Polícia Federal investiga suposta empresa laranja que firmou contratos de R$ 9 milhões com prefeituras em Pernambuco

A investigação constatou que boa parte dos recursos públicos recebidos era sacada em espécie ou então remetida para contas de "laranjas" ou de empresas fantasmas
JC
Publicado em 16/06/2020 às 7:19
Operação foi deflagrada para apurar compras feitas durante a pandemia da covid-19. Foto: DIVULGAÇÃO/POLÍCIA FEDERAL


Atualizada às 17h37

A Polícia Federal em Pernambuco deflagrou, nesta terça-feira (16), a operação Casa de Papel para investigar contratações, sem licitação, que somam mais de R$ 9 milhões, da empresa AJS Comércio e Representação por prefeituras  pernambucanas, na compra de materiais médico-hospitalares para enfrentamento à pandemia de covid-19. São 35 mandados de busca e apreensão em endereços nas cidades de Recife, Paulista, Jaboatão dos Guararapes, Olinda, Camaragibe, Carpina e Cabo de Santo Agostinho. Não foram feitas prisões.

De acordo com o Ministério Público Federal (MPF) em Pernambuco (PE), a empresa foi contratada pela Secretaria de Saúde do Recife, por meio de dispensa de licitação, com suspeita de superfaturamento, para o fornecimento de aventais descartáveis, em contrato de R$ 7,5 milhões. As apurações indicaram que há fortes evidências de que a empresa é de fachada e que seu quadro societário é formado por "laranjas".

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No período de combate à pandemia, a empresa também foi contratada emergencialmente por dispensa de licitação pelas prefeituras do Cabo de Santo Agostinho, Olinda e Paulista, com a maior parte dos recursos, um total de R$ 1,2 milhão, sendo oriundos dos respectivos Fundos Municipais de Saúde.

Segundo o MPF, a investigação constatou que boa parte dos recursos públicos recebidos era sacada em espécie ou então remetida para contas desses possíveis “laranjas” ou de empresas fantasmas, onde eram igualmente sacados em espécie, e geralmente de maneira fracionada - para não chamar a atenção dos órgãos de controle. A Polícia também suspeita que o dinheiro vivo era utilizado para pagar propina a políticos envolvidos nas contratações.

Em coletiva de imprensa nesta terça-feira (16), a Polícia Federal explicou que foi detectato que a empresa AJS seria uma empresa de fachada. "Ela não funciona no endereço de sua sede. Ela existe mas não tem estrutura para ser beneficiada por esses contratos. A empresa estava em um endereço mas a sede dela não era realmente lá".

A PF também percebeu que o quadro societário da empresa era composto de dois laranjas. "O capital social da empresa era de aproximadamente 5 milhões de reais e os sócios que tinha acordado esse valor de sociedade sequer tinha passaporte, não viajaram para o exterior, tinham veiculos antigos e moravam em locais que não seriam compatíveis com uma pessoa que detém esse capital social", explicou.

Também chamou atenção da Polícia Federal o fato de que a empresa teve apenas dois funcionários, um no ano de 2015 e outro no ano de 2018, sendo dois irmãos.

"Investigamos que tratava de dois irmãos. Um desses irmãos seria funcionário do gabiente de um deputado estadual na Alepe (Assembleia Legislativa de Pernambuco). Além disso, descobrimos que essa empresa fazia parte de um grupo economico de gráficas. Esse grupo econômico é favorecido por contratações milionárias há mais de uma década por orgãos estaduais e por municípios."

Compras da Secretaria de Saúde do Recife

Também foi deflagrada pela Polícia Federal, nesta terça-feira, a Operação Antídoto, para investigar contratações emergenciais realizadas pela Secretaria de Saúde da Prefeitura do Recife em favor da empresa FBS Saúde Brasil Comércio de Materiais Médicos Eireli no enfrentamento à pandemia do novo coronavírus (covid-19). Estão sendo cumpridos seis mandados de busca e apreensão.

De acordo com a polícia, foram constatados indícios de que a empresa - favorecida com 14 dispensas de licitação superiores a R$ 81 milhões de reais somente nessa época de calamidade pública - estaria constituída em nome de "laranjas" e não teria capacidade operacional para fazer frente aos contratos.

Respostas

Por meio de nota, as prefeituras se manifestaram sobre a operação. Confira o posicionamento das gestões municipais:

Recife

A Prefeitura do Recife informa que as compras às empresas Saúde Brasil e AJS Comércio e Representações foram realizadas cumprindo todas as exigências da Lei 13.979/2020. Todos os processos dessas empresas foram enviados anteriormente por iniciativa da Prefeitura ao Tribunal de Contas, Ministério Público Federal e, por solicitação, à Polícia Civil.

Os preços estão de acordo com os praticados no mercado e toda documentação exigida pela lei foi apresentada. Todos os materiais comprados já foram recebidos e estão em uso nas unidades de saúde da emergência da COVID-19. O valor total das compras realizadas e recebidas foi de R$ 7,5 milhões da empresa AJS e R$ 15,5 milhões da empresa Saúde Brasil. A Prefeitura continua à disposição de todos os órgãos de controle para esclarecer o que for necessário e reafirma que todos os processos cumpriram as exigências legais.

Olinda

A Prefeitura de Olinda reafirma a legalidade dos processos da Secretaria de Saúde, a qual tem desempenhado um trabalho incontestável em favor da população nessa Pandemia. A Prefeitura recebeu a operação da Polícia Federal deflagrada em diversos municípios do estado, dentre eles, Olinda. Os valores dos produtos recebidos somam o montante de R$ 282 mil, sendo que o material foi contratado no preço de mercado, foi efetivamente entregue e o valor da compra ainda nem foi pago. A Prefeitura apóia toda forma de investigação e apuração e se coloca à disposição, não apenas da Polícia Federal, como também de todos os órgãos de fiscalização e controle.

Paulista 

Paulista esclarece que o contrato com a AJS Comércio e Representações foi de R$40.000,00, porém, denúncia feita na Polícia Federal é que este contrato seria de R$600.000,00 sem licitação. O referido contrato foi realizado dentro dos parâmetros legais para aquisição de máscaras, álcool em gel, álcool etílico a 70° e luvas para proteger os gestores das 65 escolas municipais durante a entrega do kit alimentação em substituição à merenda escolar. A equipe da Polícia Federal que esteve na Secretaria de Educação pode constatar parte do material adquirido e o planejamento de distribuição de outra parte deste material para as escolas.

Jaboatão dos Guararapes

A Prefeitura do Jaboatão dos Guararapes informa que não foi alvo de qualquer ação da Polícia Federal relacionada à Operação Casa de Papel. Em 23 de março, a Secretaria de Educação adquiriu máscaras de proteção para os servidores que trabalham na distribuição de kits de alimentos para os alunos. A compra para pronta-entrega foi realizada por cotação em virtude do pequeno valor de R$ 15 mil. Todas as informações constam no Portal da Transparência.

Cabo de Santo Agostinho

A Prefeitura do Cabo de Santo Agostinho esclarece que a operação realizada hoje pela Polícia Federal no Centro Administrativo Municipal investiga a empresa AJS Comércio e Representações. O Governo Municipal não é alvo da investigação.

A Gestão Municipal, além de vários outros municípios como Recife, Olinda, Jaboatão dos Guararapes, Paulista e Primavera realizaram compras nesta empresa.

O Cabo, especificamente, efetuou compras de EPIs e enxoval hospitalar, observando os valores praticados no mercado. Todo o processo de aquisição dos produtos foi de acordo com a Lei 13.979/2020 e não houve prejuízos aos cofres públicos. Todo o material já foi recebido e vem sendo utilizado no combate ao COVID 19 nas unidades de saúde do município, bem como nas ações preventivas. O valor da compra foi de R$ 509 mil.

A Prefeitura reitera que está à disposição dos órgãos de controle para quaisquer esclarecimentos.

Empresa AJS

A reportagem do JC tentou contato com a AJS Comércio e com empresas ligadas. A gráfica A Única, única empresa que retornou o contato, afirmou que não vai falar sobre as acusações sofridas pela AJS.

Operações

Esta não é a primeira operação envolvendo as compras da Secretaria de Saúde do Recife para o combate ao coronavírus. Na verdade, em meio à pandemia diferentes operações estão sendo deflagradas em todo o país apurando possíveis desvios de recursos para combater a covid-19. Outras operações já atingiram o Consórcio Nordeste e o próprio Estado de Pernambuco, entre outros. 

Apneia

No fim de maio, a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão investigando supostas irregularidades em contratos celebrados para aquisição de 500 respiradores pulmonares, por meio de dispensas de licitação.Na ocasião, inclusive, um mandado de busca e apreensão foi cumprido na casa do secretário de Saúde da capital, Jailson Correia. A operação, inclusive, foi apelidada de "Porcogate" por opositores, visto que os respiradores tinham sido testados em animais.

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Ragnarok

No início de junho, a polícia baiana deflagrou a Operação Ragnarok, que cumpriu mandados de prisão e busca e apreensão em Salvador, São Paulo, Rio de Janeiro e no Distrito Federal, contra um grupo suspeito de fraudar a venda de equipamentos hospitalares. O grupo foi descoberto graças a denúncia do Consórcio Nordeste, que tentou adquirir 300 respiradores para o combate ao Coronavírus com a empresa.

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A compra de respiradores pelo Consórcio Nordeste teria causado um prejuízo de R$ 13,7 milhões aos cofres de Pernambuco, segundo um relatório do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE). Com a chegada da pandemia, o Consórcio efetuou duas compras de respiradores que seriam usados nos hospitais que atenderiam aos pacientes com coronavírus. Os equipamentos não chegaram e aí foi instaurada a Operação Ragnarok para apurar o caso.

Alerta

O TCE anunciou, nessa segunda-feira (15), que enviou um ofício ao secretário de Saúde de Pernambuco, André Longo, com “alerta de responsabilização” sobre as compras de respiradores feitas pelo Estado junto ao Consórcio Nordeste. A justificativa para o alerta foram problemas nos dois contratos para compra de respiradores, realizados pelo Consórcio Nordeste, em que os valores foram pagos de forma antecipada, mas os respiradores não foram entregues.

Inópia

U Operação Inópia da Polícia Civil, também deflagrada em junho, investiga a capacidade técnica de uma empresa contratada pelo governo de Pernambuco para a distribuição de R$ 200 mil cestas básicas a famílias de baixa renda durante a pandemia da covid-19. O contrato firmado é de R$ 12,7 milhões, de acordo com o portal Tome Conta, do Tribunal de Contas do Estado (TCE-PE). A Secretaria de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude do Estado foi alvo dessa operação.

Indícios como a instalação recente da empresa em Pernambuco e a inexistência de informações sobre funcionários registrados na Relação Anual de Informações Sociais (Rais) levaram às investigações da Polícia Civil.

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