Crime

Caso Beatriz: De assaltante atrapalhado a criminoso violento. Suspeito do assassinato teria traços de psicopatia?

O ato de dar 42 facadas em alguém é típico de quem estava sentindo prazer em ver o sofrimento do outro.

Cadastrado por

Adriana Guarda

Publicado em 22/01/2022 às 8:00 | Atualizado em 22/01/2022 às 12:49
Beatriz foi morta aos 7 anos - REPRODUÇÃO

Marcelo da Silva fez sua estreia no mundo do crime como assaltante. Os relatos de seus primeiros roubos são de 2008, quando estava com 27 anos. Nascido em Araripina, mas morando em Trindade, seu raio de atuação estava nos 237 km entre Trindade e Petrolina, no Sertão de Pernambuco. Não fosse pelo susto e prejuízo que causava às vítimas, seu desempenho como assaltante seria cômico. Com uma estatura quase infantil de um metro e meio, roubava empunhado um revólver de brinquedo. Pelo que se tem notícia, nunca teve uma arma de fogo.

Caso Beatriz - THIAGO LUCAS/ ARTES JC

Certa vez foi roubar uma moto, mas não sabia pilotar. Acabou sendo espancado pela comunidade. Também tinha dificuldade em se livrar dos flagrantes e era pego a cada assalto. O que intriga no perfil de Marcelo é o desencadeou sua face violenta, impiedosa. Ele deixa de ser um "bandido trapalhão" para se apresentar como um malfeitor de crianças: condenado pelo estupro de uma menina de 9 anos e acusado de matar Beatriz com a animosidade de 10 facadas (inicialmente, registradas como 42 golpes). Especialistas em psicologia criminal explicam que esse caráter violento já poderia estar na sua estrutura mental doentia e, em algum momento, eclodiu.

"Ele não é uma pessoa falante, mas também não é o tipo calado, fechado. Durante o tempo em que estive com ele, percebi que é alguém que pensa pouco. Teve vários comportamentos atrapalhados. A tentativa de assalto à moto foi apenas um deles. Outra vez que foi pego roubando, como já tinha antecedentes criminais, resolveu dar um nome falso na delegacia. Mas, na hora de assinar o depoimento, escreveu seu nome verdadeiro. Terminou respondendo por assalto e falsidade ideológica", conta o advogado Francisco de Assis, que foi defensor público de Marcelo da Silva no caso do estupro da menor.

Em alguns momentos, nem mesmo as vítimas levavam o assaltante a sério. Uma vez abordou uma mulher para roubar o celular, mas quando ela percebeu a arma de brinquedo, deu uma rabiscada e seguiu seu caminho. Perplexo, ele foi em busca de outra vítima. Os assaltos, em sua maioria, eram de pequenos objetos, sobretudo celulares.

Marcelo da Silva é filho de uma família simples de trabalhadores do interior. Nenhum deles envolvido com o mundo do crime. Ele tem mãe e pai vivos, um irmão e uma irmã. A mãe já é idosa e tem deficiência visual. O indiciado pela morte de Beatriz também tem pouca escolaridade. Na sua ficha criminal aparece apenas como alfabetizado. Sua infância e adolescência não são conhecidas para apontar algum distúrbio já nesta fase da vida. 

Bebida, remédios e uma frieza que assombra

"O que chama atenção no comportamento dele é a frieza com que relata os crimes, sem demonstrar nenhum arrependimento e contando tudo em detalhes. No caso do estupro da criança, ela era vizinha da família, morava três casas após onde ele vivia com os pais. Certo dia, quando seus pais tinham viajado, ele pegou a menina indo para a padaria e a manteve a manhã inteira em cárcere privado. Ofereceu vinho e medicamentos à criança e praticou o crime sexual. Ele também tinha bebido e tomado remédios. Acabou dormindo e a menina fugiu", conta o advogado. Quando a população soube o que tinha acontecido, invadiu a casa, espancou o homem até quase a morte e destruiu a casa. A família dele teve que mudar de cidade quando soube. Por esse crime, Marcelo foi condenado a mais de 16 anos de prisão.

Se Marcelo da Silva tem alguma patologia mental só é possível saber após um diagnóstico aprofundado, mas várias de suas características apontam para traços de psicopatia. O psicólogo e professor do curso de Psicologia da Estácio, Marcelo Santos, explica que o psicopata é um indivíduo que não segue regras, não segue leis, age impulsivamente, por essa impulsão acaba cometendo alguns desvios de conduta social. O código de doenças mentais não usa exatamente o termo psicopatia, mas transtorno de personalidade antissocial. Outra classificação próxima é a do perverso na psicanálise. 

"A grande questão é entender se nessas características de não seguir regras, não seguir leis, ter dificuldade de demonstrar empatia, desenvolver afeto por outra pessoa e não sentir culpa, às vezes as causas que geram isso podem ser mais individuais (história de vida e criação do individual) ou fatores sociais, indivíduos que passaram por grande turbulências, violências", observa.   

Para saber se Marcelo da Silva tem psicopatia precisaria ser realizada uma análise aprofundada, com anamnese e um acompanhamento mais próximo, mais especializado. Alguns especialistas acreditam em fatores hereditários, mas outros defendem que a história de vida é que determina. A psicopatia só é classificada a partir dos 18 anos, mas a base disso está na formação da personalidade do indivíduo desde a infância e pode eclodir na adolescência, com atos delinquentes. Mas a classificação só acontece a partir dos 18 anos.

"O psicopata tradicional não consegue estabelecer relações sociais, redes de amizade, vínculos afetivos, casamento. Às vezes até se casa, mas é frio e alheio à situação. Também existe a possibilidade da categoria da psicose, com histórico de delírios e alucinações. O psicótico não consegue reconhecer regras, padrões morais e leis, já o psicopata mais próximo do perverso ele até consegue reconhecer leis, mas ele não se enquadra nelas. Existe uma brincadeira, que o psicopata quando vê o sinal vermelho e atravessa; enquanto o psicótico sequer vê o sinal vermelho", compara. 

PROVA DNA do suspeito Marcelo da Silva foi encontrado na faca usada no crime - Reprodução

O prazer em dar 42 facadas

Com mais de 7 anos de experiência em direito criminal e casos complexos no currículo, o advogado Francisco de Assis sugere que o comportamento de Marcelo da Silva no assassinato da menina Beatriz não foi o de um executor ou o de quem vai cobrar uma dívida. "Quem dá 42 facadas em uma pessoa é porque está sentindo prazer em fazer aquilo. Um executor chega lá e mata, quem vai cobrar uma dívida também. A maneira como ele supostamente fez diz muita coisa", sugere. 

Segundo a psicologia criminal, o prazer pode estar ligado a uma fantasia, um fetiche do próprio psicopátia. "A existência do prazer é notória. Ele sente o prazer de ver o sofrimento do outro. Um fator interessante para se entender o caso é que na psicopatia tradicional, nos casos de perversão, esse sofrimento delegado ao outro geralmente está acompanhado de algum ritual. É importante observar se ele repete comportamentos nos crimes que comete", diz Santos. 

A motivação do crime foi um dos pontos que deixou a desejar no inquérito. Em depoimento, o indiciado disse à polícia que esfaqueou a menina porque ela ameaçou gritar e expor que ele estava ali com uma faca. O psicólogo Marcelo Santos diz que um psicopata nessa situação estaria interessado em matar, o motivo pouco importa pra ele.

"Em função dessa incapacidade de seguir convenções sociais, ele pode alegar qualquer motivo. Mas, na verdade, isso vem de um impulso interno, que está ligado a sua estrutura mental, a seu traço de personalidade. Ele alegou que a menina fez isso, mas a menina poderia ter ficado calada e ele alegaria outra coisa. Ou então ia até fantasiar outra coisa para satisfazer aquele impulso interno, que vem junto com o prazer. Ele busca qualquer desculpa para satisfazer sua necessidade de matar", esclarece Santos, sobre o comportamento de um psicopata.  

Outra característica de Marcelo da Silva é a preferência por vítimas do sexo feminino. Não se tem conhecimento sequer que ele tenha assaltado homens. "Um tipo de psicopatia é o caso do pedófilo, que tem como seu fetiche, uma satisfação e um prazer por corpos não maturados. Mulheres que não desenvolveram características sexuais secundárias, como seios, por exemplo. Esse corpo infantilizado seria o fetiche. Um ponto a se investigar é se as mulheres assaltadas por ele tinham corpos infantilizados. Às vezes a questão não é a idade da mulher, mas a busca pelo corpo infantilizado", analisa. 

Apesar de Marcelo da Silva apresentar vários traços de psicopatia, ainda que a defesa peça um diagnóstico das condições mentais dele, a confirmação da patologia pode não ser motivo para ele deixar de pagar pelo crime na Justiça. "A questão não é ser um psicopata ou não, mas saber qual é o grau para torná-lo capaz de responder de forma criminal. Tudo o que se espera é que o caso seja resolvido e a família de Beatriz encontre paz. 

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