Dia 15 de março passado, Gilberto Freyre completaria 121 anos (1900-2021), data que merece ser reverenciada com entusiasmo. Dotado de extraordinária sensibilidade, soube inovar a Escrita ao valorizar a estética no ato de explanar. Não bastava escrever bem, era preciso utilizar mecanismos que viessem a contribuir para a harmonia da narrativa. Beleza, cadência, sonoridade musical se agrupam na estrutura da Forma. Urge que a palavra ganhe a magia do simbólico e a expressividade do que se deseja exaltar. Escrever é difícil, e muito, mas vale a pena perseguir a melodia de um movimento que se quer bem dosado.
Entre uma frase e outra há de se estabelecer uma sintonia capaz de equilibrar o ritmo e o compasso da narrativa. Em uma tarde chuvosa, Freyre me disse: "Gosto de escrever, porém, cada letra exige uma atenção especial". Nunca esqueci a frase, gravei-a como um difícil aprendizado que se alonga pelo tempo afora. Confesso os meus receios ao lidar com as frases que se somam ao texto. Escrevo uma, outra e depois outra, e quase sempre predomina a hesitação. Jamais concluí um parágrafo sem reformá-lo; predomina a ansiedade no ato de redigir. A dificuldade de dominar a página me invade por completo. Reescrevo, reescrevo e vou adiante...
Em Gilberto, a escrita parecia fluir à vontade. "O estudo da história íntima de um povo tem alguma cousa de introspecção proustiana". Percebe-se a entonação de um dizer, dotado de sonoridade e metáfora, uma múltipla preocupação entre a essência e a Arte. Convém frisar que Freyre demorou a alfabetizar-se. Gostava de desenhar. Importava-lhe entender o mundo por entre a performance da estética. Os pais, já ansiosos face à ausência do interesse pela escrita, resolveram convidar Telles Júnior, grande pintor e professor à época, para tentar resolver o problema. Não deu certo, infelizmente. Por fim, o educador Williams conseguiu alfabetizá-lo, mas em inglês, pois era britânico. Dessa forma, iniciava o seu contato com a Escrita. E entregou-se de tal maneira à Letra que a palavra lhe serviu de alento à existência.
A preocupação com o desenho na infância vem a demonstrar o interesse de Freyre por entender o mundo mediante elementos belos e atraentes. Certo dia me revelou com entusiasmo: "Escrever é minha forma de viver. E exalto a Arte como caminho da impossível perfeição". Dali em diante, percebi que a Vida só pode ser bem vivida quando em plena concordância com o sonho e a utopia. Ignorar a sutileza dos traços "indefinidos" é o mesmo que isolar-se do diálogo com o mundo. Há de se aclamar o Belo em louvor da humanidade.
Fátima Quintas, da Academia Pernambucana de Letras
*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC