Após ''debandada'' na Economia, futuro da agenda liberal de Paulo Guedes está em xeque

Dois secretários deixaram o Ministério da Economia nesta semana queixando-se de burocracia em processos de privatização e falta de priorização da reforma administrativa
Mirella Araújo
Renata Monteiro
Publicado em 12/08/2020 às 20:43
Ministro da Economia, Paulo Guedes Foto: MARCELO CHELLO/ESTADÃO CONTEÚDO


Pelas declarações dadas pelos agora ex-secretários de Desestatização, Salim Mattar, e de Desburocratização, Paulo Uebel, desde que desembarcaram do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na última terça-feira (11), não há dúvidas de que questões políticas foram determinantes para os pedidos de demissão. Com a “debandada”, termo usado pelo próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, para classificar mais estas baixas na sua equipe, resta saber que futuro terá a agenda econômica liberal defendida pelo chefe do Executivo durante a campanha de 2018 em meio às decisões políticas que ele tem tomado atualmente, cada vez mais próximo do Centrão e já de olho em 2022.

Para o doutor em economia Jorge Jatobá, as baixas registradas no Ministério da Economia - que já somam sete saídas em cargos estratégicos da pasta - evidenciam a cisão dentro da ala econômica do governo federal. A defesa por uma agenda liberal, por parte do ministro Paulo Guedes, acabou se transformando em um discurso retórico proferido pelo presidente Jair Bolsonaro, a partir do momento que as declarações de apoio total e “carta branca” não se concretizaram em ações.

“As votações do presidente no Congresso Nacional (quando era deputado federal) sempre foram antiliberais, ele comprou aparentemente essa pauta (liberal), mas ela não consegue avançar. A reforma administrativa, por exemplo, já poderia ter sido encaminhada desde o ínicio do ano”, frisa o economista. Uebel chegou a elaborar uma proposta de reforma administrativa em 2019, mas ela não chegou a ser encaminhada ao Congresso por Bolsonaro.

“Se o presidente da República quiser mandar alguma reforma, é mandada. Se não quiser, não é mandada”, afirmou Guedes, ontem, ao anunciar as demissões. A fala do ministro, que também afirmou que “os insatisfeitos deixam o governo”, foi encarada nos bastidores como um recado a Bolsonaro, como se dissesse que também pode deixar o governo caso se sinta insatisfeito com as decisões do presidente.

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Jatobá também cita a questão das privatizações, que são processos complexos e mais lentos, mas são influenciados pela reação do Congresso. “Houve avanço nas concessões, mas quando se trata das privatizações, que são um assunto mais complexo, são 15 instituições, dentre elas os Correios, a Eletrobrás, que precisam do Congresso para avançar, mas há uma postura mais conservadora com relação a isso”.

Apesar das perdas acumuladas ao longo desses quase dois anos de governo, o Ministério da Economia também pode gabar-se de algumas vitórias, na visão do economista e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Écio Costa. De acordo com o docente, foi através do trabalho da pasta que importantes projetos conseguiram passar pelo Congresso no período e outras ações estão sendo defendidas.

“O Ministério da Economia tem muito a comemorar, principalmente por uma reforma da Previdência que foi aprovada com uma economia significativa no horizonte dos próximos 10 anos. Temos a lei de liberdade econômica, que é um passo muito importante para tirar o Brasil do atraso que temos de competitividade para se fazer negócios. Há todo um trabalho de modernização da questão burocrática do governo, que ainda está em curso. A reforma tributária foi apresentada, uma reforma gradual, mas que nenhum governo antes deste se propôs a fazer. Há, sim, méritos do Ministério da Economia inclusive na briga para se manter o teto de gastos”, pontua Costa.

O economista destaca, contudo, que em um País como o Brasil outras tantas ações precisam ser tomadas na área econômica, ações estas que devem encontrar muita resistência e provocar ainda mais baixas à pasta. “Tem muita política em jogo, são muitos interesses. Na reforma tributária, por exemplo, são vários setores antagônicos. Indústria e serviços são antagônicos, então serviços vai ter mais tributos e indústria menos. Imagine a disputa que isso não gera”.

Para a cientista política Priscila Lapa, da Faculdade de Ciências Humanas de Olinda (Facho), muito da crise vivida hoje pelo Ministério da Economia também pode ser explicado pela pandemia do novo coronavírus, pois à medida que a crise sanitária se instalou, houve a necessidade de substituição da pauta liberal por uma pauta de intervenção. “(O Ministério da Economia) Era uma pasta blindada, mas o que tá acontecendo mais uma vez é o governo subestimar o tamanho que essa crise atual representa, que de fato ela pode ter o efeito de desmontagem econômica”, avalia.

A pandemia também fez com que a ala desenvolvimentista do governo - os militares e ministros como Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional, e Tarcísio Gomes de Freitas, da Infraestrutura - ganhasse créditos com o presidente. Devido à condução que tem dado ao combate do coronavírus, Bolsonaro tem sido alvo de duras críticas de seus adversários, então, mirando em uma possível reeleição, tem focado em ações como o Programa Renda Brasil (que substituirá o Bolsa Família, mas custará mais caro), o que acaba desagradando a sua equipe econômica, centrada no corte de gastos. "Essa pauta é eleitoral (Renda Brasil). Com a crise com os governadores e a perda de eleitores das classes A e B, o governo percebeu que com o auxílio poderia criar espaços nas classes C, D e E, além de espaço no Nordeste. Ela é uma pauta importantíssima, que conseguiu avançar", declara Jorge Jatobá.

De acordo com Priscila Lapa, o lançamento do programa de investimentos públicos, o Pró-Brasil, sem a chancela e presença de Guedes, em abril, já era um indício da falta de alinhamento entre o ministério e o Executivo. “Isso simbolizou essa desorganização, devido ao peso e relevância de Guedes no governo. Arrumar na mesma casa a participação dos militares, com viés mais intervencionista, com uma agenda puramente liberal, não é tão simples quanto o governo imaginava”, lembra a professora.

A respeito da sobrevivência do próprio Guedes na pasta, o cientista político Ernani Carvalho, da UFPE, avalia que o outrora superministro já perdeu parte da força que possuía, muito por conta das alianças que Bolsonaro tem feito. O docente diz, ainda, que a insatisfação do ministro com o chefe fica cada dia mais evidente, principalmente pelas declarações que têm dado.

“A fala do Paulo Guedes a respeito da saída dos secretários deixa claro que quem não quer que a agenda caminhe é o presidente. E tem mais, ele disse acreditar que os auxiliares de Bolsonaro são servidores, ou seja, quando não estiverem contribuindo mais com o processo, pedem pra sair. Para mim, em algum momento ele vai se perguntar: eu estou fazendo o que aqui? E ele já perdeu força, pois não consegue tocar projetos de reformas que já estão prontos, mas não são deflagrados por questões políticas, e aí tem a ver com alianças do presidente com setores mais conservadores”, explica Ernani.

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