O desafio da oposição no Recife diante de um prefeito com 78% de votos

Oposição reconhece omissão no primeiro mandato e diz que é preciso repensar ações daqui em diante. João Campos foi reeleito com 78,11% dos votos.

Publicado em 13/10/2024 às 4:01

A aprovação obtida por João Campos (PSB) na reeleição ao cargo de prefeito do Recife deve colocar a oposição para pensar numa estratégia de mudança de rota. O principal desafio desse grupo a partir de agora é descobrir como fazer uma oposição eficiente diante de um gestor que obteve 78% dos votos numa eleição majoritária.

No período eleitoral que acabou de terminar na capital, o que foi visto foram opositores obstinados a tentar dirimir a imagem do prefeito de diferentes maneiras. Gilson Machado (PL) se baseou na polarização entre esquerda e direita, Daniel Coelho (PSD) atirou para todos os lados e Dani Portela (PSOL) se colocou como a “verdadeira” candidata da esquerda na cidade. Nada funcionou.

Mas uma coisa foi consenso entre os atores políticos da cidade: eles demoraram demais para aparecer. O próprio João Campos, num discurso feito em palanque ainda no início da campanha, classificou os adversários como “oposição Netflix”, que aparece por temporada, de quatro em quatro anos.

Passados sete dias da votação, a polêmica envolvendo as creches municipais, que norteou as investidas contra João na segunda metade de campanha, por exemplo, parece nunca ter existido — a não ser por conta das investigações e auditorias que ainda seguem em curso. Mas ninguém mais fala no assunto.

“Essa foi uma oposição costurada de última hora, não houve oposição sistemática, nem mesmo por parte de Dani Portela, mais à esquerda. A oposição errou claramente. Não se faz oposição de última hora, a não ser que o candidato fosse muito fraco, mas não era o caso”, disse o analista de risco político e professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco, Ernani Carvalho.

O especialista também apontou que a campanha deste ano, em que o prefeito desde o início era o grande favorito, serviu somente de palco para que os adversários colocassem o rosto à mostra para um possível objetivo eleitoral em 2026, seja na Alepe ou em Brasília.

Gilson Machado Neto (PL), que ficou em segundo lugar na disputa pela prefeitura do Recife, com 129 mil votos (13,90%), disse, após a eleição, que o povo do Recife está anestesiado. Ele afirma ter começado a fazer oposição pública a João nas redes sociais há seis meses — ou seja, já no período de pré-campanha.

“A gente sempre fez oposição. O escândalo das creches ainda vai ter repercussão. Uma investigação como essa não tem quem segure”, garantiu.

O deputado federal Mendonça Filho (União Brasil), uma das maiores vozes contrárias às gestões do PT e do PSB em Pernambuco, diz que houve uma grande omissão por parte da oposição no primeiro mandato de João.

“O prefeito atuou sem que a oposição cumprisse seu papel. A oposição não conseguiu ser a voz da população esquecida pela gestão municipal, não exercitou de forma efetiva o contraditório, nem o papel de fiscal dos atos do governo. A partir de agora, a bancada eleita no campo da oposição tem que cumprir o seu papel. Um papel fundamental para a democracia e para a população”, disse o parlamentar.

“Exército de um homem só”

A gestão de João Campos sempre atuou com liberdade dentro da Câmara Municipal, alinhada com os 12 vereadores do PSB, sem contar com as legendas aliadas. Para 2025, a vantagem subiu: enquanto a Casa de José Mariano elegeu dois vereadores a menos por causa da redução da população da cidade, o partido conseguiu mais três cadeiras no legislativo. A proporção ficou ainda mais favorável para o prefeito.

No próximo ano, a oposição na Câmara contará com 11 cadeiras, incluindo quatro vereadores do Partido Liberal, dois do Partido Novo e um do Partido Progressistas, sendo muitos deles novatos no Legislativo.

O vereador Alcides Cardoso (PL), líder da oposição ao governo João Campos no Legislativo municipal nos últimos quatro anos, concordou que é preciso fazer uma avaliação profunda sobre o que ocorreu nessa eleição. O parlamentar, que era filiado ao PSDB e migrou para o PL neste ano, não conseguiu se reeleger e ficou na suplência para 2025.

Alcides é visto como a principal voz de oposição contra João no parlamento, não somente pela posição de líder, mas pela forma como lidava com as críticas na Casa, embasadas em documentos e fugindo de discussões rasas. Nomes com trânsito na Câmara afirmam que o parlamentar era um dos poucos que, diante de um parlamento recheado de aliados socialistas, conseguia reverberar os problemas da gestão de forma séria.

“Ao longo desses quase quatro anos, nós fiscalizamos, cobramos, denunciamos e propomos soluções para as graves mazelas do Recife, mas fui praticamente um exército de um homem só”, desabafou Alcides.

Phillipe Jonathan/Divulgação
Alcides Cardoso também já pediu esclarecimentos sobre licitação da orla de Boa Viagem - Phillipe Jonathan/Divulgação

O vereador analisa que faltaram aliados para se unir a ele na Casa de José Mariano na oposição a João Campos — embora ele tivesse ao lado, somente do seu PL, os vereadores Fred Ferreira e Paulo Muniz.

“Não adianta deixar para discutir o Recife no processo eleitoral. Se não houver uma autorreflexão dos principais atores oposicionistas, o prefeito vai nadar de braçada até deixar o cargo em 2026 para disputar o Governo do Estado, deixando no seu lugar alguém totalmente inexperiente e que só chegou ali por ser amigo de infância, o Recife jamais deveria permitir isso”, disse Alcides.

O professor Ernani Carvalho aponta que João não terá preocupações com a Câmara, especialmente porque muitos dos parlamentares de oposição estarão em seu primeiro mandato. Nessa condição estão nomes que fazem muito barulho nas redes sociais, mas que não têm experiência no “fazer política”, como Gilson Filho (PL), Alef Collins (PP) e Eduardo Moura (Novo).

“O atual formato da Câmara dos Vereadores propicia um segundo governo muito tranquilo por parte de João Campos. Ele tem um capital político tão forte que o custo de transação junto à Câmara vai ser significativamente baixo. A esperança de que a nova geração que entra na Câmara faça uma oposição mais ferrenha, eu não acredito. Até porque são neófitos, são pessoas que ainda vão aprender como funciona a Casa”, afirmou o professor.

E daqui pra frente?

Alcides Cardoso acredita que os vereadores eleitos e reeleitos terão que unir forças para fazer uma oposição forte a João na Câmara. Ele aponta que opositores efetivos precisam fiscalizar obras prometidas pelo prefeito, monitorar gastos no Portal da Transparência e denunciar o mau uso do dinheiro público.

“O Recife não pode abrir mão da fiscalização. Não existe democracia dando voz apenas a um lado”, frisou.

Outra leitura feita pelo vereador é de que a base de apoio da governadora Raquel Lyra e da vice-governadora Priscila Krause (Cidadania) na Câmara diminuiu, mas que o grupo do governo estadual não pode ser subestimado. “Basta ver como foi a disputa em Caruaru”, disse Alcides, se referindo à reeleição do prefeito governista Rodrigo Pinheiro (PSDB).

A chapa do governo, que nessa eleição terminou com Daniel Coelho em quarto lugar, já recalcula a rota em relação à forma de fazer oposição ao prefeito, visto que a estratégia de somente bater em João não teve resultado.

Para o professor Ernani Carvalho, a oposição precisa se organizar para fazer uma oposição robusta durante todo o exercício do mandato para conseguir um resultado efetivo, e não apenas deixar para se posicionar no período eleitoral, como ocorreu em 2024.

“A primeira coisa que a oposição tem que fazer é se organizar enquanto oposição e fazer oposição definitivamente, porque praticamente não houve oposição durante o governo João Campos”, analisou.

Hesíodo Goés/Secom
Raquel Lyra e João Campos lideram grupos políticos antagônicos no Estado e podem fazer disputa direta pelo governo daqui a dois anos - Hesíodo Goés/Secom

No entanto, o professor acredita que João Campos não está preocupado com vigilâncias ou retaliações. “Ele vai seguir com seu projeto político que todo pernambucano sabe qual é: daqui pra frente ele já tem condições de postular o Palácio do Campo das Princesas. Ele só não irá fazer isso se a popularidade e avaliação positiva do governo Raquel subir significativamente. Caso isso não ocorra, ele é claramente um postulante a desafiante”.

Em relação à disputa pelo governo do estado, o deputado Mendonça Filho diz que o jogo não está definido e que 2026 ainda está muito distante.

Embora João tenha obtido uma ampla vantagem na capital e conseguido eleger vários aliados no estado, a governadora também saiu fortalecida da eleição deste ano, ficando no topo do ranking de prefeituras obtidas em Pernambuco — somando nomes do seu partido e siglas aliadas, concretizando que há uma oposição forte ao grupo do PSB no estado.

“De um lado tem um prefeito reeleito com uma margem muito expressiva de votos na capital. Do outro lado, tem uma governadora que saiu forte das eleições, fortalecida em todas as regiões, inclusive na Região Metropolitana. Ao contrário do que muitos diziam, o jogo não está jogado. Está começando agora”, concluiu Mendonça.

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