Desocupado há 1 ano e 7 meses por interdição da Justiça, o Edifício Holiday, em Boa Viagem, na Zona Sul do Recife, continua sendo alvo de sucessivos roubos. Quem passa pela Rua Salgueiro percebe as janelas quebradas ou sumindo que sinalizam para os furtos que ocorrem no interior do prédio. Do lado de fora, os tapumes colocados em volta do terreno após sua interdição também foram levados. A Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife (Emlurb) precisou realizar onze reposições até esgotar o estoque interno.
De acordo com os ex-moradores entrevistados pela reportagem do JC, as invasões aos apartamentos acontecem todas as noites. “Já perdemos para mais de 50 janelas, peças de elevadores, fiação etc por causa dos vândalos”, afirmou José Rufino Neto, que foi síndico do Holiday até o dia 20 de setembro. Responsável legal no processo judicial, Rufino explicou que o edifício não conta com vigilância particular. “Quando necessitamos, chamamos a Guarda Civil ou a (Polícia) Militar."
Procurada, a Secretaria de Defesa Social (SDS) de Pernambuco respondeu que a última ocorrência de roubo em um raio de 100 metros de distância do edifício foi em 28 de setembro. “A área está há 15 dias sem Crimes Violentos contra o Patrimônio (CVP) e registra, este ano, uma redução de 44% no número de CVP, se comparado ao ano passado”, afirmou, por meio de nota.
A segurança público nos entornos do edifício e ao longo da Avenida Conselheiro Aguiar é feita através 19º Batalhão da Polícia Militar, com emprego de guarnições táticas, motopatrulheiros, e de recobrimento do Grupo de Apoio Tático Itinerante (Gati).
Apresentando problemas estruturais e sob risco de desabamento e incêndio, o condomínio foi interditado no dia 13 de março de 2019, por determinação do juíz Luiz Gomes da Rocha Neto, da 7ª Vara da Fazenda Pública da Capital. Cerca de 3 mil moradores foram evacuados dos 476 apartamentos do Holiday, um dos primeiros arranha-céus do Recife, construído em 1957 e símbolo da arquitetura modernista em Pernambuco. Apesar de localizado em um dos bairros nobres da capital, os imóveis eram majoritariamente habitados por trabalhadores de baixa renda.
Uma dessas pessoas era Edimar José de Oliveira, de 43 anos, que morava no número 104. “Eu vivia com um rapaz que fabricava guarda-sol para praia. Eu dormia lá e tomava conta do apartamento e do material”, relembra. Desde então, Edimar se mudou para um barraco na comunidade de Entra Apulso, no mesmo bairro. Além do novo endereço ser próximo, o trabalho também o mantém perto da área: ele é comerciante ambulante na Praia de Boa Viagem e vigia o material de um feirante em frente ao Holiday. Mas Edimar não tem mais esperança de voltar a morar. “Só Deus na causa”, falou.
Uma mulher de 26 anos, que preferiu não se identificar, viveu por seis anos no nono andar do edifício até ele ser esvaziado. Garota de programa, ela dividia um apartamento com uma amiga, a dona do imóvel. “Eu ajudava ela com as despesas, dava R$ 100 por semana”, conta. Quando teve que deixar o prédio, estava grávida da filha, com quem vive hoje no bairro do Ipsep, também na Zona Sul do Recife. Além de manter a própria casa, é ela quem também paga o aluguel da colega em uma comunidade em Boa Viagem. “Minha amiga está passando por uma situação difícil. Não tem renda nenhuma. E ela era proprietária (no Holiday), o apartamento era comprado, ela não deve nada”, disse.
Agora, os únicos habitantes do Holiday são pessoas em situação de rua que buscam abrigo na sua parte externa. Luciano Saraiva, 33, um dos ocupantes, falou que eles chegaram aproximadamente dois meses depois de o prédio ser desativado. O grupo permanece na área do pátio, onde funcionavam comércios. “A gente fica por essa região aqui. Lá em cima, ninguém pode ter acesso”, apontou. Mesmo assim, ele identifica a movimentação nos andares. “A polícia vem. Até algumas pessoas já foram apreendidas”, disse.
A prefeitura informou que as pessoas em situação de rua são acompanhadas pela equipe do Serviço Especializado em Abordagem Social de Rua (SEAS) da Assistência Social do Recife. “A oferta de acolhimento institucional já foi realizada algumas vezes, mas não houve confirmação de interesse”, acrescentou. O município não realiza retirada compulsória das pessoas em vulnerabilidade que utilizam os espaços públicos da cidade como local de moradia, em observação ao direito de locomoção assegurado pela Constituição Federal.
Afastados, os moradores do Holiday só poderão retornar quando forem realizadas reformas que resolvam os defeitos na estrutura do prédio. Por ser um empreendimento privado, os serviços não serão custeadas com dinheiro público. Uma vaquinha chegou a ser criada para levantar recursos, mas só conseguiu arrecadar R$ 4,5 mil da meta de R$ 100 mil. “O valor não dá nem para pagar dois meses de uma segurança privada, nem sequer iniciar a obra”, pontuou o ex-síndico Rufino.
Mesmo assim, uma equipe jurídica e de arquitetos voluntários conseguiram uma parceria com o Sindicato de Engenheiros e a Universidade de Pernambuco (UPE) para elaborar um projeto. “Depois de os projetos serem aceitos pelos órgãos, será feito o orçamento por empresas também voluntárias e outros apoiadores para procurarmos investidores e parcerias para realizar a obra”, revelou.
A avaliação do juíz Luiz Rocha é de que a situação não tem avançado muito. “Projetos, ideias, se teve, isso a gente acompanha. Agora, o projeto por si só não resolve. Tem que ter recurso para resolver. Mas essa não é uma parte nossa, é o condomínio que tem que tratar disso”, declarou.
“A Justiça atua no processo de interdição, que foi feita. Nós estamos dando andamento ao processo e aguardando que os serviços de recuperação da instalação elétrica e estrutural do Holiday seja feito e o prédio retome às condições de habitabilidade”, contextualizou.
O magistrado ainda acrescentou que todos os pedidos para profissionais voluntários da área técnica entrarem no edifício foram autorizados. “Foi a única autorização que permitimos por conta do risco de se transitar de um prédio que tem desprendimento de concreto na fachada e sem manutenção”, prosseguiu.
Segundo ele, uma audiência pública sobre o assunto estava planejada e autorizada para acontecer em maio, mas foi suspensa por conta da pandemia. “Nós estamos ouvindo as partes, - o processo para por isso -, mas, assim que for possível, a ideia é retomar essa iniciativa para que a gente possa ter uma dimensão mais prática do problema e ouvir mais pessoas.”