rio de Janeiro.
Principalmente as duas pernambucanas e a capital carioca têm seu gigantismo na festa de rua, aberta e gratuita. Caso façam o mesmo, os prefeitos imediatamente receberão críticas por liberarem o "carnaval dos ricos" e acabarem com a "festa do povo".
Se cancelarem as festas privadas, proibindo-as, serão acusados de populismo e demagogia.
Ambos os acusadores terão boa dose de razão.
A relação com a história antiga de Siracusa é precisa, com uma observação: os prefeitos e governadores não são Dâmocles, que estava apenas por um dia experimentando os prazeres do poder e foi surpreendido com espada sobre o pescoço.
Eles são Dionísio, obrigados a decidir e assumir o benefício ou o prejuízo de suas opções.
Dâmocles, ao ver a espada, desistiu do "presente" e voltou para casa.
Dionísio morreu envenenado, acredita-se, pelo próprio filho querendo tomar o poder, anos depois.
Caso haja a liberação do carnaval de rua, a história antiga da Itália renderia boas fantasias.
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