Aos pés de Nossa Senhora da Conceição, muitas lágrimas. A conversa aos cochichos com a imagem da Virgem Maria no alto do Morro é a forma de depositar toda a saudade dos amores levados entre as 615 mil vítimas da covid-19, e o desespero do viver sem uma perspectiva do amanhã no País dos 13,5 milhões de desempregados. A fé incondicional leva a quem crê seguir celebrando a memória e os feitos da santa na “Festa do Morro 2021” mesmo em meio a uma crise econômica sem precedentes no Brasil. Mas a aura do bairro na Zona Norte do Recife mudou. A comemoração deu lugar aos pedidos - por si mesmo e pelo próximo - de uma massa sofrida que escolhe manter a esperança de que novos tempos hão de vir.
Prostrada, toda uma família vestida com batas azuis - a cor da Virgem - agradecia a dádiva da vida mesmo em meio ao que talvez seja o tempo mais difícil que já passaram. Desempregada, a dona de casa Ilca Mendes, 43, veio de São Lourenço da Mata, na Região Metropolitana do Recife, pedir que a Virgem abra portas de emprego, para ela e para aqueles que "sentem fome". "Meus vizinhos passaram muita dificuldade, tiveram que viver de ajuda. Agora que as coisas estão melhorando. Espero que esse vírus seja soprado para bem longe, para que tantas famílias não sofram mais. Eu perdi uma avó e uma tinha por conta da covid-19. Tenho muita fé que isso tudo vai mudar e que muita gente vai ser feliz", torceu.
Desde que a Festa começou, no último domingo (28), o padre Pedro Luís dos Santos, reitor e Pároco do Santuário Nossa Senhora da Conceição, benze carteiras de trabalho e consola centenas de enlutados. “Normalmente as pessoas vinham muito para agradecer algo relacionado a emprego, ou a saúde, ou por terem conseguido ter filhos. Hoje o que marca é a saudade de um ente querido que vinha junto à festa. A gente escuta pessoas chorosas sentindo a falta da esposa, de um esposo, um filho, uma nora… que hoje não estão mais aqui. Essa lembrança triste foi acrescentada aos pedidos tradicionais. Há também o apelo do pedido de emprego, porque a gente vive em uma situação social muito difícil”, contou.
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Uma das que tiveram o emprego afetado pela pandemia foi a professora Edna Tavares, de 33 anos, que está sem trabalhar desde 2020. "Como engravidei no meio da pandemia, me afastaram, e o contrato foi quebrado. Por enquanto, estamos nos virando. Estou dando aula de reforço e vendendo picolé, porque moro sozinha com o meu filho", contou. Bernardo, o pequeno de um ano e sete meses que estava nos braços, foi um "milagre de Nossa Senhora", como contou a mãe. Edna precisou passar por três diferentes hospitais para parir, e teve paradas cardiorrespiratórias por uma bactéria que adquiriu e que a fez perder o primeiro filho. Durante as 18h de trabalho de parto, intercedia à Santa, que atendeu seu pedido e o faz ter saúde.
O luto foi o motivo que fez os olhos de Edvaldo da Silva, de 72 anos, enchessem de lágrimas ao ser perguntado sobre sua devoção à Nossa Senhora, em uma mistura de agradecimento por estar vivo após ter sido infectado pela doença e pela perda de familiares que não tiveram o mesmo desfecho. Enquanto pedia para que um clérigo benzesse sua garrafa de água em frente à imagem da Santa, respondia: “Passei por essa doença esse ano pedindo muito a ela. Fui até hospitalizado, mas nunca tive medo porque estava junto dela. Graças a Deus, me recuperei, mas perdi três parentes para a covid”, disse o aposentado, que sobe o morro há 10 anos e transmitiu a fé para os dois filhos, que vão junto.
Já a autônoma Kátia Maria de Souza, 42, não é devota, mas a fé a acompanha - precisa acompanhar. Trabalhando desde os 18 anos na Festa do Morro junto à mãe, torce para conseguir revender todos as imagens e itens de Nossa Senhora que comprou, já que as vendas nunca estiveram tão fracas. “Desde os 9 anos trabalho aqui. Nos últimos anos eu já teria faturado 1 ou 2 mil reais a essa altura. Só tirei R$ 450, hoje foi melhorzinho. Tenho que prestar contas de R$ 3,5 mil. A quantidade de fiéis está diminuindo a cada ano, e tem muito mais gente que vem aqui trabalhar. Fico preocupada, mas se Deus quiser Jesus vai ajudar a gente”, afirmou.
O movimento, apesar de ainda não ser o que era antes da pandemia, segundo fiéis, clérigos e comerciantes com quem a reportagem conversou, melhorou em relação à festa de 2020, que mesmo sem procissões e romarias atraiu cerca de 500 mil pessoas. Mesmo assim, o desespero de ambulantes é grande: uma multidão deles disputa os clientes. Para sorte dos comerciantes, este ano a expectativa de público dobrou: o Santuário espera a chegada de 1 milhão de pessoas, já que, pelo avanço da vacinação contra a doença, liberou inclusive carreatas. Até terça-feira (7), acontecem Santas Missas às 6h, 8h, 12h e 16h; novenas às 10h e 14h; Momento Mariano às 18h e Novena Solene às 19h30.
Já no dia 8 de dezembro, feriado no Recife, haverá Santa Missa fora do Santuário, na Praça do Morro, às 0h, 2h, 4h, 6h, 8h, 10h, 12h e 14h; Santa Missa dentro do Santuário à 1h, 3h, 5h, 7h, 9h, 11h, 13h e 15h, carreata de encerramento com concentração às 15h no estacionamento da Prefeitura do Recife, e saída às 16h indo pela Ponte do Limoeiro, Av. Norte e Largo Dom Luiz. E atenção: apenas o carro andor sobe o Morro através da Rua Itacoatiara, já que será proibida a entrada de veículos. A chegada está marcada para às 19h30, quando terá início a Solene Celebração de Encerramento da 117ª Festa de N. Sra. da Conceição do Morro.
Toda essa mobilização conta também com a força de 840 voluntários movidos pela paixão à Santa. Gente como a dona de casa Lourdes Souza, 69, que há 30 anos serve no Santuário, e que confessa, ao mesmo tempo em que consola os desesperados: "nem todas as graças pedidas são imediatamente atendidas, mas é preciso esperar no “kairós. O tempo de Deus”. “Não podemos nos desesperar porque não aconteceu agora. Pode ser agora, amanhã, depois… ou daqui a um ano. Nossa Senhora é intercessora. Acredito que tudo vem no tempo dela.” Então, que rogue por todos nós, Virgem Maria.