Pré-candidatos trazem a falta d'água de volta ao debate eleitoral no Nordeste

Enquanto no âmbito nacional Lula (PT), Jair Bolsonaro (PL) e até Ciro Gomes (PDT) disputam a paternidade da transposição do Rio São Francisco, em Pernambuco pré-candidatos de oposição batem forte na Compesa
Renata Monteiro
Publicado em 05/03/2022 às 8:00
TRANSPOSIÇÃO Bolsonaro faz entregas de obras hídricas para tentar reduzir vantagem de Lula no Nordeste Foto: @JAIRBOLSONARO VIA TWITTER


À medida que a pré-campanha eleitoral deste ano avança, postulantes a cargos no Executivo federal e estadual têm recorrentemente colocado no centro do debate político um tema bem conhecido da população nordestina: a falta d'água. Enquanto no âmbito nacional Lula (PT), Jair Bolsonaro (PL) e até Ciro Gomes (PDT) disputam a paternidade da transposição do Rio São Francisco, em Pernambuco pré-candidatos de oposição batem forte na Compesa e atribuem aos governos do PSB, que está há quase 16 anos no poder, a responsabilidade por várias localidades do Estado passarem semanas - e até meses, em alguns casos - sem um pingo de água nas torneiras.

O projeto de transposição do Rio São Francisco existe desde a época do império, mas apenas em 2008, no governo Lula, ele saiu do papel. A iniciativa se divide em dois eixos, o Norte, que passa pela Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte, e o Leste, que segue até o Agreste pernambucano.

Durante visita a trechos da obra no último mês de fevereiro, Bolsonaro chegou a afirmar que ela "não ia sair nunca" em algum dos governos petistas e que "o que foi desviado da Petrobras daria para fazer 50 transposições". Nas suas redes sociais, em resposta às declarações do presidente, Lula declarou que Dilma e ele "fizeram 88% das obras" e que o militar da reserva "só apareceu para tirar fotos".

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No meio desse debate, Ciro Gomes tem ressaltado que esse projeto foi feito enquanto ele era ministro de Lula. "Eu montei, licenciei e iniciei o projeto das tomadas das águas do Eixo Norte e do Eixo Leste. O resto é manipulação e mentira", declarou recentemente o pedetista, em um evento no Ceará.

"Desde o fim do século 19 essa questão (da estiagem) se tornou a cultura política dos agentes públicos que querem ocupar espaços nas instituições. E por que isso ocorre? Porque parte considerável da população local, principalmente aquela que vive em regiões consideradas semiáridas, depende economicamente da água. Ter esse abastecimento ajuda na qualidade de vida, na economia, e para alguns que têm pouco acesso, se torna resistência", observou o historiador e cientista político Alex Ribeiro.

Na visão de Elton Gomes, cientista político da Faculdade Damas, a atual disputa eleitoral em torno das questões relacionadas à água seria, de certo modo, a "nacionalização de uma disputa regional". "Bolsonaro não goza de grande popularidade no Nordeste, região em que todos os governadores são de oposição. A estratégia que ele encontrou para se aproximar desse eleitorado foi se ligar a lideranças nordestinas, coronéis, caciques com mais ascendência no interior, como Fernando Bezerra Coelho, Rogério Marinho, Ciro Nogueira, Arthur Lira, para inaugurar obras hídricas, um pleito antigo da população. Com isso ele não espera acabar com a hegemonia lulopetista na região, mas confirmar a sua liderança no Sul e no Sudeste e provocar uma rachadura no Nordeste, através do interior", explicou o docente.

Pernambuco

Entre os pré-candidatos a governador de Pernambuco postos até o momento, não foram poucas as vezes que a falta d'água nas torneiras do Estado vieram à tona nos últimos meses. "Pernambuco tem problemas graves de infraestrutura, e isso tem a ver com o acesso à água, estradas e é inconcebível que uma cidade como Petrolina, como Rio São Francisco às suas margens, a população fique submetida a não ter acesso à água por 15 dias seguidos. A água não chega por incompetência, e falta de compromisso do Governo do Estado, que muitas vezes tenta se dissociar da Compesa", declarou nesta sexta-feira (4) a prefeita de Caruaru, Raquel Lyra (PSDB), que pode disputar o Palácio do Campo das Princesas este ano.

Devido a estes problemas de abastecimento, o prefeito de Petrolina, Miguel Coelho (União Brasil), que também é postulante a governador, retomou um projeto antigo no município, que é a municipalização dos serviços de água e esgoto. A ideia do mandatário é instituir a Companhia de Saneamento e Abastecimento de Águas do Sertão (SAAS) e tirar da Compesa a gestão desses serviços na cidade.

"A questão da água acabou virando uma bandeira de todo mundo, mas a Compesa, embora tenha deficiências, está bem melhor do que há dez anos, por exemplo. Os problemas ligados à água no Estado são reais, principalmente por conta das mudanças climáticas, portanto eu não acredito que isso vá se resolver apenas com promessas e críticas. Se fosse assim, a transposição já teria resolvido ao menos parte dessas questões. Essa narrativa me parece muito mais um jargão de campanha, a tentativa de se apropriar de um discurso do que qualquer outra coisa", destacou o historiador Thiago Modenesi, que possui especialização em ciência política.

Em 2021, alguns meses antes de anunciar o pré-candidato do PSB à sucessão de Paulo Câmara, o governo estadual lançou o Plano Retomada, que prevê investimentos de R$ 5 bilhões em diversas iniciativas, muitas delas relacionadas à segurança hídrica local.

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