Na corrida pela vacina da covid-19, o Instituto Butantan fez a diferença para São Paulo

A vacina ainda não está com o registro concedido pela Anvisa, mas a previsão de São Paulo é iniciar a vacinação em janeiro de 2021
JC
Publicado em 13/12/2020 às 8:30
Chegada das primeiras 120 mil doses da vacina Coronavac em São Paulo Foto: GOVERNO DE SÃO PAULO


Na pior crise sanitária dos últimos 100 anos, São Paulo tem um diferencial que é ser dono do Instituto Butantã - que pertence a administração daquele Estado - e começou na semana passada a produzir a coronavac, uma das cinco vacinas (do mundo) que estão em estágio mais adiantado, mas ainda sem o registro concedido por uma agência de vigilância sanitária, exigência legal necessária à produção de vacinas. O Instituto Butantan fabrica 75% dos imunizantes usados no País. Doze Estados e 276 municípios demonstraram interesse em adquirir a vacina, o que tem acirrado mais ainda a disputa política entre Jair Bolsonaro (sem partido) e o governador paulista João Dória (PSDB), que deseja ser candidato a presidente em 2022. Pernambuco não está entre os interessados.

Os Estados interessados em adquirir a coronavac são: Acre, Pará, Maranhão, Roraima, Piauí, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo, Rio Grande do Norte, Paraíba, Ceará, Rio Grande do Sul, além de prefeituras de Santa Catarina, Goiás, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro.

O centro de pesquisa paulista produz anualmente 120 milhões de doses de 20 produtos diferentes, incluindo vacinas como a H1N1, raiva, entre outros, além de 13 soros. João Dória anunciou, em coletiva na quinta-feira (10), que o instituto pode vir a fabricar 1 milhão de doses de vacina por dia e que estão sendo contratados 120 técnicos para reforçar o quadro de 245 funcionários envolvidos com a fabricação da coronavac. Uma dose da coronavac vai custar cerca de R$ 54. 

"Estamos cumprindo mais uma etapa fundamental para disponibilizar a vacina em tempo recorde aos brasileiros. A tecnologia e expertise do Butantan já nos permitem realizar parte do processo produtivo em nossa própria fábrica, e estamos trabalhando para muito em breve podermos produzir integralmente a vacina, mediante processo de transferência de tecnologia por parte da Sinovac", afirmou o presidente do Instituto Butantan, Dimas Tadeu Covas. Segundo ele, o centro de pesquisa "já enfrentou a peste bubônica, a febre amarela, a miningite e H1N1 ".

Na sua última coletiva, o secretário estadual de Saúde, André Longo, afirmou que o Estado vai esperar a vacinação pelo Plano Nacional de Imunização, responsável pelos demais programas de vacinação. "Caso no meio deste caminho, tenhamos sentido que o governo federal não vai garantir a vacina, cabe aos Estados buscar outras alternativas, mas tentando evitar uma guerra das vacinas", comentou, sem citar datas. Não vai faltar recursos para o governo de Pernambuco comprar a vacina, caso seja necessário, segundo informações da assessoria de imprensa do governo do Estado.

Até agora nenhuma ação deixou de ser feita por causa de falta de dinheiro no enfrentamento à pandemia em Pernambuco, de acordo com a secretaria de imprensa. O Estado gastou R$ 806,3 milhões nas ações de combate ao coronavírus. Desse total, que R$ 294,3 milhões saíram dos cofres da União e R$ 512 milhões do tesouro estadual. Dos recursos federais, cerca de 99% foram alocados em custeio (manutenção de unidades de saúde, serviços diversos, aquisição de insumos, EPIs, entre outros) e 1% em investimentos, incluindo compra de equipamentos médico-hospitalares, mobiliário hospitalar, equipamentos de apoio, dentre outros. Dos recursos do tesouro estadual, 82% foram empregados em custeio, manutenção de unidades de saúde, serviços diversos, aquisição de insumos, Equipamentos de Proteção Individuais (EPIs), entre outros e os 18% restantes em investimentos, incluindo compra de equipamentos médico-hospitalaress, mobiliário hospitalar, equipamentos de apoio, dentre outros.

Durante os primeiros meses da pandemia, os preços de alguns produtos - como luvas, máscaras e respiradores - e dos serviços subiram muito, porque a demanda foi grande e descoordenada por parte dos Estados e municípios. Os Estados disputavam entre si equipamentos e outros insumos que iriam precisar. O cenário é parecido com o que ocorre agora com relação à imunização. "Falta uma política que oriente todos os entes federativos com relação à vacina do coronavírus. Está aumentando o número de casos, os custos com internação subindo, sem contar a perda de vidas, que é incalculável", lamentou o presidente da Associação Municipalista de Pernambuco (Amupe), José Patriota. Para ele, já está ocorrendo uma "guerra das vacinas".

E essa guerra não vai ficar só na compra das vacinas. O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos, Odontológicos, Hospitalares e de Laboratórios (Abimo), Paulo Fraccaro, afirmou que o governo federal deveria fazer uma coordenação dizendo como vão distribuir as seringas compradas com os Estados, que deixariam de comprar individualmente. "Daqui a pouco, os Estados vão estar cheios de seringas estocadas e faltando vacinas", comentou. As seringas são muito usadas também por hospitais, além de consultórios médicos e odontológicos.

O Brasil tem três fabricantes de seringas que podem produzir 1,4 bilhão de unidades por ano, o que corresponde a cerca de 120 milhões de unidades por mês. "Estima-se num primeiro momento que cerca de 100 milhões de pessoas sejam vacinadas com duas doses, porque não vai ter vacina para toda a população num período curto. Então, não adianta todo mundo comprar seringas ao mesmo tempo", revelou.

Segundo Fraccaro, o governo federal vai lançar, nos próximos dias, uma licitação para comprar 330 milhões de seringas e serão adquiridas mais 40 milhões de seringas numa parceria com a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e a União. "Os Estados deveriam procurar o governo federal e saber quantas seringas vão receber. Se todos comprarem de uma vez, vai faltar produto", comentou. O setor já está sendo atingido pela falta de polímero (matéria-prima do plástico) e do papelão ondulado, devido à retomada da economia, de acordo com informações da Abimo.

DISPUTA

Na quinta-feira (10), o governador João Dória (SP) anunciou, em coletiva, o começo da produção local da Coronavac e a previsão de São Paulo começar a vacinar contra a covid-19 no dia 25 de janeiro. Isso pressionou ainda mais o governo federal que tinha anuciado o ínicio da vacinação pra março. Ontem, o ministro da Saúde, Eduardo Pazzuelo, chegou a dizer que vai cobrar mais celeridade da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o órgão responsável no Brasil em conceder o registro de vacinas e medicamentos. Dois dias antes, numa reunião com os governadores, Pazuello tinha anunciado uma previsão de começar a imunização em março.

Na semana passada, a falta de um cronograma de imunização foi criticado dos governadores às entidades que representam os prefeitos, sem contar que órgãos de controle também estavam cobrando um cronograma da imunização. Na sexta-feira (11), o governo federal deixou vazar que vai publicar uma Medida Provisória (MP) no valor de R$ 20 bilhões para bancar a vacinação - incluindo a logística - via Programa Nacional de Imunização (PNI) de todos os brasileiros. No meio político em Brasília, se comentava que a MP poderia inclusive confiscar as vacinas do Instituto Butantan para serem distribuídas por todos os brasileiros, iniciando outra "guerra" política com o governo de São Paulo. Em várias coletivas, o presidente do Instituto Butantan, Dimas Tadeu Covas, disse que poderia fornecer as vacinas ao governo federal, que implicou com a iniciativa por dois motivos políticos: o Butantan fazer parte do governo de São Paulo, cujo governador faz oposição a Bolsonaro, e a empresa parceira da iniciativa ser chinesa. A China faz parte do regime comunista e os bolsonaristas detestam regimes de esquerda.

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