DOENÇA

Síndrome de Haff: Comerciantes e pescadores preocupados com as vendas dos peixes

Uma veterinária faleceu com a suspeita de ter contraído a doença da urina preta, causada após consumir um peixe contaminado

Cadastrado por

Rute Arruda

Publicado em 03/03/2021 às 17:49 | Atualizado em 03/03/2021 às 19:47
Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes, na Região Metropolitana do Recife (RMR), recomendou a suspensão do comércio do peixe arabaiana no município. - JAILTON JR./JC IMAGEM

A morte da veterinária Pryscila Andrade, de 31 anos, levantou um alerta a respeito do consumo do peixe da espécie arabaiana. Pryscila faleceu nessa terça-feira (2) com a suspeita de ter contraído a Síndrome de Haff, conhecida como doença da urina preta, que é causada após ingerir um animal contaminado. Além do medo dos consumidores, comerciantes estão preocupados com a queda das vendas.

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Em Jaboatão dos Guararapes, na Região Metropolitana do Recife (RMR), a venda do peixe arabaiana foi suspensa pela prefeitura. A decisão foi tomada em conjunto a Vigilância Sanitária e outros órgãos e é válida até o fim do período da Semana Santa, em abril.

No Recife, a venda não foi suspensa, mas os pescadores e comerciantes já sentiram no bolso o prejuízo. O presidente da Associação dos Pescadores de Brasília Teimosa, Wilson Fernandes, afirmou que as vendas pioraram bastante. "A suspeita é de um peixe só, mas isso implica em outros. As pessoas ficam com medo. Os pescadores que pegaram o arabaiana não jogaram foram, mas também não venderam. Eles consumiram em casa", relatou.

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Esse medo relatado por Wilson é bem real na casa de dona Aldeci Pereira. A idosa, com seus quase 74 anos, tinha recebido recomendações médicas de não comer carne, e, por conta disso, o peixe havia se tornado sua primeira opção no cardápio. Após a morte da veterinária Priscyla Andrade, com suspeita da Síndrome de Haff depois de ingerir o peixe arabaiana, dona Aldeci não quer ver ou comer os pescados. 

"Eu adoro peixe, mas estou com medo de comer e morrer, né. Eu gosto muito de Corvina, mas não estou comendo mais. Agora só como galinha ou charque", revelou.

Situação semelhante a de Miriam Ferreira, de 53 anos. A dona de casa, que sempre amou comer peixe, relatou em conversa com a reportagem do JC que está com medo. "Eu amo peixe mas agora não estou querendo comer mais. Depois desse negócio que a gente viu, a gente fica com medo. Vou deixar de comer peixe por um tempo". 

De acordo com comerciantes, a venda de peixes no Mercado de São José, no centro do Recife, estão pelo menos 70% menores, mesmo com a Semana Santa se aproximando. A situação já tem pesado no bolso dos que vivem da comercialização dos pescados.

"Depois que surgiu essa doença [Síndrome de Haff] a gente nem sabe o que vai acontecer na Quaresma deste ano, mesmo faltando menos de um mês", contou o vendedor Felipe Sales.

Veterinária morre com suspeita de Síndrome da Haff

A veterinária Pryscila Andrade, de 31 anos, e a empresária Flávia Andrade, 36, deram entrada em um hospital particular do Recife após comerem um peixe do tipo Arabaiana. Flávia recebeu alta no dia 24 de fevereiro, mas a irmã permaneceu internada. Pryscila permaneceu 12 dias internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), mas não resistiu. A informação do falecimento foi confirmada pela mãe da vítima, Betânia Andrade, nessa terça-feira (2).

Em entrevista à TV Jornal, Flávia falou sobre os primeiros sintomas da doença após a ingestão do peixe comprado no bairro do Pina, na Zona Sul do Recife. "Teve um primeiro consumo na minha casa, do peixe, e eu tive muita dor abdominal, dor torácica, dor no estômago. Já no segundo consumo, meu filho também comeu, e minha irmã. Meu filho consumiu uma quantidade muito pequena, graças a Deus", afirmou.

Flávia explica que a irmã apresentou mais sintomas. "Como ela estava paralisada, fizeram vários exames nela na hora e ela já foi pra UTI naquele mesmo instante", conta. Ainda segundo ela, foi no momento em que precisou socorrer a irmã que sentiu os sintomas aparecerem com mais força e chegou a pensar que fosse uma crise de estresse. "No ato do socorro da minha irmã, após quatro horas, mais ou menos, da ingestão do peixe, eu fiquei travada da nuca para o quadril. Eu conseguia mexer apenas pernas e braços, pensei que era estresse, ou dor muscular, fui atendida por um ortopedista e ela ficou sendo socorrida", conta.

Apenas no dia seguinte, após realizar exame, foi constatada a presença da toxina em seu organismo. "No outro dia, quando eu fui conversar com o médico foi que ele explicou o consumo da arabaiana. Ele passou o meu exame na mesma hora e foi constatado que eu estava com a mesma toxina", diz.

Quanto à coloração da urina, Flávia revelou que apenas a de sua irmã teve alterações. A dela, no entanto, permaneceu normal. "A urina dela [da irmã] ficou preta na mesma hora no hospital, já a minha não", completou.

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O que é a Síndrome de Haff

A síndrome acontece de forma repentina e é caracterizada pela ruptura das células musculares, o que leva ao aparecimento de alguns sinais e sintomas como:

A enfermidade é causada, segundo os médicos, pela contaminação com uma toxina que se desenvolve em peixes que não são bem armazenados em temperaturas adequadas. A substância não altera o sabor e nem a aparência do alimento.

“O que chama atenção? O peixe não foi armazenado de forma adequada nem tratado de forma adequada. Aí ele vai produzir uma toxina. Você come o peixe, não nota que tem essa toxina, o gosto não tem alteração, mas, poucos dias depois, você começa a ter a dor muscular intensa e a urina ficando preta, devendo procurar de imediato uma unidade hospitalar, quando isso acontecer”, analisou o médico infectologista Filipe Prohaska, em entrevista à TV Jornal.

O especialista explica que, para evitar este tipo de contaminação, é necessário estar atento ao local onde se compra o peixe. “Muito cuidado em checar como aquele peixe chegou ali e como ele está sendo armazenado no momento da venda. O mais importante é comprar em lugares onde você tenha garantia da segurança”, explicou Filipe Prohaska.

O médico detalhou que o ideal é que o peixe seja transportado e armazenado em temperaturas entre -2º e 8ºC, e que, caso o produto seja adquirido na feira, é necessário identificar se o peixe está sendo mantido no gelo (para preservar a temperatura ideal).

Apesar das duas irmãs terem comido o peixe do tipo Arabaiana, outras espécies já estão relacionadas com casos descritos de Síndrome de Haff. É o caso do Tambaqui. Na Bahia, a doença já foi relacionada com o consumo do Badejo (Mycteroperca) e, no Amazonas, com o consumo do Pacu Manteiga (Mylossoma).

Após a notificação dos possíveis casos no Recife, a SES-PE orientou sobre a investigação epidemiológica de todos aqueles que consumiram o alimento, assim como a coleta do referido insumo para encaminhamento ao Laboratório Central de Saúde Pública de Pernambuco (Lacen-PE) para que sejam providenciadas as análises laboratoriais.

Em Pernambuco, entre 2017 e 2021, foram registrados 15 casos de Haff, sendo 10 confirmados por critério clínico epidemiológico (4 em 2017 e 6 em 2020) e 5 (de 2021) ainda em investigação. A Secretaria de Saúde salienta que, por meio da Rede de Centros de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde (Rede Cievs), acompanha e mantém toda rede de serviços de atenção e vigilância do Estado alerta para a notificação de casos suspeitos da doença.

 

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