Dias após a publicação de um polêmico manifesto que apoia o tratamento precoce contra a covid-19 no Brasil, médicos ouvidos pela reportagem do JC reafirmaram nesta quinta-feira (25) o perigo da utilização massiva de drogas que ainda não tiveram a eficácia comprovada contra o coronavírus, inclusive com alertas gerados pela Organização Mundial de Saúde (OMS). O chamado tratamento precoce, que lança mão de medicamentos já existentes no mercado com o objetivo de tratar a doença ainda nos seus estágios iniciais e evitar a disseminação do vírus, é aceito pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), que dá autonomia ao profissional médico para tomar essa decisão.
Neste mês de fevereiro, a Associação Médicos pela Vida, formada por profissionais de todo o Brasil e com sede no Recife, coletou mais de 2 mil assinaturas de médicos que apoiam a aplicação de uma "barreira medicamentosa" contra a covid-19. Esse manifesto foi publicado informe publicitário em vários jornais do País, entre eles o JC. A abordagem ideal, segundo a associação, seria combinar medicações como a hidroxicloroquina, a ivermectina, a bromexina, a azitromicina, o zinco, a vitamina D, além de anti-coagulantes e corticoides.
A infectologista Vera Magalhães escolheu não utilizar os remédios já citados pela falta de comprovação de eficácia. "Na literatura científica não existem estudos consistentes que respaldem o uso do tratamento precoce. Eu não prescrevo, até o momento, porque os estudos não demonstram a eficácia, mas estamos abertos a isso caso surjam estudos. Todo mundo quer tratar a covid, e meus pacientes compreendem que essa [o não tratamento precoce] é a medida mais adequada", relatou.
Por sua vez, a associação defende que as medidas preventivas sejam iniciadas o "mais rápido possível", utilizando uma "combinação de drogas, visando reduzir o número de pacientes que progridem para fases mais graves da doença, diminuindo o número de internações, reduzindo a sobrecarga do sistema hospitalar, prevenindo complicações pós-infecção e diminuindo o número de óbitos".
- Covid-19: ocupação de leitos privados de UTI chega a 72% em Pernambuco
- Após irmãs serem internadas com suspeita de Síndrome de Haff no Recife, médico alerta para cuidados no consumo de peixe
- Covid-19: chegam a Pernambuco mais 82 mil doses da vacina da AstraZeneca
- Pernambuco registra média móvel de mais de 1.300 casos de covid-19 por dia nesta quarta-feira (24)
- Pernambuco recebe mais 48 mil doses de vacina contra a covid-19
- Petrolina anuncia retomada de negociação para compra de vacinas contra covid-19
- Saiba quantas doses do novo lote de vacina da AstraZeneca cada cidade de Pernambuco vai receber
O infectologista Bruno Ishigami recebeu com indignação o conteúdo do manifesto. "Já está muito bem estabelecido que não tem tratamento com eficácia comprovada capaz de evitar que a covid evolua para um caso de maior gravidade. Não tem nenhum estudo que sustente o uso dessas medicações para evitar uma piora do quadro da covid", defendeu.
Para o especialista, os estudos que os médicos pró-tratamento precoce utilizam são contestáveis. "A gente entende a discussão teórica do que eles apresentam, mas só consideramos um tratamento a partir da resposta de estudo clinico, realizado por revistas renomadas. Os dados dessa teoria são sempre de estudos fracos, com desenho mal feito, feito sempre por cientistas que apoiam o tratamento precoce", afirmou.
Entidades como a Organização Mundial de Saúde (OMS), a Associação Médica Brasileira (AMB) e a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), também defendem que, até então, não há comprovação científica de que qualquer medicação possa prevenir a doença ou evitar o agravamento do quadro do paciente.
Permissão para o tratamento precoce
O Conselho Federal de Medicina (CFM) definiu que, na ciência, entre as muitas incertezas sobre o novo coronavírus, ainda não há consenso sobre a utilização dos remédios, e que por isso decidiu manter o que chama de "autonomia médica" para realizar o tratamento que julgar mais adequado para cada paciente. Assim, mesmo sem recomendar, permitiu o uso do tratamento precoce.
Em janeiro, o presidente do CFM, Mauro Luiz de Britto Ribeiro, publicou na Folha de S.Paulo um artigo em que diz que a "politização" atingiu especialidades médicas e grupos ideológicos de médicos, principalmente em relação ao tratamento precoce, e que estes grupos pressionam o conselho para recomendar ou proibir o uso dos medicamentos.
O parecer da organização cita a cloroquina e a hidroxicloroquina, substâncias usadas para o tratamento de doenças como malária e lúpus, como dois medicamentos muito utilizados contra o coronavírus, mas afirma que "não existem até o momento estudos clínicos de boa qualidade que comprovem sua eficácia em pacientes com Covid-19". "
Apesar de haver justificativas para a utilização desses medicamentos, como suas ações comprovadamente anti-inflamatórias e contra outros agentes infecciosos, seu baixo custo e o perfil de efeitos colaterais ser bem conhecido, não existem até o momento estudos clínicos de boa qualidade que comprovem sua eficácia em pacientes com COVID-19", diz o texto.
A cloroquina foi o carro-chefe do governo federal para o combate à pandemia. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido), inclusive, demonstrou, diversas vezes, ser a favor do uso do medicamentos em pacientes com a covid-19. Nesta semana, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), encaminhou ao procurador-geral da República, Augusto Aras, uma acusação apresentada ao Supremo contra o chefe do executivo em razão da difusão da cloroquina.