Após apresentar um carta, nessa terça-feira (18), à qual atribui a autoria ao suspeito apresentado pela Secretaria de Defesa Social, na semana passada, como responsável pela morte da menina Beatriz Angélica Mota, em Petrolina, o advogado Rafael Nunes convocou uma coletiva de imprensa nesta quarta-feira (19) na qual propunha-se a esclarecer dúvidas sobre o novo direcionamento do caso. As explicações, no entanto, seguiram carentes de uma série de informações. O advogado não revela o porquê da mudança de defesa do suspeito nem quem o contratou, alegando ser algo "extremamente sigiloso".
Diante das câmeras da imprensa, na manhã de hoje, Rafael Nunes reafirmou o conteúdo da carta divulgada ontem. Disse que chegou a ter contato com suspeito por algumas horas, mas ainda não está inteirado do caso por não ter tido acesso ao inquérito policial.
"Assumimos a defesa esta semana. Já tive o contato com ele, e nesse primeiro contato ele externou a vontade de pedir socorro. Tive a curiosidade, e uma das primeiras perguntas que o advogado faz para o seu cliente é: 'Fale a verdade para mim'. A primeira pergunta foi, e ele falou para mim, olhando nos meus olhos: Doutor eu sou inocente". Isso me chocou de alguma forma e eu o questionei o porquê da confissão", assegura o advogado.
A resposta do suspeito, segundo Nunes, foi: "Doutor, eu confessei na base da pressão", sem dar mais detalhes de que tipo de coerção teria sofrido. O advogado continua: "Ele falou que estava sem advogado. E se estava (com advogado) não chegou a identificá-lo. Dentro de uma situação dessa, confesso que matei o 'Papa'. Não tem bom. Diante do exposto viabilizei no parlatório se ele queria externar isso através da escrita. E aí consegui fazer com que chegasse esse papel de ofício, e ele com a caneta escreveu. Isso aqui veio da cabecinha dele, tá? Não te qualquer tipo de intervenção", salienta o advogado sobre o conteúdo da carta.
Segundo a defesa esse foi o primeiro contato com o suspeito, e foi breve. "Evidentemente, preciso conversar com ele horas e horas para entender o que de fato aconteceu", diz Nunes, mesmo alegando ter conversado por "algumas horas" com o suspeito antes dele redigir a carta.
Na última semana, o secretário de Defesa Social de Pernambuco, Humberto Freire, afirmou que após ter sido inserido no banco de dados da Polícia do Estado, o material genético do suspeito combinou com o encontrado na faca que teria sido usada para assassinar Beatriz. Por isso ter acontecido em meio à pressão da família da menina, que pede para que o caso seja federalizado por acreditar que foram cometidas irregularidades na investigação, Rafael contesta a versão.
"Às vésperas da federalização do caso, caiu de paraquedas no processo um DNA milagroso, que atestou ser os vestígios genéticos da pessoa (do suspeito). Não tivemos acesso a essa perícia, nada ainda. mas o delegado foi solicito já me colocou à disposição a cópia do inquérito".
Sem detalhes
Mesmo após o encontro, Rafael Nunes não foi claro aos questionamentos sobre o porquê assumiu a defesa do caso, tampouco sobre o conteúdo da conversa com o suspeito para além da carta que teria sido redigida por ele (suspeito).
"Não tive tempo de explorar detalhes. Não teria como. Com relação à advogada, ela não mais se encontra no caso. Assumimos a totalidade da defesa. Com relação à minha contratação ela é extremamente sigilosa", diz.
Sobre a alegação de uma representação da advogada anterior do suspeitos por "roubo de cliente", Nunes diz desconhecer. "Se entrou, não tem problema. Se chegar qualquer tipo de notificação, esclareço".
Até o momento, segundo a OAB, não houve qualquer requerimento oficial junto à OAB Pernambuco a respeito da suposta postura dos advogados envolvidos na investigação do homicídio de Beatriz Angélica. "Tão logo chegue ao conhecimento da OAB Pernambuco, as medidas formais serão implementadas", confirma a OAB-PE.
Mesmo ainda desconhecendo o inquérito, Rafael Nunes, critica a mãe da menina Beatriz que, após a divulgação da carta, ontem, foi às redes sociais e reforçou a crença do suspeito tratar-se do assassino de sua filha.
"Ele não reconhece a confissão. Se ele não reconhece, logicamente não é ele que está ali, segundo as palavras dele. Eu preciso amadurecer com ele, ganhar intimidade com meu cliente. Mas ele não foi logo dizendo 'sou inocente'. Percebi facilmente ele querendo me dizer algo", esclarece o advogado.
Ele diz que é preciso aguardar a conclusão das investigações, pelo fato do Ministério Público ter solicitado novas diligências e não apresentar uma denúncia mesmo com a apresentação do suspeito na semana passada.
"Admiro muito a coragem, a luta da Lucinha (mãe de Beatriz). É uma mulher admirável, de caráter sem igual. Respeito e admiro muito mesmo, mas quem tem de achar u deixar de achar são as autoridades. É o Ministério Público que tem de se sentir convencido. Ela está um pouco confusa, com afa de justiça natural, chateada porque assumimos a defesa, até entendo, porque se chegou uma defesa aguerrida, em busca da defesa real e do que a sociedade pernambucana também tem sede: descobrir quem assassinou a menina Beatriz", justifica ele.
Conteúdo da carta
Na coletiva, o advogado voltou a ler o conteúdo da carta, que diz o seguinte:
"Eu confessei na pressão. Pleo amor de Deus, eles querem minha morte. Preciso de ajuda, estou com medo de morrer. Quero viver, eu não sou assassino, quero falar com a mãe da criança e com Roberto Cabrini (jornalista investigativo). Quero a proteção da minha mãe".
-
Caso Beatriz: Governo transfere suspeito para Cotel sem avisar juiz e magistrado cobra explicações -
Homem que confessou matar menina Beatriz foi espancado em Trindade por abuso sexual, em agosto de 2017 -
Politização do caso Beatriz é incorreta, mas governo não pode esquecer que ela é mãe de uma vítima -
Caso Beatriz: SDS apresenta suspeito e motivação; alguns detalhes não foram esclarecidos -
Pegou mal para o governo de Pernambuco não avisar sobre o suspeito do caso Beatriz e barrar pais da vítima na SDS -
Mãe de Beatriz diz que processo de federalização continua: ''No inquérito, ninguém vai passar despercebido'' -
Indiciado pela morte da menina Beatriz é transferido do presídio de Salgueiro para cela individual, em Petrolina -
SDS diz que Beatriz Mota foi escolhida aleatoriamente, sofreu dez facadas e foi morta por ter se assustado
Resposta
Após a fala do advogado, a Secretaria de Defesa Social se pronunciou, em nota, e afirmou que "todo o inquérito sobre o assassinato da menina Beatriz está sendo realizado dentro de todos os parâmetros legais, com zelo e lisura".
A nota destaca, ainda, que o indiciamento do suspeito do crime foi realizado após a identificação positiva através de comparação de DNA. "Essa é uma prova técnico-científica, que foi ratificada pela confissão do preso que se coaduna com as demais provas existentes no inquérito policial e é compatível com a dinâmica dos fatos e toda a linha de tempo descoberta durante a investigação. Importante ressaltar que a Polícia Civil filmou o depoimento na íntegra, seguindo todas as regras legais, a fim de evitar quaisquer questionamentos, tentativas de macular a confissão ou estratégias projetadas para tumultuar o caso".
De acordo com a Secretaria, o caso segue sob sigilo e a Polícia Civil de Pernambuco está dando continuidade às diligências solicitadas pelo Ministério Público Estadual, "bem como à compilação de provas necessárias para conclusão do inquérito policial e consequente remessa ao MPPE".
Suspeito
O suspeito do caso cumpre pena por estupro de vulnerável, ameaça e cárcere privado. Ele estava preso desde 2017 no presídio de Salgueiro e foi transferido para o presídio de Igarassu, no Grande Recife, no dia 13 de janeiro de 2022.
O homem, de 40 anos, confessou o crime para delegados da força-tarefa responsável pela investigação do caso, logo depois de o DNA contido na faca utilizada no assassinato da criança de 7 anos apontar que ele seria o assassino. O depoimento foi dado em 11 de janeiro de 2022, no presídio de Salgueiro, no Sertão de Pernambuco.
Beatriz foi assassinada durante a festa de formatura da irmã, em 2015, no Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, em Petrolina. A menina se afastou da mãe por alguns instantes para beber água no bebedouro da escola. O corpo dela foi encontrado 40 minutos depois, perfurado de facadas, em um depósito, perto da quadra onde acontecia a festa.
Lucinha Mota
Mãe de Beatriz, Lucinha Mota concedeu entrevista ao Blog de Edenevaldo Alves, por meio do Instagram, e disse ter certeza de que o suspeito cometeu o crime. Ela disse ter recebido críticas em seu WhatsApp contra o novo advogado de defesa e deve se reunir, nesta quarta-feira (19), com a presidência da OAB-PE para tratar do assunto.
Lucinha diz ter certeza de que o homem apontado pela Polícia Civil é o assassino. "Ele é o assassino, não temos dúvidas de que ele é o assassino. Após assistir a confissão, os profissionais que me ajudam disseram que mesmo se não houvesse resultado de DNA defenderíamos que foi ele. Ele fala coisas que só o assassino saberia, é o que liga ele ao crime. Claro que outras evidências precisam ser analisadas, para colocar ele na cena do crime, mas o delegado vem fazendo esse trabalho", destacou.
O que mais quero é que ele (o suspeito) receba a maior pena que já existe, vamos garantir que ele fique preso o máximo de anos possíveis, garantir que ele pegue o máximo, que seja condenado em tudo possível na legislação.Lucinha Mota
Ainda que se diga certa da culpa do assassino, a mãe da criança segue defendendo a federalização do caso. Ela aponta que a polícia pernambucana não vai investigar supostas sabotagens durante as investigações. "Estavam sabotando o inquérito, precisa ser apurado, defendemos a federalização, a policia não investigará a própria polícia, teve muito escândalo", disse Lucinha afirmando que querem "defender a imagem política".
Ela ainda destaca que receberá um documento do delegado do caso e, em seguida, analisará se a letra da carta apresentada pela defesa seria realmente do suspeito, se ele teria capacidade de escrever o texto apresentado pela defesa. Porém, segundo Lucinha, o homem realmente está com medo de morrer na prisão. Ela assistiu o depoimento, dias depois que a polícia indiciou o homem.
"Ninguém botou arma na cabeça dele. No início, ele nega (o crime), mas percebe que está sendo investigado e, como não tem para onde escapar, confessa. Ele se preocupa com ele, ele quer ficar vivo, cumprir a menor pena, ele está com medo, a primeira coisa foi pedir para mudar de presídio, que se ficasse ali não duraria uma hora. Acho que daí foi feito um acordo com o delegado e é um direito dele, deve ter sido oferecida a proteção e ele confessa, mas ele ainda precisa contar toda a verdade sobre a motivação, foi um crime premeditado e ele teve ajuda", aponta a mãe.