Quem andar com atenção pelos 6,18 quilômetros da Avenida Caxangá vai se deparar com todo tipo de problema. Desde a Rua Benfica até a Avenida Doutor Belmiro Correia, final da via, são observadas limitação na mobilidade, carência de acessibilidade e falta de manutenção de equipamentos. Tudo isso na principal passagem da Zona Oeste do Recife, que corta seis bairros, é percurso de 13 linhas de ônibus que e faz parte do projeto do Corredor Leste-Oeste.
Em alguns pontos, comércios irregulares tomam conta das calçadas da avenida sem qualquer tipo de ordenamento aparente. Também há sacos de lixo e metralha espalhados em vários lugares de sua extensão. Apesar de contar com muitas árvores em alguns trechos, carece em outros.
Muitas das faixas de pedestres estão apagadas, assim como a ciclofaixa que vem da Rua Nossa Senhora da Saúde, no Cordeiro. A falta de equipamentos que garantam a segurança dos ciclistas é, aliás, um dos pontos mais críticos do trânsito da área. O comerciante Reginaldo Lima Silva, de 67 anos, que diga. Sem espaço reservado na via, ele é obrigado a andar na contramão da Caxangá do ponto onde tem uma barraca para venda de camisetas até em casa.
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“Moro na Brasilit e venho para cá todo dia de bicicleta, onde trago todo meu material. Não tem ciclofaixa, então venho no cantinho da pista, devagarzinho, prestando atenção. Para voltar tenho que ir pela contramão, todo errado, mas é a única opção. Uma faixa exclusiva para bicicleta ia facilitar, seria ótimo”, afirmou.
Dados da Prefeitura do Recife demonstram que 51 dos 1.318 sinistros de trânsito registrados na cidade até julho de 2021 aconteceram na Caxangá, ficando atrás apenas da Avenida Engenheiro Agamenon Magalhães (80) e Avenida Norte (63). Para o coordenador-geral da Ameciclo, Daniel Valença, a quantidade de colisões seria reduzida também com a implantação de uma ciclovia na avenida. A associação estima que quase 4 mil ciclistas a percorrem diariamente.
"O critério de se colocar uma ciclovia deve ser a proteção das pessoas e a Caxangá se encaixa como uma via muito perigosa para pedalar, como também para caminhar ou dirigir, por causa de sua alta velocidade e alto fluxo de veículos motorizados. É urgente a colocação de estruturas cicloviárias na principais avenidas, e a Caxangá é uma delas", defendeu.
Na altura do Caxangá Golf Club o asfalto está renovado, e a pintura das linhas de trânsito tracejadas recentemente refeita. As calçadas, no entanto, não têm qualquer revestimento: são de areia batida, o que dificulta a mobilidade. Estas são, inclusive, um dos maiores defeitos da via. Mesmo onde estão asfaltadas, são irregulares e não têm rampas de acessibilidade.
E, claro, as grandes vítimas dos buracos e desnivelamento delas são as pessoas com deficiência e quem precisa acompanhá-las. Gente como a dona de casa Rita Paula, de 35 anos, que desviava a cadeira de rodas da neta dos obstáculos dos passeios da Caxangá para levá-la até a fisioterapia quando a reportagem do JC a viu.
"Toda quarta-feira ela vem fazer o tratamento, e só andamos nessa avenida. Tem uns pedaços bons e outros muito ruins, é muito difícil. Onde o acesso está ruim, vou puxando e arrastando a cadeira. Pelo menos deviam prestar mais atenção nas calçadas, porque tem muitos cadeirantes por aí que precisam dessa acessibilidade. Ela tem a mim, mas e quem não tem? Tem que estar pedindo ajuda a um e a outro", expôs Rita.
O problema das calçadas passa pela legislação, já que são de responsabilidade do proprietário do imóvel exceto em áreas públicas como frentes d'água, canteiros centrais, praças e parques, que são responsabilidade da gestão municipal. Para esses casos, a Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife (Emlurb) esclareceu estar executando o projeto Calçada Legal, lançado em 2017.
Após questionamento do JC, a mesma autarquia informou que vai realizar uma vistoria na Praça Estevão de Sá, na Rua Caxangá Ágape, na próxima semana "para programar os serviços de reparos e as ações de limpeza e capinação". De tão abandonada, o equipamento não tinha um só pé de gente na manhã da última quarta-feira (22). O mato alto indicava que há tempos não era cortado, os bancos estavam quebrados, lixeiras quebradas estavam caídas no chão e o lixo completava a paisagem.
Embaixo do viaduto da BR-101, o retrato da desigualdade social, com diversas pessoas em situação de rua usando o local como abrigo, que virou ponto de uso e venda de drogas. “O problema aqui é social, com essas pessoas que vivem debaixo do viaduto. Acho que a assistência social deveria dar um apoio melhor a elas. Não é trazer alimento, mas cuidar, dar documentação, porque eles são carentes e estão nessa situação por causa das drogas”, afirmou André Carneiro, o “Del”, de 50 anos, que há 2 trabalha em um fiteiro no ponto.
Sobre isso, a Secretaria de Desenvolvimento Social, Direitos Humanos, Juventude e Políticas sobre Drogas do Recife informou que o Serviço Especializado em Abordagem Social de Rua (Seas) atua de forma itinerante entre os lugares onde há maior incidência de pessoas em situação de rua, inclusive na área da Avenida Caxangá, com escuta ativa, acolhimento institucional, aluguel social e outros serviços da rede de proteção e garantia de direitos.
Nesta região, o comerciante também reclama de alagamentos constantes nos períodos de chuva. “No verão os problemas se escondem, mas no inverno a água chega a um metro. Já apareceu até jacaré por aqui. No inverno dá queda de movimento, porque a chuva leva até a barraca”, disse Del.
Elevado: um grande elefante branco
E não dá para falar sobre a Avenida Caxangá sem citar o que é considerada uma das obras mais desnecessárias da cidade: o viaduto do Bom Pastor, no bairro de Engenho do Meio. O elevado - exclusivo para a passagem de ônibus e orçado em R$ 16,3 milhões em 2012 - vai desde a altura da Rua São Mateus e desemboca na transversal com a Rua Agripino Lacerda, começando e terminando na mesma via.
À época da construção, o Governo do Estado, responsável pelas obras, prometeu que seria feita também uma estação elevada em cima do viaduto, e que os passageiros, ao desembarcarem, usariam uma escada rolante para chegar até o nível da pista, no canteiro central - o que nunca foi concluído.
"No meu entender aquilo foi desperdício de dinheiro público. Ali, resolveríamos com sinalização e priorização do transporte público, sem precisar de viaduto. Ele ainda atrapalha na visualização, em questão de impacto visual da avenida”, considera o doutor em transporte e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Oswaldo Lima Neto.
Atualmente, seis linhas de BRT trafegam na avenida (TI Caxangá, TI CDU, TI CDU/TI Joana Bezerra, TI Getúlio Vargas, TI Camaragibe e TI Camaragibe/Derby), que, ao todo, transportam 32 mil usuários por dia - sem necessariamente passar pela Caxangá. Outras sete linhas convencionais (TI Tancredo, Neves/TI Macaxeira, CDU/Caxangá/Boa Viagem, TI TIP/Caxangá, Curado II/Caxangá, Casa Amarela/CDU, CDU/Boa Viagem/Caxangá e TI Rio Doce/CDU) passam pela via, que juntas têm 26.300 usuários diários, segundo o Grande Recife Consórcio de Transporte.
Oswaldo pontua como equivocada a decisão de ter retirado a maior parte das paradas de ônibus convencionais do lado direito da via para situá-las no centro. "Isso, ao meu ver, foi um erro; porque a avenida tem espaço suficiente para deixar as outras paradas de ônibus comuns, além das do BRT. Quando você deixa os comuns circularem pelas faixas de trânsito, o aumento do tráfego provoca congestionamento e atraso nos ônibus, fazendo com quem os usa sofra".
Mesmo com todas as dificuldades apontadas na Avenida Caxangá, sua importância para a capital pernambucana é indiscutível. Desde que foi criada, passou por mutas transformações, tanto estruturais, quanto vocacionais, atraindo comerciantes, moradores e empresas. Sobre essa dinâmica, acesse a reportagem vinculada "As vidas, comércio e habitação cultivados em volta da Avenida Caxangá, coração da Zona Oeste do Recife".