A expansão das cidades e a popularização dos automóveis inverteu a lógica da mobilidade nos tempos modernos. A rua, que antes abrigava todos os meios de locomoção, passou a ter os veículos como prioridade e afastou os pedestres para as calçadas. Hoje, Recife e outras capitais aderem ao movimento contrário: o de tornar vias exclusivas para o caminhar — como vai acontecer em breve com a Rua Mamede Simões.
O anúncio da pedestrianização da via, localizada na área central da cidade, foi feito no final de 2023 atendendo a uma demanda antiga dos frequentadores dela, que é tomada por bares e restaurantes. Diariamente, à noite, a passagem dos veículos já era dificultada, acontecendo pelos pequenos trechos que não são ocupados por mesas e cadeiras.
Agora, ela terá o pavimento elevado à altura das calçadas, proibindo completamente a passagem de carros entre a Rua da União e a Rua da Aurora — trecho que ganhará também áreas de convivência, bicicletários e paisagismo. Já entre o Parque 13 de Maio e a Rua da União, vão poder circular somente veículos para carga e descarga dos moradores da rua.
Para garantir isso, sinalizações serão instaladas para informar que quem passar por esse trecho sem esse intuito poderá ser multado.
CRÍTICAS DOS MORADORES
Essa exceção de tráfego foi dada pela Prefeitura do Recife em resposta aos próprios moradores da rua, mas mesmo com ela alguns se mostram preocupados com a pedestrianização. “Precisam chamar os moradores para serem ouvidos e fazer um projeto que atenda às necessidade de todos, não chegar impondo”, disse Carméria Régia Carlos, 57, síndica do Edifício Alfa, que fica na rua.
Em geral, eles temem que a locomoção - principalmente das pessoas com mobilidade reduzida - seja dificultada, que a rua seja esvaziada pela falta de estacionamentos, atraia pessoas em situação de rua e que cause congestionamento nas ruas próximas. “À primeira vista, acho a pedestrianização um problema porque o projeto não dialoga conosco”, disse o jornalista e morador Bruno Vieira, de 37 anos.
Há, também, os menos pessimistas. André Rosemberg, proprietário do Bar Central, um dos mais tradicionais da via, acha que a mudança “pode ser uma coisa boa ou muito ruim”. “Se não tiver controle urbano, a tendência é que a Mamede decaia ainda mais. E se os bares fecharem, aí piora”, opinou.
Por isso, ele pede que, junto à zona para pedestres, sejam feitas melhorias na rua. “Tem que vir segurança, iluminação. Hoje tem um assédio constante de gente em situação de rua que acaba colocando a Mamede no roteiro por falta de assistência social ativa que resolva o problema deles”, afirmou.
QUANDO PEDESTRIANIZAR?
A análise do arquiteto e urbanista Silvio Melo é de que o maior problema da pedestrianização da Mamede SImões aparenta ser, na verdade, uma falta de comunicação entre o município e os moradores dela. “Basicamente, falta uma explicação. Acho improvável que eles não aprovem depois que a coisa esteja pronta, porque já é uma via com fluxo reduzido, que as pessoas passam com menos velocidade”, colocou.
Isso porque, para ele, a dinâmica da Mamede já a vocaciona para a priorização do pedestre. "É legítima a preocupação dos moradores, que é fruto da desigualdade [no caso das pessoas em situação de rua]. Sabemos que qualquer coisa no Centro precisa ser muito bem pensada, porque ao mesmo tempo que é fértil para a mudança, é delicada, porque afeta um espectro social muito grande. Mas vejo com bons olhos.
O professor de engenharia civil da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) Maurício Pina pontua que pedestrianizar é uma forma de tornar a rua mais humanizada. "O que importa, acima de tudo, é a segurança da via para o pedestre, por ser o elemento mais vulnerável da corrente de trânsito”, alegou.
No entanto, ele chama atenção para a necessidade disso ser feito a partir de estudos de impacto no trânsito, que garantam que não haja o afogamento de outras ruas. Por isso, a reportagem do JC chegou a perguntar à Prefeitura do Recife se haverá mudança nas ruas vizinhas, mas não foi respondida.
EXEMPLOS PELO MUNDO
Na capital pernambucana, é levado em consideração as vias só para pedestres o fato deles representarem 46% das vítimas fatais em sinistros de trânsito, segundo Relatório Preliminar de dados coletados entre 2017 e 2019.
Além da Mamede, Recife já conta com 16 ruas exclusivas para o caminhar. A escolha tem sido feita em vias com predominância de atividade comercial e turística, como a Avenida Rio Branco, Rua da Moeda e Rua do Bom Jesus, no bairro do Recife, e a Rua da Imperatriz, na Boa Vista.
Essas características seguem as de outros exemplos bem sucedidos ao redor do mundo, como a Times Square, em Nova York, onde circulam em torno de 400 mil pessoas diariamente, a Calle Florida, em Buenos Aires, a Rue Montorgueil, em Paris, entre outras.
“Experiências de outras cidades do Brasil e do mundo são positivas, porque a via se torna mais humana, sem congestionamento, acidentes, situações que nos impactam”, disse Maurício.
Lista das ruas de pedestres no Recife
- Avenida Rio Branco
- Rua da Moeda
- Rua do Bom Jesus
- Rua da Imperatriz
- Rua Duque de Caxias
- Rua Nova
- Rua das Flores
- Rua Matias de Albuquerque
- Rua João Souto Maior
- Parte da Rua Frei Caneca
- Rua Camboa do Carmo
- Parte da Rua Estreita do Rosário
- Parte do entorno da Praça Dezessete
- Rua Larga do Rosário
- Parte do entorno da Praça da Independência
- Rua Barão Rodrigues Mendes
- Em breve, a Rua Mamede Simões