Com cerca de 660 espalhadas pelos quatro cantos, Recife é conhecida como uma “cidade de praças”. Esses equipamentos, além de promoverem a prática de esportes e lazer, são essenciais nas áreas urbanas por colaborarem para o espírito de comunidade nos bairros, aproximar os moradores e proporcionar atividades conjuntas e a sensação de bem-estar. Mas com a pandemia da covid-19 e aumento da insegurança na capital pernambucana, nos últimos tempos grande parte desses espaços têm sido esvaziados. E, numa relação de causa e consequência mútua, com a diminuição das pessoas nelas, aumentam a depredação, o descuido e a falta de cobrança ao poder público por manutenção.
A reportagem do JC visitou algumas praças da capital pernambucana. Há alguns problemas em comum, como o descuido com os jardins, que estão com vegetações secas, além de pichações, bancos quebrados e a falta de equipamentos de ginástica. Na principal na Zona Sul, a de Boa Viagem, por exemplo, um forte ponto de comércio, a principal queixa dos vendedores é a falta de um banheiro público - que deverá ser entregue junto a novos boxes de artesanato, iluminação e piso em revitalização prometida para 2022.
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A Praça Maciel Pinheiro, no bairro da Boa Vista, Centro, escancara as chagas socioeconômicas que o Brasil vêm enfrentando. Por todos os lados, há roupas estendidas, cujos donos são pessoas em situação de rua que utilizam a praça como ponto de dormida, e lixo pelo chão, além de bancos quebrados. “Essa praça aqui já foi muito movimentada e bem frequentada. Os estudantes das escolas vinham muito. Antigamente, havia um hotel de luxo bem na frente, onde ficavam hospedadas as pessoas famosas. Agora a conservação está precária”, contou o aposentado Dermevaldo Cavalcanti, de 74 anos.
Na da República, em Santo Antônio, o problema já é outro. Apesar de bem conservada, não é frequentada - e perde a principal função de socialização. É difícil encontrar um portão aberto mesmo nos dias em que não há protesto no Palácio do Campo das Princesas. E, por isso, também achar pessoas utilizando-a. Um dos únicos no local no dia da visita do JC, o comerciante Gervânio da Silva, 49, disse sempre ir ao espaço no horário de almoço do trabalho contemplar as ruas ao redor. “Gosto de vir aqui porque tem muita sombra e é tranquila. Vejo sempre viaturas passando. Mas quando tem protesto eles fecham tudo e precisamos sair”, afirmou.
Por estar situada em um ponto central para passagem de transporte público, a Praça do Derby é bastante utilizada. Mesmo assim, o casal Messias Avelino, 45, e Maria José da Paz, 56, que estavam em um dos bancos, disseram sentir falta dos tempos em que o equipamento era um forte espaço cultural. “Era ótimo quando tinha peixes para a gente ver, shows e apresentações. Hoje está muito parado”, disse Messias. Na da Avenida do Forte, na Zona Oeste da cidade.
Já na Praça do Entroncamento, nas Graças, Zona Norte, usada diariamente por entregadores de aplicativo, os brinquedos estão velhos e precisando de manutenção. “Não gostei muito do espaço. O cheiro de xixi é forte, e tenho uma sensação de insegurança aqui”, disse a dona de casa Almira Ferreira, 46, ao visitar o local com a filha. Embora a praça seja uma das 15 que foram alvo de trabalhos do paisagista Burle Marx em sua passagem pelo Recife, a vegetação também sofre com a falta de cuidados.
“Acho que a pandemia fez isso, as pessoas ficaram mais amedrontadas e recolhidas. A praça é sempre muito vivida aqui na cidade. A pandemia também trouxe mais pessoas sem teto para as praças", analisou a arquiteta, urbanista e professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Ana Rita Sá Carneiro, que defendeu: "as pessoas precisam de espaços para conviver, para ver e ser visto. Precisam de convivência com a natureza. E as praças são um relevante espaço de vitalidade e de sociabilidade”.
Visando recuperar os espaços verdes e melhorar a qualidade de vida da população, a Prefeitura do Recife encabeça há mais de 20 anos o programa “Adote o Verde”. Nele, empresas interessadas cuidam de jardins, canteiros, praças e parques em troca da possibilidade de colocar peças publicitárias nas áreas. Faz parte do programa, por exemplo, uma das praças mais famosas da cidade: a de Casa Forte, no bairro de mesmo nome, na Zona Norte. Mesmo assim, para Ana Rita, o equipamento ainda apresenta um grau de conservação “de regular para ruim”, e isso acontece porque nem só de investimento ou de manutenção se vive uma praça: ela precisa também dos cuidados da própria população.
Por nota, a Prefeitura do Recife, por meio da Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife (Emlurb), afirmou investir cerca de R$ 5 milhões por ano com manutenção e conservação desses espaços, além de R$ 2 milhões para reparos e consertos causados por depredação ao patrimônio público da cidade como um todo. Sobre as praças citadas na reportagem, esclareceu que "mantém equipes fixas e volantes que realizam ações de limpeza e programam a manutenção e os reparos nesses espaços, mas muitas vezes o vandalismo e a poluição dessas áreas são bastante frequentes, depredando e sujando o patrimônio público e causando prejuízos para a população."
Atualmente, estão recebendo melhorias as praças Campo Santo (Santo Amaro); Queira Deus (Tejipió); Quatro de Outubro (Areias); Mano Marlon Lins (Várzea); Áureo Xavier (Cordeiro); praça do Chié (Santo Amaro); Praça Raízes (Cohab); as quadras de Tênis da orla de Boa Viagem e a Pracinha de Boa Viagem, sob a responsabilidade da Secretaria de Turismo e Lazer de Pernambuco.
QUANDO A POPULAÇÃO COMPRA A BRIGA
A vizinhança de San Martin, na Zona Oeste, entendeu essa necessidade há cerca de 4 anos. Quando se viram reféns da violência, os moradores formaram uma associação que transformou quatro espaços verdes da região em equipamentos coloridos e vivos - um deles, um lixão que hoje é uma quadra - por meio de um trabalho conjunto com a gestão municipal. Além dos assaltos terem diminuído consideravelmente, a comunidade agora se conhece pelo nome, e cada um colabora do jeito que pode para manter os espaços públicos em funcionamento com feira orgânica, palestras e festas comemorativas.
“Quando sentamos para decidir o que faríamos, uns diziam para fechar as ruas, colocar câmeras e contratar vigilantes. Mas entendemos que isso não seria suficiente. Descobrimos que os espaços precisavam ser ocupados, e o trabalho tem sido recompensador. Muitas pessoas nos relatam que saíram da depressão por terem se ocupado com a comunidade”, contou a historiadora Adriana Souto, 52, presidente da associação.
Por nota, a Secretaria de Defesa Social de Pernambuco (SES-PE) informou que dados do Sistema Infopol de Pernambuco dão conta de que os registros de crimes de roubo, furto e dano ou depredação em logradouros, praças e parques públicos do Recife, vêm caindo desde 2017, quando foram registrados 32.587 boletins de ocorrência deste tipo de crime. Em 2018, foram 28.113 ocorrências; em 2019, 25.600 registros; e em 2020, 17.800 denúncias. De janeiro a outubro de 2021, as estatísticas criminais registraram 17.369 boletins de ocorrência.
Ainda, a pasta disse que as forças de segurança trabalham para o bem-estar social nos espaços públicos, de lazer e de convivência em todo o estado de Pernambuco com "lançamento de policiamento ostensivo, seja a pé, motorizado ou montado, por meio dos batalhões de áreas ou unidades especializadas da Polícia Militar. Esse trabalho é realizado em conjunto com as guardas municipais, que são responsáveis pelo zelo do patrimônio público, e demais órgãos que operam na prevenção da violência e oferta de atividades de cultura, lazer e esporte."
Um outro caso de um espaço público bastante utilizado pela população é a Praça Tertuliano Feitosa, no Hipódromo. A vizinhança, basicamente formada por casas, dispõe de um equipamento completo: com academia de ginástica, brinquedos infantis e mesas para jogos; e o frequenta durante toda a semana. “A melhor praça da cidade é essa. Dá muita gente, principalmente à noite e nos finais de semana. Vem a criançada brincar, as famílias”, disse a ambulante Terezinha Julia, 60, que trabalha no local.
A socióloga e especialista em segurança pública Edna Jatobá explicou que essa apropriação pelos espaços públicos é essencial para aumentar a circulação e promover a sensação de segurança nas cidades. “Uma coisa alimenta a outra: quanto mais abandono, mais violência, e vice-versa. Isso tem a ver com iluminação, com o cuidado com os espaços públicos e com o recolhimento de lixo. Por isso a necessidade do investimento massivo na recuperação desses espaços. A qualidade de vida é uma questão que o município deveria se preocupar mais em garantir”, afirmou.