Dia e noite, Fausta Cabral, 33 anos, e Robson Cláudio, 41, companheiros há mais de duas décadas e pais de quatro meninas, têm a Rua do Imperador, no Centro do Recife, como ponto de sobrevivência. Mesmo tendo uma casa para morar, é lá onde a família espera doações durante todo ano - mas principalmente nos últimos meses, quando a onda de solidariedade sempre atinge a população com mais força, segundo percepção deles e de outras pessoas em situação de vulnerabilidade social entrevistadas pelo JC. E mesmo nesse contexto, cidades da Região Metropolitana seguem com auxílios insuficientes para esta população.
Com a pandemia da covid-19, o cenário piorou. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que em março de 2020 havia 221 mil pessoas em situação de rua no Brasil. Na Câmara dos Deputados, em outubro deste ano, o coordenador do Núcleo de População em Situação de Rua da Fiocruz, Marcelo Pedra Machado cobrou a atualização do censo - deficitário na maior parte do país - ao defender que não só o número de pessoas sem-teto aumentou, como o perfil foi alterado, destacando que, no Rio de Janeiro, levantamento apontou que 31% dessas pessoas estão na rua há menos de um ano.
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Resolução do último ano do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos apontava que municípios com mais de 100 mil habitantes - o caso de todos citados nesta matéria, devem criar serviços específicos de assistência social para atender as pessoas nas ruas. Estes, ainda, precisam contemplar a prevenção à situação de rua e o combate à discriminação e violência contra a população, levando em consideração as causas e consequências que envolvem o fenômeno da situação de rua, como a pobreza extrema, perda da capacidade de subsidiar uma moradia, fragilidade de vínculos e demais violação de direitos.
No Recife, o último dado sobre esta população foi de 2019, e apontava que havia 1.400 moradores de rua na cidade. “Saí de casa com 16 anos e vim para a rua. Criei meus filhos aqui no Imperador. Dormi aqui durante anos, em um barraco, mas consegui um auxílio-moradia da prefeitura e consegui alugar uma casa. Na pandemia aumentou o número de gente passando necessidade. As comunidades vinham ajudar uma vez perdida, mas agora as doações melhoraram de novo, principalmente à noite, com comida, roupa, lençol e kit higiene”, disse Fausta.
A Prefeitura do Recife iniciou um levantamento preliminar de campo para subsidiar projetos a serem executados, como "parte inicial de uma pesquisa estruturada que será realizada por uma instituição capacitada". Enquanto isso, já conta com dois Centros de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro POP), em Santo Amaro e na Madalena, e 15 unidades de acolhimento, incluindo o Abrigo Emergencial, que acolhe famílias que ficaram sem moradia devido a alguma situação de calamidade pública. Atualmente, a rede de acolhimento conta com 459 vagas. Os dois restaurantes populares oferecem 1.700 refeições por dia.
Em Olinda, são cadastradas 318 pessoas em situação de rua pela Prefeitura, que dispõe de um “Serviço de Acolhimento Institucional” para este público com 20 vagas, além de centros de assistência social. A cidade não conta com restaurante popular. Em agosto, foi inaugurado o Espaço de Acolhimento Institucional Emergencial, que contava com dormitórios, lavanderia, além de banheiros e chuveiros.
A casa com capacidade para 40 pessoas, no entanto, foi fechada três meses depois - um fato lamentado por quem teve o básico assegurado enquanto ela funcionava, e que não terá onde passar o Natal e Ano Novo em segurança. “Aqui não tem restaurante, não tem abrigo, mesmo tendo muito morador de rua. Aqui em frente tinha um abrigo, mas fechou porque era só temporário. Era muito bom para a gente. A gente tomava banho, comia, eu chega estava gordinho. Não estava usando drogas, porque nas ruas a gente fica mais vulnerável”, contou André Luiz, de 21 anos, que vive no Sítio Histórico.
Por nota, a Prefeitura de Olinda informou que “há uma proposta para a retomada dele, de forma fixa, ofertando refeições e espaço para higienização”, mas ainda sem previsão de início ou mais detalhes. No mais, disse realizar rondas diárias prestando serviços de saúde e cuidados pessoais e inscrições em programas sociais. Com o Consultório de rua, afirmou percorrer “diariamente a cidade com equipe formada por enfermeiro, assistente social, psicólogo, coordenador e agentes sociais”, e periodicamente “serviços como corte de cabelo e cuidados com a saúde”.
Já a Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes respondeu que por não ter dados sobre o aumento da população de rua no final do ano, mantém a mesma programação do resto dos meses. No município há o Centro Pop Guararapes, que oferece a 20 usuários de segunda a sexta, das 8h às 16h, acesso à alimentação, espaço para higiene pessoal, encaminhamento para outras políticas públicas, fortalecimento da autonomia, protagonismo e participação social, guarda de pertences, lavanderia e regularização de documentos pessoais.
Só no Centro Pop, foram registradas 930 pessoas em situação de rua. A expressão da deficiência em atender a todos está no casal Kharol Batista, 34, e José Arimateia, 42, que sequer sabiam da existência do espaço mesmo estando há meses debaixo de um viaduto em Jaboatão. “A gente ficava em Recife, mas viemos para cá porque lá é muito mais violento. Só que aqui não chega tanta doação. De vez em quando passam as comunidades. Quando não, vamos juntando para tentar comprar. Mas nunca vi ninguém da prefeitura passar por aqui ou dar um apoio, nem restaurante, nem abrigo. Se tivesse, ia nos ajudar muito”, contou Robson.