A aprovação da regulamentação da reforma tributária pela Câmara ocorreu depois de intensas negociações de última hora e de relativamente poucas discussões, dada a importância e controvérsias inerentes ao tema.
Os grupos de interesse trabalharam muito para reduzir ou zerar a alíquota-padrão ( cerca de 26,5%). Alguns foram bem-sucedidos. Os bons resultados das negociações para os grupos mais poderosos, e com maior lobby, associados ao diferimento no tempo dos efeitos presumíveis da reforma, têm permitido o avanço do novo marco tributário depois de décadas de tentativas de mudá-lo.
Não foi, e não será depois de concluída sua regulamentação, a reforma ideal. Foi a possível dadas as circunstâncias políticas e históricas. Mesmo assim, constitui-se em considerável avanço em relação ao sistema vigente, especialmente no que diz respeito à simplificação e a transparência.
É uma reforma restrita ao consumo com um período de transição que se estende de 2026 a 2033. Precisa-se reformar agora os impostos sobre a renda e o patrimônio. Tarefas que, se espera, não adormeça nas gavetas do governo e que não está isenta de controvérsias tais como a taxação de lucros e dividendos.
O Senado retirou a urgência do projeto de regulamentação aprovado pela Câmara para melhor discutir seu conteúdo e, eventualmente, alterá-lo. Essa é uma boa notícia. A pressão exercida sobre a Câmara para aprovar a regulamentação antes do recesso parlamentar foi substantiva, prejudicando os debates em tema que precisa de discussões aprofundadas. Aguardemos o tumultuado segundo semestre, lembrando que o clima para debater a regulamentação no Senado será contaminado pelas disputas eleitorais.
A despeito dos avanços, há pontos na regulamentação aprovada na Câmara que merecem ser rediscutidos e modificados. Um deles que se constitui em privilegio injustificável é a redução em 30% da alíquota-padrão de 26,5% (IBS + CBS) aplicável aos serviços prestados por grupos de profissionais liberais como médicos, advogados e economistas.
Em sociedade profundamente desigual, não há como justificar tal iniciativa. Por outro lado, excluir armas e munições do imposto seletivo, descrito a seguir, foi lamentável. A bancada da bala está feliz.
A reforma tributária concebeu um novo tipo de imposto denominado de “seletivo” que não tem fins necessariamente arrecadatórios, mas que tem sido aplicado em outros países para mudar o comportamento e os hábitos do consumidor.
Esse imposto, concebido por Arthur Cecil Pigou (1877-1959), Professor da Universidade de Cambridge, Inglaterra, busca reduzir externalidades negativas ao incidir sobre o consumo de bens que traga danos a indivíduos, à sociedade e ao meio ambiente.
Denomina-se, de forma imprecisa, como o imposto do “pecado” porque é geralmente aplicado sobre o consumo de álcool e fumo, por exemplo. Todavia, ele deve incidir também sobre produtos que causem dados ao meio ambiente, como os combustíveis fósseis geradores do efeito estufa.
Na regulamentação da reforma veículos, exceto ônibus, foram assim taxados, inclusive carros elétricos o que é uma incongruência pois são ambientalmente sustentáveis seja na sua forma híbrida (etanol mais eletricidade) ou pura, ou seja, movidos exclusivamente por energia elétrica gerada por bateria de lítio.
O imposto seletivo em vez de ser aplicado sobre os combusteis fósseis (gasolina, diesel, gás, etc.), incidirá sobre veículos que usam tais combustíveis e sobre veículos elétricos que, todavia, não os usam, colocando-os indevidamente na mesma categoria.
O objetivo deveria ser penalizar o consumo de combustíveis de origem fóssil, mudando o comportamento da sociedade na direção de usar fontes de energia renováveis e sustentáveis. A OCDE já analisou em relatório que avalia os avanços do Brasil desde a Conferência de Paris, em 2015, que o país não avançou, como deveria, na taxação de poluentes atmosféricos como gasolina e diesel, entre outros.
O documento afirma que a taxação de veículos no Brasil deve estabelecer laços mais estreitos com critérios ambientais para que possam promover soluções de mobilidade mais limpas. Afirma ainda que com exceção da imposição de encargos para tratamento de esgotos, o país não aplica impostos sobre poluição. A regulamentação da reforma tributária perdeu essa oportunidade histórica.
A questão sobre a inclusão de proteínas de origem animal na cesta básica protagonizou um ridículo debate que envolveu a JBS dos irmãos Wesley, Bolsonaro, Lula, o PL e o PT, motivado por rixas ideológicas, pessoais e partidárias.
Ao final, manteve-se as carnes de vários tipos na cesta básica, decisão inédita e populista típica de ano eleitoral. A resultante poderá ser uma alíquota-padrão maior do que a desejável. Todavia, introduziu-se como salvaguarda dispositivo que estabelece trava de 26,5%. Se a alíquota de referência alcançar percentual superior, haverá uma revisão do sistema de isenção e tributação para que se mantenha naquele patamar.
Todavia, a Câmara poderia ter introduzido alíquotas seletivas moderadas sobre o consumo de combustíveis fósseis, inibindo seu uso e elevando a arrecadação, o que permitiria reduzir a alíquota padrão, mas não o fez. Cabe ao Senado agora fazer uma reavaliação.
Entre altos e baixos, a regulamentação da reforma tributária avançou. Espera-se que o Senado a melhore embora não esteja isento das pressões dos diferentes grupos de interesse que, ao final, moldam o conteúdo da reforma nos seus detalhes e aplicações.
Jorge Jatobá, Doutor em Economia, Professor Titular da UFPE, Ex-Secretário da Fazenda de Pernambuco, Sócio da CEPLAN- Consultoria Econômica e Planejamento.