Com lojas fechadas por conta do coronavírus, comerciantes perguntam: "como levar o pão para casa?"

A polícia teve de fechar lojas e os comerciantes alegam que precisam pagar as contas
Cássio Oliveira
Publicado em 23/03/2020 às 16:05
Devido a disseminação do novo coronavírus, o governo mandou fechar todo o comércio. Foto: FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM


A desolação estava marcada no olhar de quem teimou em abrir suas lojas, nesta segunda-feira (23), mesmo diante de um decreto estadual que proíbe a abertura do comércio "não essencial" por conta da pandemia do novo coronavírus. A pergunta que não cala entre os comerciantes ouvidos pela reportagem é a mesma: "como vamos nos sustentar?". 

O feirante Williams dos Santos, 37 anos, teve de fechar sua banca de frutas em Camaragibe, na Região Metropolitana do Recife (RMR), e agora não sabe como levar alimento para casa. "Fica ruim para a gente que leva o pão de cada dia. Como pagar aluguel? Deveriam entregar máscara, gel, dava para ter comércio, todo mundo de máscara, de luva. Da forma que está não temos como se manter. Não sei o que vou fazer, vivo disso e vou procurar alguma forma de vender. Não temos ajuda e apoio de ninguém, somos cidadãos, eleitores, mas ninguém ajuda", afirmou. Ainda em Camaragibe, uma dona de bar, que preferiu não se identificar alegando ter "medo de perder o ponto", disse que "só falam (os políticos) em fechar, mas não dizem como vão ajudar".

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Na última sexta-feira (20), o governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), determinou o fechamento do comércio, dos serviços e das obras de construção civil em todo o estado. A medida começou a valer nesse domingo (22) e tem o objetivo de enfrentar a epidemia do novo coronavírus, que tem 42 casos confirmados no Estado. Neste primeiro dia útil após o decreto, a reportagem do JC esteve no camelódromo da Dantas Barreto, no bairro de São José no Recife e flagrou o momento em que a Polícia Militar (PM) determinou o fechamento de lojas dos poucos comerciantes que insistiram em abrir.

"Será que a solução é essa? Fechar o comércio? Como a gente vai sobreviver? Porque a gente sobrevive daqui, então se a gente não trabalha, não ganha. Eu acho isso muito errado, muito mesmo. Acho que não é assim que se resolve”, desabafou Luciano Francioli, 48 anos, dono de uma loja de conserto de impressoras, que foi fechada pela PM. Ele vem todos os dias de Carpina, onde mora, e toca a loja com apenas um funcionário. Para ele, a melhor medida do Estado seria entregar álcool e máscara para os comerciantes. Uma lanchonete e uma loja de roupas também estavam abertas quando a polícia chegou ao camelódromo. "Eu tive que abrir, as faturas não vão parar de chegar por conta de coronavírus", afirmou Marcos Souza, 33 anos, que teve de fechar sua loja de assessórios para celular.

Em meio a pandemia do coronavírus, apenas supermercados, padarias, mercadinhos, farmácias, postos de gasolina, casas de ração animal, depósitos de água mineral e gás ficam abertos. Além desses estabelecimentos, continuam a funcionar obras e serviços essenciais, como hospital, abastecimento de água, gás, energia e internet. Diante do impacto que isso pode causar na economia, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que o governo liberará R$ 15 bilhões em benefícios de até R$ 200 para trabalhadores informais e autônomos por três meses. Serão gastos R$ 5 bilhões por mês. Segundo ele, esses trabalhadores fazem parte do Cadastro Único e não recebem benefícios sociais. Guedes declarou que os trabalhadores receberão os recursos na Caixa e no INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). No entanto, ainda não há detalhes de como o processo será feito.

Novo decreto

Um novo decreto, anunciado nesta segunda-feira (23), proíbe reuniões e aglomerações para grupos de mais de dez pessoas. "Precisamos nesse momento que o maior número de pessoas fique em casa, para que tenhamos o mínimo de contato social. Estamos trabalhando também em uma série de ações para ampliar a rede de atendimento, como já anunciamos os 1.000 novos leitos exclusivos para o tratamento da covid-19", explicou o governador Paulo Câmara.

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O governo também proibiu o transporte de passageiros em mototáxis e determinou a contratação de 4.729 profissionais da área da saúde (430 médicos, 1.552 outros profissionais de diversas áreas) que foram aprovados no último concurso, a abertura de duas seleções públicas para a contratação de 2.747 novos profissionais, o repasse de R$ 11 milhões para a Assistência Social e Saúde. A primeira seleção pública tem previsão para 160 vagas para médicos e 1.917 vagas em outros cargos. Já a segunda irá contratar 65 médicos e 605 para profissionais como enfermeiros, nutricionistas, farmacêuticos, biomédicos, fisioterapeutas, técnicos em enfermagem, entre outros.

Denúncias

Segundo a Secretaria de Defesa Social (SDS), o Centro Integrado de Comando e Controle Regional (CICCR) registrou 3.409 ocorrências até esta segunda-feira (23) relacionadas ao descumprimento de medidas restritivas previstas nos decretos estaduais de enfrentamento ao novo coronavírus. A maior parte delas - 2.038 - foram computadas nesse domingo (22). Oito pessoas tiveram que ser conduzidas a delegacias, no Interior e em um município da Região Metropolitana do Estado, por terem desobedecido às normas estaduais de restrição relacionadas à pandemia.

ASCOM/PMPE - Polícia faz operação durante a pandemia do novo coronavírus

Dos 2.038 chamados recebidos pelo CICCR no domingo, quase a metade (962 ao todo) reportava denúncias de aglomeração de pessoas. Outros 627 davam conta de funcionamento irregular de bares, restaurantes, lanchonetes e similares - conforme decreto, esses estabelecimentos não podem receber clientes em seu interior, devendo apenas oferecer serviço de entrega no próprio local ou em domicílio. Em seguida, aparecem as denúncias sobre funcionamento de comércio, com 160 casos.

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O quarto tipo de chamado mais frequente ao 190 foi relativo ao funcionamento de igrejas, com 149 denúncias. A utilização coletiva de áreas de lazer motivou 46 reclamações feitas ao Ciods, enquanto as queixas relacionadas com a realização de eventos somaram 27 ocorrências. Quatro denúncias deram conta do funcionamento de empresas e uma outra tratou de um protesto. Dois outros casos foram classificados como outras ocorrências.

"É preciso que a população se conscientize e entenda que as medidas determinadas pelo Governo do Estado são para a segurança de todos. Os policiais militares e bombeiros militares de Pernambuco estão nas ruas para orientar e pedir a colaboração dos cidadãos nesse esforço que toda a sociedade precisa empreender, a fim de garantir a saúde e integridade dos pernambucanos. Os policiais civis e da Polícia Científica também estão trabalhando nessa linha de frente, assegurando o serviço essencial que é o da segurança pública", ressalta o secretário de Defesa Social de Pernambuco, Antonio de Pádua.

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