CRIME

Caso Beatriz: novo advogado diz que mãe da menina está confusa, mas não dá detalhes sobre assumir a defesa de suspeito: "Extremamente sigiloso"

Diante das câmeras da imprensa, na manhã de hoje, Rafael Nunes reafirmou o conteúdo da carta divulgada ontem, mas foi evasivo aos questionamentos

Cadastrado por

Katarina Moraes, Cássio Oliveira, Lucas Moraes

Publicado em 19/01/2022 às 11:14 | Atualizado em 16/11/2023 às 15:43
Beatriz Mota, 7 anos, foi morta a facadas em festa de formatura no colégio onde estudava, em Petrolina - ARQUIVO PESSOAL

Após apresentar um carta, nessa terça-feira (18), à qual atribui a autoria ao suspeito apresentado pela Secretaria de Defesa Social, na semana passada, como responsável pela morte da menina Beatriz Angélica Mota, em Petrolina, o advogado Rafael Nunes convocou uma coletiva de imprensa nesta quarta-feira (19) na qual propunha-se a esclarecer dúvidas sobre o novo direcionamento do caso. As explicações, no entanto, seguiram carentes de uma série de informações. O advogado não revela o porquê da mudança de defesa do suspeito nem quem o contratou, alegando ser algo "extremamente sigiloso".

Diante das câmeras da imprensa, na manhã de hoje, Rafael Nunes reafirmou o conteúdo da carta divulgada ontem. Disse que chegou a ter contato com suspeito por algumas horas, mas ainda não está inteirado do caso por não ter tido acesso ao inquérito policial.

"Assumimos a defesa esta semana. Já tive o contato com ele, e nesse primeiro contato ele externou a vontade de pedir socorro. Tive a curiosidade, e uma das primeiras perguntas que o advogado faz para o seu cliente é: 'Fale a verdade para mim'. A primeira pergunta foi, e ele falou para mim, olhando nos meus olhos: Doutor eu sou inocente". Isso me chocou de alguma forma e eu o questionei o porquê da confissão", assegura o advogado. 

A resposta do suspeito, segundo Nunes, foi: "Doutor, eu confessei na base da pressão", sem dar mais detalhes de que tipo de coerção teria sofrido. O advogado continua: "Ele falou que estava sem advogado. E se estava (com advogado) não chegou a identificá-lo. Dentro de uma situação dessa, confesso que matei o 'Papa'. Não tem bom. Diante do exposto viabilizei no parlatório se ele queria externar isso através da escrita. E aí consegui fazer com que chegasse esse papel de ofício, e ele com a caneta escreveu. Isso aqui veio da cabecinha dele, tá? Não te qualquer tipo de intervenção", salienta o advogado sobre o conteúdo da carta.

Segundo a defesa esse foi o primeiro contato com o suspeito, e foi breve. "Evidentemente, preciso conversar com ele horas e horas para entender o que de fato aconteceu", diz Nunes, mesmo alegando ter conversado por "algumas horas" com o suspeito antes dele redigir a carta.

Na última semana, o secretário de Defesa Social de Pernambuco, Humberto Freire, afirmou que após ter sido inserido no banco de dados da Polícia do Estado, o material genético do suspeito combinou com o encontrado na faca que teria sido usada para assassinar Beatriz. Por isso ter acontecido em meio à pressão da família da menina, que pede para que o caso seja federalizado por acreditar que foram cometidas irregularidades na investigação, Rafael contesta a versão.

"Às vésperas da federalização do caso, caiu de paraquedas no processo um DNA milagroso, que atestou ser os vestígios genéticos da pessoa (do suspeito). Não tivemos acesso a essa perícia, nada ainda. mas o delegado foi solicito já me colocou à disposição a cópia do inquérito".

Sem detalhes

Mesmo após o encontro, Rafael Nunes não foi claro aos questionamentos sobre o porquê assumiu a defesa do caso, tampouco sobre o conteúdo da conversa com o suspeito para além da carta que teria sido redigida por ele (suspeito). 

"Não tive tempo de explorar detalhes. Não teria como. Com relação à advogada, ela não mais se encontra no caso. Assumimos a totalidade da defesa. Com relação à minha contratação ela é extremamente sigilosa", diz. 

Sobre a alegação de uma representação da advogada anterior do suspeitos por "roubo de cliente", Nunes diz desconhecer. "Se entrou, não tem problema. Se chegar qualquer tipo de notificação, esclareço". 

Até o momento, segundo a OAB, não houve qualquer requerimento oficial junto à OAB Pernambuco a respeito da suposta postura dos advogados envolvidos na investigação do homicídio de Beatriz Angélica. "Tão logo chegue ao conhecimento da OAB Pernambuco, as medidas formais serão implementadas", confirma a OAB-PE.

Mesmo ainda desconhecendo o inquérito, Rafael Nunes, critica a mãe da menina Beatriz que, após a divulgação da carta, ontem, foi às redes sociais e reforçou a crença do suspeito tratar-se do assassino de sua filha. 

"Ele não reconhece a confissão. Se ele não reconhece, logicamente não é ele que está ali, segundo as palavras dele. Eu preciso amadurecer com ele, ganhar intimidade com meu cliente. Mas ele não foi logo dizendo 'sou inocente'. Percebi facilmente ele querendo me dizer algo", esclarece o advogado. 

Ele diz que é preciso aguardar a conclusão das investigações, pelo fato do Ministério Público ter solicitado novas diligências e não apresentar uma denúncia mesmo com a apresentação do suspeito na semana passada. 

"Admiro muito a coragem, a luta da Lucinha (mãe de Beatriz). É uma mulher admirável, de caráter sem igual. Respeito e admiro muito mesmo, mas quem tem de achar u deixar de achar são as autoridades. É o Ministério Público que tem de se sentir convencido. Ela está um pouco confusa, com afa de justiça natural, chateada porque assumimos a defesa, até entendo, porque se chegou uma defesa aguerrida, em busca da defesa real e do que a sociedade pernambucana também tem sede: descobrir quem assassinou a menina Beatriz", justifica ele.

Conteúdo da carta

Na coletiva, o advogado voltou a ler o conteúdo da carta, que diz o seguinte:

"Eu confessei na pressão. Pleo amor de Deus, eles querem minha morte. Preciso de ajuda, estou com medo de morrer. Quero viver, eu não sou assassino, quero falar com a mãe da criança e com Roberto Cabrini (jornalista investigativo). Quero a proteção da minha mãe". 

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Resposta

Em coletiva, a SDS informou na última semana que o suspeito de cometer o crime foi indiciado - SDS/Oficial

Após a fala do advogado, a Secretaria de Defesa Social se pronunciou, em nota, e afirmou que "todo o inquérito sobre o assassinato da menina Beatriz está sendo realizado dentro de todos os parâmetros legais, com zelo e lisura".

A nota destaca, ainda, que o indiciamento do suspeito do crime foi realizado após a identificação positiva através de comparação de DNA. "Essa é uma prova técnico-científica, que foi ratificada pela confissão do preso que se coaduna com as demais provas existentes no inquérito policial e é compatível com a dinâmica dos fatos e toda a linha de tempo descoberta durante a investigação. Importante ressaltar que a Polícia Civil filmou o depoimento na íntegra, seguindo todas as regras legais, a fim de evitar quaisquer questionamentos, tentativas de macular a confissão ou estratégias projetadas para tumultuar o caso".

De acordo com a Secretaria, o caso segue sob sigilo e a Polícia Civil de Pernambuco está dando continuidade às diligências solicitadas pelo Ministério Público Estadual, "bem como à compilação de provas necessárias para conclusão do inquérito policial e consequente remessa ao MPPE".

Suspeito

O suspeito do caso cumpre pena por estupro de vulnerável, ameaça e cárcere privado. Ele estava preso desde 2017 no presídio de Salgueiro e foi transferido para o presídio de Igarassu, no Grande Recife, no dia 13 de janeiro de 2022.

O homem, de 40 anos, confessou o crime para delegados da força-tarefa responsável pela investigação do caso, logo depois de o DNA contido na faca utilizada no assassinato da criança de 7 anos apontar que ele seria o assassino. O depoimento foi dado em 11 de janeiro de 2022, no presídio de Salgueiro, no Sertão de Pernambuco.

Beatriz foi assassinada durante a festa de formatura da irmã, em 2015, no Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, em Petrolina. A menina se afastou da mãe por alguns instantes para beber água no bebedouro da escola. O corpo dela foi encontrado 40 minutos depois, perfurado de facadas, em um depósito, perto da quadra onde acontecia a festa.

Lucinha Mota

Lucinha Mota, mãe de Beatriz - ALCIDES NUNES / TV JORNAL

Mãe de Beatriz, Lucinha Mota concedeu entrevista ao Blog de Edenevaldo Alves, por meio do Instagram, e disse ter certeza de que o suspeito cometeu o crime. Ela disse ter recebido críticas em seu WhatsApp contra o novo advogado de defesa e deve se reunir, nesta quarta-feira (19), com a presidência da OAB-PE para tratar do assunto.

Lucinha diz ter certeza de que o homem apontado pela Polícia Civil é o assassino. "Ele é o assassino, não temos dúvidas de que ele é o assassino. Após assistir a confissão, os profissionais que me ajudam disseram que mesmo se não houvesse resultado de DNA defenderíamos que foi ele. Ele fala coisas que só o assassino saberia, é o que liga ele ao crime. Claro que outras evidências precisam ser analisadas, para colocar ele na cena do crime, mas o delegado vem fazendo esse trabalho", destacou.

O que mais quero é que ele (o suspeito) receba a maior pena que já existe, vamos garantir que ele fique preso o máximo de anos possíveis, garantir que ele pegue o máximo, que seja condenado em tudo possível na legislação.
Lucinha Mota

Ainda que se diga certa da culpa do assassino, a mãe da criança segue defendendo a federalização do caso. Ela aponta que a polícia pernambucana não vai investigar supostas sabotagens durante as investigações. "Estavam sabotando o inquérito, precisa ser apurado, defendemos a federalização, a policia não investigará a própria polícia, teve muito escândalo", disse Lucinha afirmando que querem "defender a imagem política".

Ela ainda destaca que receberá um documento do delegado do caso e, em seguida, analisará se a letra da carta apresentada pela defesa seria realmente do suspeito, se ele teria capacidade de escrever o texto apresentado pela defesa. Porém, segundo Lucinha, o homem realmente está com medo de morrer na prisão. Ela assistiu o depoimento, dias depois que a polícia indiciou o homem.

"Ninguém botou arma na cabeça dele. No início, ele nega (o crime), mas percebe que está sendo investigado e, como não tem para onde escapar, confessa. Ele se preocupa com ele, ele quer ficar vivo, cumprir a menor pena, ele está com medo, a primeira coisa foi pedir para mudar de presídio, que se ficasse ali não duraria uma hora. Acho que daí foi feito um acordo com o delegado e é um direito dele, deve ter sido oferecida a proteção e ele confessa, mas ele ainda precisa contar toda a verdade sobre a motivação, foi um crime premeditado e ele teve ajuda", aponta a mãe.

Caso Beatriz: Guerra de advogados em busca de visibilidade tumultua processo. Carta alegando inocência de Marcelo Silva foi desacreditada

No domingo (16), advogada Niedja Mônica da Silva estava no Fantástico falando sobre Marcelo da Silva como réu confesso da menina Beatriz. Na terça (18), Rafael Nunes surge com carta do suspeito se dizendo inocente

No domingo (16), Niedja Mônica da Silva aparecia no Fantástico falando como advogada de Marcelo da Silva. O discurso não foi dos mais felizes para uma defensora. "Como ele é réu confesso, eu estou aqui para que a lei seja cumprida, porque meu compromisso é com o processo. A gente está aqui para defender os direitos. (...) Não tenho dúvidas de que ele é o culpado". O depoimento derrotista, de quem vai brigar pouco pelo cliente, repercutiu mal entre a família do acusado e abriu brecha para que outros advogados se candidatassem ao posto. O criminalista Rafael Nunes já estava de olho no caso e conseguiu desbancar Niedja. Uma terceira via nessa história é o advogado Francisco de Assis, que defendeu Marcelo no crime de estupro contra uma criança em Trindade, e também se colocou à disposição para fazer a defesa. Mais cauteloso, ele participou de reunião com a família de Marcelo na segunda-feira (17) e justificou sua intenção. O que existe de comum entre os três é o interesse na visibilidade que um caso de repercussão nacional pode trazer para a carreira de qualquer criminalista. Até aí nenhum problema. A questão é quando as vaidades pessoais se sobrepõem e tumultuam o processo. 

Como Marcelo Silva é adulto, os advogados podem abordá-lo na penitenciária e oferecer seus serviços. Ele aceita o defensor assinando uma procuração. Se quiser trocar de advogado basta assinar uma nova procuração, que elimina o efeito da anterior. Provavelmente foi o que aconteceu com Niedja. Depois de uma declaração infeliz em rede nacional, a advogada ficou suspeptível ao ataque dos colegas. Após publicar posts em suas redes sociais, ela chegou a apagar o Instagram ao longo da semana. Niedja disse que foi procurada por um pessoa da família, mas eles negam. Afirmam que não a conhecem. O mesmo vale para o desfensor que substtuiu a advogada no caso. 

Diante do cenário, o midiático criminalista Rafael Nunes apareceu oferecendo uma defesa mais arrojada. No universo do direito criminal, a avaliação é de que a carta de Marcelo da Silva, afirmando sua inocência, seria uma estratégia da defesa, orientada pelo próprio advogado.

"Ele pode ter dito a Marcelo: 'olha, você não precisa confessar. Foi ouvido sem advogado. Diz que falou na pressão, que está com medo de morrer", sugere uma fonte da área. Mal assumiu a causa, Rafael fez posts nas suas redes sociais, apareceu em programas de TV exibindo a carta de Marcelo e convocou entrevista coletiva nesta quarta (19) para comentar o texto com outros veículos de imprensa. O advogado diz que não vai "passar a mão na cabeça" do cliente em relação a outros crimes que ele cometeu, mas defende a inocência de Marcelo no Caso Beatriz. Essa certeza é contraditória já que o advogado sequer teve acesso ao rumoroso inquérito com 24 volumes, não viu o vídeo do depoimento do acusado, nem teve acesso a outras provas. 

Na carta, o suspeito diz que confessou na pressão, mas a Secretaria de Defesa Social rebate, afirmando que "a Polícia Civil filmou o depoimento na íntegra, seguindo todas as regras legais, a fim de evitar quaisquer questionamentos, tentativas de macular a confissão ou estratégias projetadas para tumultuar o caso". A mãe de Beatriz, Lucinha Mota, também disse, por meio da imprensa, que não acredita na carta de Marcelo da Silva e que já aguardava alguma estratégia da defesa neste sentido.

CONFUSÃO CHEGOU À OAB

O caso envolvendo Niedja e Rafael foi parar na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Pernambuco. Tesoureira da OAB Paulista, Niedja ingressou com uma representação contra o colega de profissão. Disse que ele foi "assediar seu cliente" no presídio em Igarassu. A confusão entre os dois chegou à penitenciária. Niedja só soube que estava fora do caso na segunda-feira (17) quando foi acompanhar o indiciado em mais um depoimento. Na representação, ela afirma que quando chegou ao local, Rafael teria sido grosseiro com ela, afirmando que os delegados se reportariam a ele e não mais a ela.

FAMÍLIA E EX-ADVOGADO

Para além das estratégias intempestivas, o ex-advogado de Marcelo Silva, o criminalista Francisco de Assis se coloca como opção na defesa do réu. Após a conversa que teve com a família, ele relata que estão todos muito abatidos e assustados, desde que o exame de DNA comprovou Marcelo como autor do crime. Os pais guardam a memória do espancamento do filho, em Trindade, pelo crime de estupro de uma criança de 9 anos no município. Na ocasião, a família teve sua casa destruída e precisou mudar de cidade. 

O advogado recorda que Marcelo apanhou tanto, que foi considerado morto. Quem veio recolher 'o corpo' foi o carro do IML, até perceberem que ele ainda estava vivo e levarem para o Hospital de Ouricuri. Lá, ele passou pelo menos quatro dias na UTI. Um dos compromissos de Francisco se assumir o caso é preservar a identidade e a localização da família. Ele conta que a mãe já está bastante idosa e tem deficiência visual. O advogado também relata que, além de Marcelo, nenhuma outra pessoa do seu núcleo familiar tem envolvimento com o crime. Marcelo tem pai e mãe vivos, um irmão e uma irmã. A mãe sente muito desgosto pelos crimes que o filho cometeu, mas espera que ele tenha uma defesa digna. 

Com sete anos de experiência em direito criminal e tendo participado da defesa em muitos casos complexos, Francisco de Assis reconhece que a visibilidade do Caso Beatriz lhe atrai e ajudaria a torná-lo conhecido em um universo maior na região,  além de divulgar seus escritórios no Sertão, aumentando sua área de atendimento. Hoje ele tem unidades em Trindade e Petrolina, mas com a pandemia os atendimentos são feitos remotamente, em sua maioria. O criminalista diz que não vai traçar nenhuma linha de defesa antes de conhecer o processo e defende a necessidade de se manter a ética. Afinal, o Caso Beatriz já é complexo demais e não deveria ter espaço para oportunismos. 

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