POBREZA

Com crescimento das favelas, Pernambuco reforça presença do Nordeste no mapa da fome

Até 2019, o Recife figurava como a sétima cidade do País com maior número de moradias em favelas

Cadastrado por

JC

Publicado em 17/10/2021 às 6:00 | Atualizado em 17/10/2021 às 12:21
As ruas d Recife e comunidades de seu entorno estão tomadas pela fome, miséria e pobreza com o aumento da crise econômica e social, no Brasil. - BOBBY FABISAK/JC IMAGEM

De 2010 a 2019 muito mudou, e não foi para melhor. Parte da população viu o avanço do tempo significar piora. No Brasil, nos últimos nove anos, o total de favelas saltou de 6.329, em 323 municípios, para 13.151, em 734 cidades espalhadas pelo País. O retrato da pobreza, quando não miséria, também foi focalizado em Pernambuco, onde o número de aglomerados subnormais, ou seja, moradias em favelas e palafitas, cresceu 27,7% no mesmo período. A condição degradante de habitação é um indicador da sub-condição de vida, levada ao limite com a escassez de emprego, falta de renda e comida. No Nordeste, a fome já é uma constante na mesa de mais de 7,6 milhões de habitantes. 

Não dá para dissociar uma coisa da outra, assim como não assimilar a essa conta a situação econômica do País, que se arrasta desde 2014 em crise, agravada agora com a pandemia da covid-19. A população que já convivia com menos emprego e renda, agora também é atingida pela alta inflação. Fatores que só degradam a condição de vida dos brasileiros, não sendo diferente aos pernambucanos. 

"Aqui é uma vida de miséria. Eu to numa situação ruim. Quando tem alguma coisa para dar aos meninos de comer, tem. Quando não tem, eu vou para a cidade (fora da comunidade) pedir. Tenho nove filhos, moram cinco comigo. O bom é que quando tem aula eles comem na escola, mas quando não tem, como no feriado... Dia das Crianças, queriam brinquedo, mas para dar a um tem de dar a tudinho, mas não tem condições. O importante é a comida", conta Vera Lúcia Ferreira da Silva, 42, moradora da comunidade Roque Santeiro, no bairro dos Coelhos, área central do Recife. 

 

As ruas do Centro do Recife estão tomadas pela miséria, fome e moradores de rua, com ao agravamento da crise econômica e social, no Brasil. - BOBBY FABISAK/JC IMAGEM

A única renda na palafita que abriga os filhos e ela vem do pagamento de Bolsa Família e do auxílio-moradia. Somados, os valores não ultrapassam R$ 400. No Recife, o benefício médio repassado pelo Bolsa Família representou R$ 30,93 por família no último mês de setembro, segundo dados do Ministério da Cidadania, atingindo 105.172 núcleos familiares, cuja a sobrevivência muitas vezes depende dessa quantia. 

"Eu vou me virando. Saio para pegar sopa e quentinha que as pessoas dão. Se não fosse esses benefícios, eu nem sei o que faria. Comida nem dá para comprar, porque está tudo caro no Brasil. Hoje em dia o pobre não pode comer nem um pedaço de carne", lamenta Vera Lúcia, que vive numa palafita, na favela, desde antes de 2015. 

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Para ela, a precariedade não é bem uma novidade. Mas a percepção é de que a cada dia está mais difícil.  Ao longo dos últimos anos, a realidade passou a ser a mesma para outras milhares de pessoas. Nos dados do Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Pernambuco saiu de 256.088 (2010) domicílios ocupados em aglomerados subnormais para 327.090 (2019) - crescimento de 27,7%. No País, o avanço foi de 59,3%. Já foram 3,2 milhões. Agora já chegam a 5,1 milhões. 

Até 2019, o Recife figurava como a sétima cidade do País com maior número de moradias em favelas (103.701). O segundo maior número dentre as capitais do Nordeste, com 19,5% do total de domicílios nessa condição. Jaboatão dos Guararapes, na Região Metropolitana, completa o ranking dos 10 maiores índices nacionais (84.091). Em Pernambuco, os domicílios em aglomerados subnormais representavam 10,5% do total de domicílios.

"O nosso País passa uma grande crise sanitária e econômica que está atingindo principalmente o povo pobre e trabalhador. Com Pernambuco, essa realidade não é diferente. As pessoas estão sofrendo com a fome, com a miséria, com o desemprego, e com os despejos. São pessoas que não têm como pagar aluguel e não têm uma moradia digna, criando um verdadeiro tormento para todas as pessoas atingidas”, explica o coordenador do Movimento de Luta nos Bairros e Favelas (MLB), Kléber Santos.

As ruas do Centro do Recife estão tomadas pela miséria, fome e moradores de rua, com ao agravamento da crise econômica e social, no Brasil. - BOBBY FABISAK/JC IMAGEM

Agravamento pandêmico

A situação que já era ruim, ganhou contornos ainda mais dramáticos com a pandemia da covid-19. Desde março de 2020, o mundo perde o controle dos processos de produção e a economia descarrilhou.  A pandemia afetou negativamente as condições de renda e trabalho da população em todas as regiões do País.

Entretanto, nas regiões Norte e Nordeste foram observados os maiores percentuais de perda de emprego, redução dos rendimentos familiares, endividamento e corte nas despesas de itens considerados essenciais: todas essas condições referidas como consequência da pandemia, segundo os dados compilados pelo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da covid-19 no Brasil, da Vigisan. 

No Nordeste está o segundo maior percentual de famílias que vivem com 1/4 de salário mínimo per capita (24,2%), atrás apenas da Região Norte (25%). A média do País é de 14%. No Nordeste, 84,4% dos domicílios tinham até 4 moradores. 

As ruas do Centro do Recife estão tomadas pela miséria, fome e moradores de rua, com ao agravamento da crise econômica e social, no Brasil. - BOBBY FABISAK/JC IMAGEM

Aos 50 anos, deficiente físico, Eduardo da Silva, espera um auxílio-moradia enquanto vive na rua Siqueira Campos, no bairro de Santo Antônio, no Centro do Recife. O lar dele é uma pedaço de lona que faz cobertura a um amontoado de papelões dispersos pelo chão. No último ano, o dinheiro para sobreviver veio do auxílio emergencial pago pelo governo federal, R$ 600 mensais. "A gente vive de espera. Eu espero a vontade de Deus e alguém que olhe minha situação. Queria voltar minha vida como era", desabafa ele.

Com a redução nos valores pagos neste ano (ficando entre R$150 e R$375), e o acumulado da inflação, que no ano já chega aos 10%, o poder de compra diminuiu consideravelmente para quem recebe o auxílio emergencial. O benefício atendeu só em 2020 21.932.710 nordestinos, 38,03% da população da região. Só em Pernambuco foram 3.651.375 pessoas, o equivalente a 37,74% dos pernambucanos. Em 2021, as famílias conseguiram comprar apenas o equivalente a 23% de uma cesta básica completa de itens essenciais para a alimentação familiar.

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Região com o maior percentual da população atendida pelo programa, o Nordeste, por consequência ou não, é a região que concentra também o maior número de pessoas em Insegurança Alimentar Grave (passando fome).

As ruas do Centro do Recife estão tomadas pela miséria, fome e moradores de rua, com ao agravamento da crise econômica e social, no Brasil. - BOBBY FABISAK/JC IMAGEM

Do total de 55.830.694 moradores de domicílios na região, 7.684.981 vivem essa situação. A maior parte (22.944.801) concentra-se na insegurança alimentar leve (quando há preocupação ou incerteza quanto o acesso aos alimentos no futuro ou a qualidade dos alimentos é comprometida para garantir o abastecimento), revelam os dados da Vigisan.

Manter comida no prato talvez tenha sido o desafio mais árduo a quem ainda segue em busca de trabalho, dinheiro, moradia e todas as demais condições básicas para manter a dignidade. Do total de 211,7 milhões de pessoas no País, 116,8 milhões conviviam com algum grau de Insegurança Alimentar. O mais grave é que 19 milhões delas precisam enfrentar ou simplesmente conviver com a fome.

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