Quando o cão Sam chegou na casa da sua nova família, em Jaboatão dos Guararapes, no Grande Recife, era um filhote de menos de um mês de vida. Agora, com dez meses, ele corre o risco de ser separado dos tutores. O motivo é o seu pedigree: cachorros da raça pitbulls são proibidos por lei no município desde 2008. A lei era desconhecida por parte dos donos, mas voltou a repercutir depois que um pitbull usado na segurança de um restaurante da cidade se soltou e atacou o rosto de uma criança de 5 anos, na semana passada. Pelo menos cinco condomínios em Jaboatão requisitaram que os donos removessem seus animais na última semana, depois do incidente.
No caso do dono de Sam, o vigilante Thalles Andrade Lima, de 29 anos, a recomendação aconteceu nesta segunda-feira (23). Ele recebeu um chamado do síndico e do vice síndico do Residencial Jangadeiros, no bairro de Candeias, onde mora há 23 anos, que mostraram um documento lembrando da legislação municipal e solicitaram que retirasse o animal de casa.
O pedido chegou como surpresa para Thalles, que descreve o temperamento do cão como muito dócil. "Ele é extremamente carinhoso. Só tem amor para dar. Nem late. As crianças, meus vizinhos de porta, todos se dão bem com ele, a minha filha (de 4 anos) se dá bem com ele", contou.
"Nunca imaginei que fosse passar por isso. Eu tinha um poodle, que tinha 15 anos, ele descansou, e depois de um mês ganhei Sam de um amigo meu. O pai dele também é muito dócil", afirmou.
Na sua visão, a diferença no comportamento dos animais, mesmo de mesma raça, é definida pela criação. "Quem cria seu cachorro para ser guarda, vai ser guarda. Podia ter sido um pastor alemão, fila brasileiro, rottweiler, vira-lata, poderia ser qualquer raça", opinou.
Mas a lei vale apenas para pittbulls. Caso um cão dessa raça seja apreendido pela fiscalização da prefeitura, será encaminhado ao Centro de Vigilância Ambiental (CVA) da Prefeitura de Jaboatão. Em nota, o município explicou que o animal ficará sob cuidados veterinários para avaliar se há presença de alguma zoonose e, depois, será disponibilizado para adoção - "desde que o interessado resida em outro município, tendo em vista que a Lei 225/2008, de autoria do Poder Legislativo, proíbe a criação dessa raça em âmbito municipal".
É por esse processo que passam os dois cães apreendidos no restaurante onde houve o ataque. Além do pitbull macho, responsável pela mordida, uma fêmea também foi recolhida por conta da lei. "O dono abriu mão da tutela e algumas organizações não governamentais demonstraram interesse na adoção. Após o período de análise, vamos avaliar os interessados (encaminharemos uma equipe técnica aos locais onde o animal ficaria abrigado para ter a certeza que o cão vai ser bem cuidado) e autorizar a doação", disse, no texto.
O ativista da causa animal Douglas Brito definiu a ocorrência do ataque como um caso isolado. "Os pitbulls sempre foram vistos como animais agressivos. Mas tem ataque de poodle, de vira-lata. Depende muito do tutor", exemplificou. "Qualquer animal pode se tornar agressivo. É necessário chamar responsabilidade pro tutor. Temos duas vitimas, a criança e o cachorro, e o responsável é o tutor", levantou.
Por isso, ele é um dos que pleiteiam a revogação da lei 225/2008. "Por si só, ela traz uma inconstitucionalidade: no artigo 5º da Constituição Federal, tem o direito de propriedade, que é o direito de ter o animal", ponderou.
Brito reclama da falta de diálogo do poder Executivo. Ele diz que, se não forem ouvidos, ele e outros ativistas vão se mobilizar para acampar em frente à sede da prefeitura até conseguirem a revogação.
Brito também chama os demais tutores fazerem uma doação de sangue na Fundação de Hematologia e Hemoterapia de Pernambuco (Hemope) em nome da criança ferida.
A adestradora em formação Crislane de Santos Silva, 26, concorda: a propensão a ataques é relacionada à criação do animal. "Qualquer cachorro tem poder muito grande de atacar e matar. Ele é sempre um reflexo das ordens que recebe", afirmou.
Para ela, a resposta para garantir um comportamento tranquilo do animal é o adestramento e a castração. "Para quem tem cachorro grande, acho que deveria ser quase obrigatório para você ter comando sobre ele. Se não tiver, infelizmente acontece o que aconteceu. Um cão adestrado entende que está trabalhando e não pode atacar todo mundo", completou. Não havendo adestramento, o temperamento da família vai contar bastante, disse.
De acordo com Crislane, os ataques também deixam sequelas grandes no próprio cachorro. "Assim como a gente sofre, ele também sofre. A memória vai guardar essa imagem e a sensação e depois a reabilitação dele vai ter que ser muito séria. O adestrador tem um trabalho dobrado para trazer de volta para o mundo."
No último domingo (22), um menino de 5 anos foi atacado no rosto por um cachorro da raça pitbull, no restaurante de uma marina da praia de Barra de Jangada, em Jaboatão dos Guararapes, na Região Metropolitana do Recife (RMR). A criança foi socorrida para a UPA do bairro, mas, por causa da gravidade dos ferimentos, foi transferida para o Hospital da Restauração (HR), no Derby, área central do Recife.
De acordo com a assessoria de comunicação da unidade de saúde, o menino foi mordido no rosto e precisou passar por uma cirurgia bucomaxilar e cirurgia plástica. Na noite da última segunda-feira (23), ele foi transferido para o Hospital da Unimed. De acordo com a assessoria da Unimed, não há autorização para informar o estado de saúde do paciente.