Na época dos trens em Pernambuco, de meados do século 19 até a década de 80 do século 20, havia 152 estações para embarque e desembarque de passageiros, em todo o Estado. Cinco anos atrás, apenas 86 delas continuavam de pé. Pior ainda: 60% encontravam-se descaracterizadas ou modificadas e 30% exibiam precária conservação.
A antiga Estação Camaragibe, na Região Metropolitana do Recife, faz parte deste grupo. Abandonada, destelhada, sem portas e janelas, tomada por lixo e mato, a edificação está se desmanchando à vista dos moradores do bairro de Alberto Maia. O prédio, comenta a vizinhança, já serviu como prostíbulo e ponto de apoio para usuários de drogas.
“É lamentável uma estação tão bonita e que foi tão útil ao povo, se acabar desse jeito. Deveriam ativar a linha férrea, como fizeram com o Cabo de Santo Agostinho. Não faltaria passageiro, iria desafogar os ônibus e a gente teria mais tranquilidade nas viagens”, declara Severino Galdino, 59 anos. Morador de Camaragibe, ele usava o trem para ir a Carpina, na Zona da Mata, fazer feira.
A professora Neide Maria de Oliveira, 60, tem uma relação mais próxima ainda com o prédio. Filha de um funcionário da Rede Ferroviária Federal (RFFSA), ela morou por 22 anos numa residência conjugada com a estação. “Muito triste ver isso, meu pai era ferroviário em Limoeiro e foi transferido. Como chefe da estação, vivia nessa casa, um das minhas primeiras moradias”, recorda.
O conjunto ferroviário de Camaragibe é composto pela estação, a casa do chefe da estação e um armazém de carga, à margem dos trilhos. A caixa d’água para uso dos trens, com bomba a manivela, não existe mais. Assim como parte dos trilhos. “Os três imóveis precisam de reforma urgente. Saímos da casa quando meu pai se aposentou”, diz Neide Maria.
Em São Lourenço da Mata, município vizinho a Camaragibe, a esplanada reunia armazéns, banheiros, casa do vigia, refeitório e dormitório (demolidos), entre outras edificações. Curiosamente, a velha estação virou a moradia de um ex-funcionário da RFFSA, responsável por manobras de trens e manutenção de linha, há mais de 20 anos.
“Não invadimos, estamos aqui com todos os direitos. Meu esposo tem uma carta de autorização da Rede”, avisa Dulciméria Marcelino Moura Sales. Sem fazer reformas, a família adaptou a estação, que já contava com quartos, a uma moradia.
Dulciméria nasceu em Paudalho, na Zona da Mata pernambucana, e tem a vida ligada ao trem desde pequena. “Passei a infância viajando de trem porque não havia outro meio de transporte do interior para o Recife. Casei com um ferroviário e moro numa estação desativada”, resume. O imóvel, preservado pela família, é cercado por bancos de feira, montados na Rua Frei Caneca.
Numa situação parecida com Camaragibe, a Estação de Jaboatão dos Guararapes é um abrigo para desocupados e se desmonta aos poucos. O imóvel, entre a Estação do Metrô e o Terminal de Integração de ônibus, exala mau cheiro de fezes e urina. “Podiam ocupar o prédio com alguma atividade cultural, integrando o metrô e o ônibus”, sugere Paulo Jorge Ferreira, morador da cidade.
De acordo com a Lei Federal nº 11.483/2007, o patrimônio não operacional da RFFSA está sob gestão do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Frederico Almeida, superintendente do Iphan, informa que a entidade providenciou, de 2007 a 2009, o inventário dos bens móveis (locomotivas, vagões de carga, guindastes, documentos) e imóveis (estações, casas, pontes, viadutos, túneis) de Pernambuco e espera negociar com 64 prefeituras usos culturais e sociais para as edificações.
A Prefeitura de Jaboatão firmou convênio com o Senai para instalar uma escola técnica nas oficinas da RFFSA, junto da estação. “Estamos preservando a estrutura de ferro inglesa dos galpões e as máquinas que estavam largadas no local”, informa o secretário-executivo de Desenvolvimento Econômico e Turismo do município, Luís Carlos Matos.
Com 80% da obra pronta, a escola já oferece cursos de aprendizado para pedreiro, encanador e pintor. Os cursos do Senai – edificações, segurança do trabalho, gestão ambiental, gráfica e ferrovias – serão inaugurados no fim de 2015. O prédio da estação continua à espera de projetos. Camaragibe informa que está tentando conseguir recursos para recuperar a estação e pretende fazer uma praça no entorno do prédio. A promessa é antiga, dizem moradores.