DIREITO ANIMAL

Sem fiscalização, animais seguem carregando carroças e sendo maltratados nas ruas do Recife

A regulamentação da lei que proíbe a prática foi publicada em 2019, e a previsão era de que fosse efetivada até 2021. No entanto, o prazo foi estendido pela Prefeitura do Recife até 2023 diante das dificuldades trazidas pela pandemia

Cadastrado por

Katarina Moraes

Publicado em 15/06/2022 às 15:13 | Atualizado em 15/06/2022 às 17:09
Edilson Barbosa, de 43 anos, e Alciclésio do Nascimento, 70, encontram o sustento no cavalo Boneco - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

Mesmo regulamentada em 2019, seis anos após ter sido sancionada, a Lei de Tração Animal segue sendo descumprida no Recife em 2022 - sem que haja uma previsão para que de fato a proibição comece a vingar. Diariamente, é comum assistir a cenas em que cavalos, burros e jumentos transportam cargas pesadas por pessoas, muitas em vulnerabilidade social, que encontram neles seu único modo de sustento.

A reportagem do JC rodou a capital pernambucana e encontrou, em menos de uma hora, quatro carroças sendo levadas por cavalos na manhã desta quarta-feira (15), tanto no Centro da cidade, no Bairro da Boa Vista, quanto na Zona Norte, no Arruda. Uma delas era conduzida, inclusive, por menores de idade.

Essa é uma prática que já não deveria mais existir. Isso porque o decreto que instituiu a regulamentação previa que a circulação de veículos de tração animal e a condução de animais com cargas no Recife fosse permitida, até 2021, somente em ruas com menor fluxo de veículos e em determinados horários. Depois disso, seriam terminantemente proibidas.

Proibição da tração animal nunca vingou na cidade. Carroceiros alegam que esse é o único modo de sobrevivência que encontram - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
Proibição da tração animal nunca vingou na cidade. Carroceiros alegam que esse é o único modo de sobrevivência que encontram - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
Proibição da tração animal nunca vingou na cidade. Carroceiros alegam que esse é o único modo de sobrevivência que encontram - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
Proibição da tração animal nunca vingou na cidade. Carroceiros alegam que esse é o único modo de sobrevivência que encontram - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

No entanto, alegando as dificuldades trazidas ao município pela pandemia da covid-19, o prazo foi ampliado em mais dois anos. Agora, o município tem até março de 2023 para capacitar os condutores para obter outras fontes de renda e, então, fiscalizá-los e puni-los caso descumpram a legislação.

Colegas de trabalho, Edilson Barbosa, de 43 anos, e Alciclésio do Nascimento, 70, conduziam o cavalo chamado de Boneco pela Boa Vista nesta manhã. Ao JC, contaram ser contrários à lei, e que se forem impedidos de trabalhar, protestarão - como já fizeram antes, porque suas rendas vêm do transporte de metralhas e materiais recicláveis na carroça.

“Já protestamos no ano passado quando tentaram nos tirar. São mais de 10 mil carroceiros na cidade, o que vão fazer conosco? Um salário mínimo não dá para nada. Com a carroça pelo menos conseguimos tirar de R$ 1,5 mil a R$ 2,5 mil, dependendo do mês”, contou Edilson. “Nós cuidamos bem dele, ele só come ração. Temos três cavalos, e só sai um por vez”, defendeu Alciclésio.

O ambientalista e coordenador do Fórum Animal, Alexandre Moura, é um dos ativistas que cobra pela efetivação da lei, porque os animais são constantemente maltratados e feridos com a prática. Mas defende que junto a isso haja um amparo aos carroceiros e o emprego de medidas pelo município antes mesmo de 2023.

“Ações imediatas já podem ser tomadas, como a fiscalização da comercialização de apetrechos que ferem os animais nas feiras e lojas de agropecuária. Em Olinda, funcionava um serviço de recolhimento de animais nas ruas, com um caminhão que os recolhia e os levava para zona rural. É interessante para começar”, sugeriu.

Cavalos utilizados para transporte de carga são vistos desamarrados nas periferias da cidade - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
Cavalos utilizados para transporte de carga são vistos desamarrados nas periferias da cidade - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

A Lei de Tração Animal existe, por enquanto, somente a nível municipal. Atualmente, o Projeto de Lei nº 134/2019 foi enviado à Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco (Alepe) pelo deputado Romero Albuquerque (UB) com o intuito de reduzir o uso de animais para condução de cargas gradativamente em cidades com mais de 50 mil habitantes, em até um ano - mas até agora não foi votado.

A assessoria do parlamentar informou ter pedido, duas vezes neste ano, a inclusão do PL na pauta da Assembleia. Ainda, que destinou cerca de R$ 1 milhão em emendas parlamentares para que a Prefeitura do Recife executasse o programa para retirada das carroças.

Quais são os próximos passos para a proibição da Tração Animal?

Em março, o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) promoveu audiência pública sobre o assunto com representantes do poder municipal e de entidades protetoras dos animais. Na ocasião, o promotor de Justiça Ivo Pereira Lima, que presidiu a sessão, pediu que a Secretaria Executiva de Direitos dos Animais (SEDA) apresentasse em 10 dias a dotação orçamentária e cronograma de implementação das medidas apresentadas.

Em 17 de maio, a SEDA informou ao JC que estava finalizando a elaboração do cronograma que iria colocar em prática a legislação. Nele, estava previsto cadastramento e escuta dos carroceiros, além de oferecimento de capacitações. Ainda, havia sido prometida a realização de blitzes educativas para orientar a população sobre a legislação em vigor nas semanas seguintes - o que não foi feito.

Segundo a secretaria, o cronograma precisou ser “redefinido e as novas datas ainda não foram fechadas” diante da tragédia climática que a cidade viveu recentemente. “A SEDA direcionou todas as equipes disponíveis para o atendimento nos abrigos, reforçando os cuidados com o bem-estar animal e aplicação de vacinas para prevenção das possíveis zoonoses.”

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