Pela primeira vez em 116 anos, fiéis e párocos esperam que o Morro da Conceição, localizado no bairro homônimo, na Zona Norte do Recife, não seja tomado por visitantes no dia 8 de dezembro, data dedicada à Virgem da Conceição. Por causa da pandemia - e com vista na tendência de alta de casos e de internações em UTIs do Estado - a Festa do Morro, que começou nesse sábado (28), passou por uma série de alterações: a mais drástica sendo o cancelamento da tradicional Procissão da Bandeira, que reverencia a santa padroeira do coração de Pernambuco.
O Padre Luiz Vieira, reitor do Santuário Nossa Senhora da Conceição, explica que a decisão em manter a festa neste ano partiu da crença de que, com ou sem ela, os fiéis compareceriam para pagar promessas ou fazer pedidos à santa. "A gente pensou que, diante dessa situação, era melhor que a gente se preparasse para receber essas pessoas de maneira responsável, organizada, cumprindo as regras da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Governo do Estado", explicou.
A orientação é que os fiéis se desloquem para o local até o dia 7, ao invés de se concentrarem em 8 de dezembro. Até esta terça-feira (1º), segundo o pároco, o movimento no Morro foi tranquilo. "Esse ano está dentro do novo normal. Nesse final de semana inicial, a festa sempre tem um movimento mais leve, mais tranquilo, e a eleição e as chuvas de domingo tiveram interferência nisso, também", disse.
O menor fluxo de pessoas também foi sentido pela comerciante Geralda Cardoso, 60 anos, dona de um bar ao lado da igreja. "Esse ano está sendo muito fraco com essa epidemia, está muito diferente em relação aos outros anos, mas a gente tem que agradecer o pouco que Deus nos dá. O pessoal está respeitando o distanciamento, todo mundo usando máscara, estão tendo bastante cuidado. A gente fica triste porque ninguém pode trabalhar. Eu sou de alto risco, mas estou me prevenindo bastante, não estou tendo muito contato com as pessoas", contou ela, que é diabética e tem pressão alta, comorbidades de risco para o vírus.
A vendedora cumpre a recomendação feita pela Arquidiocese de Olinda e Recife de que o grupo de risco deve ficar em casa e acompanhar as celebrações através do YouTube, no canal Santuário Morro da Conceição. As missas das 4h e das 19h do dia de Nossa Senhora da Conceição serão transmitidas também pela TV Pai Eterno. Até o dia 7 de dezembro serão cinco celebrações diárias: às 6h, 9h, 12h, 14h e 16h, com duração média de 45 minutos cada. O Solene Novenário acontece sempre às 19h. No dia 8 de dezembro, oito missas serão realizadas (0h, 2h, 4h, 6h, 9h, 12h, 14h e 16h). A solenidade da Imaculada Conceição, que encerra a festa, vai ser presidida pelo arcebispo metropolitano de Olinda e Recife, dom Antônio Fernando Saburido, às 19h.
O padre Vieira tranquiliza os devotos que não vão poder ir e orienta que a prioridade, agora, é cuidar da saúde. "Se a pessoa é de risco, se tem alguma suspeita da covid ou se está convivendo com alguém que está com covid, a gente pede que fique em casa para não colocar a vida do outro em risco. Se tem uma promessa para pagar esse ano, pode deixar para o próximo ano, não tem problema, o mais importante agora é cuidar da saúde e da do outro", afirmou.
Até o dia 29 de novembro, o bairro do Morro da Conceição, que tem cerca de 10 mil habitantes, segundo a Prefeitura do Recife, registrou 42 casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) causada pelo novo coronavírus, a forma grave da doença, o que representa 0,4% de todos os casos graves da capital pernambucana. Desses, 14 pacientes faleceram. O Distrito Sanitário (DS) VII, que engloba o bairro e mais 12 das redondezas, teve 888 infectados, 9,5% do total do Recife, e 296 óbitos. Esses números deixaram o DS VII como o 2º (entre oito) menos atingido oficialmente pelo vírus.
O que parece ser positivo, é, para o epidemiologista Rafael Moreira, um fator de preocupação. Isso porque, a circulação de pessoas de outros bairros até o Morro da Conceição, seria, segundo ele, "a fórmula perfeita para espalhar o vírus". "Se tem menor número de casos, pode ser porque existem pessoas ainda suscetíveis a pegar o vírus, ou pessoas que não foram contabilizadas nessa estatística. Se for a primeira hipótese, com o aumento da circulação de pessoas de outros bairros, onde o vírus está mais atuante, você vai ter a maior probabilidade de aumento de número de casos pós festa. Você vai estar expondo uma população ainda suscetível, que ainda não entrou em contato com o vírus", explicou.
A comerciante Geralda revela temer um aumento de casos no bairro após a Festa do Morro, mas, como fiel, acha imprescindível a realização da celebração, desde que haja cuidados para evitar a contaminação. "Eu acredito que vai [aumentar], se eu dissesse que não, estaria mentindo. [...] Eu acredito que dia 8 vai vir muita gente, mesmo sem procissão, porque Nossa Senhora é muito querida. Ninguém vai deixar de vir, agradecer, de pedir. Eu acho importante ter porque a gente não pode esquecer de Nossa Senhora. Se teve a de Nossa Senhora do Carmo, por que aqui seria diferente? Por que não aqui?", questionou.
O não cumprimento das medidas sanitárias recomendadas durante pandemia, foi, para o cientista, essencial para um repique nos números epidemiológicos no Estado. Por isso, máscaras e o distanciamento devem ser adotados pelos frequentadores da Festa do Morro. "A gente está acompanhando e vemos a aglomeração como a causa desse aumento. Por não ter vacina, nem medicação, as únicas formas de proteção são as mesmas do começo da pandemia, como uso de máscara e distanciamento social. A gente observa que o não uso de máscara e a proximidade de um grande volume de pessoas podem ser mais alguns fatores responsáveis por esse aumento que observamos", relacionou.
O "aumento" citado pelo integrante da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) pode ser exemplificada pelos dados do mês de novembro, quando foram confirmadas laboratorialmente 410 mortes em Pernambuco, rompendo a tendência de queda mantida desde junho. O Estado também chegou a reativar 184 leitos nos últimos dias, incluindo UTI e enfermaria, e os índices de ocupação de leitos se mantêm maiores do que 80% desde a primeira quinzena de novembro.
Quem quiser subir o Morro precisará seguir as novas regras. A entrada no santuário se dará pelos portões A e B, próximos à torre. Dentro do templo, serão dispostos 120 bancos, para duas pessoas cada, totalizando 240 pessoas dentro do santuário. Do lado de fora, foi montada uma estrutura com duas tendas e 300 cadeiras, dispostas de modo que haja distanciamento de 1,5 metro entre elas. As portas de vidro das laterais do templo foram retiradas, para melhor circulação do ar.
Ao fim da missa, os fiéis sairão pela lateral do santuário, terão acesso à santa brevemente e em seguida deverão sair pelo portão G. Os portões E e F estarão fechados. Já os portões C e D servirão de entrada para fiéis que desejem apenas ter acesso à imagem da Imaculada. Para esses, a saída também será pelo portão G. No entorno da santa, marcas no chão determinam o distanciamento dos fiéis. Cada portão de entrada terá um segurança e dois casais de voluntários, que medirão a temperatura e farão higienização de mãos com álcool em gel.
As mudanças também valem para quem quiser acender velas. O velário está isolado. Voluntários receberão as velas, que serão higienizadas. Pias para a lavagens de mãos foram instaladas em todo o entorno do santuário. E não custa lembrar: se puder, fique em casa.