Gestos lança campanha de apoio a mulheres que recorrem ao aborto legal

Previsto em lei, em casos de violência sexual, feto anencéfalo ou risco de morte da gestante, o aborto legal continua sendo rodeado de preconceito
Cidades
Publicado em 06/10/2019 às 10:26
Previsto em lei, em casos de violência sexual, feto anencéfalo ou risco de morte da gestante, o aborto legal continua sendo rodeado de preconceito Foto: Foto: Divulgação/ ONG Gestos


Assim como pessoas que vivem com HIV e aids, mulheres que precisam ou querem fazer o aborto legal – permitido por lei em casos de estupro, feto anencéfalo ou risco de morte da gestante – convivem com estigmas e discriminação. Apesar de haver serviços públicos especializados e preparados para atender gestantes nessa situação, organizações não governamentais (ONGs) mostram que ainda há muito preconceito e desinformação acerca do tema. Tendo o acolhimento como ponto central, a ONG Gestos - Soropositividade, Comunicação e Gênero lançou a campanha Aborto legal: não julgue, acolha, que pretende levar informação e desmistificar a interrupção da gravidez e os direitos das mulheres.

“Essa é uma campanha que fala da importância de se acabar com a discriminação tanto em relação às mulheres que abortam, quanto às pessoas que vivem com HIV e aids. A gente sabe que a sociedade é muito preconceituosa em relação a esses dois temas, mas se não começarmos a garantir que essas pessoas acessem seus direitos livres de estigmas, estaremos reforçando uma condição de violência que elas já sofrem”, explica a coordenadora da Gestos, Alessandra Nilo.

Segundo dados divulgados pela Anis-Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero e levantados pela Gestos, uma em cada cinco mulheres de até 40 anos já interrompeu a gravidez, seja de forma legal ou clandestina. No Brasil, a estimativa da Anis é qu aconteça um aborto por minuto, totalizando 500 mil por ano. Desse total, em média 50% das mulheres precisa de atendimento médico depois. Segundo a Gestos, o tema precisa ser debatido para que mulheres saibam seus direitos e os atendimentos se tornem mais humanizados, sem julgamentos ou questionamentos. “O aborto legal é permitido no Brasil em três situações e, nesses casos, as mulheres têm direito a acessar o serviço de saúde, mas muitas vezes elas não sabem disso”, comenta a assessora de programas da ONG, Juliana Cesar.

“Muitas vezes os serviços legais desinformam. As mulheres os procuram e dão de cara com profissionais que respondem ao
preconceito.” Ainda segundo ela, quanto mais as mulheres souberem sobre o tema, mais fácil será cobrar pelo serviço. “No caso de gestação fruto de estupro, por exemplo, elas não precisam apresentar boletim de ocorrência ou laudo do Instituto de Medicina Legal (IML). Muitas unidades de saúde dizem que é preciso para complicar e fazer com que a mulher desista do procedimento”, registra Juliana Cesar. Outra situação muito relatada, acrescenta, é a chamada objeção de consciência (quando o médico se nega a realizar algum procedimento por ir de encontro a suas crenças ou valores morais) e protela o atendimento para que a gestante passe do tempo permitido para o aborto. “É um absurdo que não pode continuar acontecendo.”

O Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (CisamUPE), na Encruzilhada, Zona Norte do Recife, foi a terceira unidade de saúde a fazer o aborto legal no Brasil. O serviço passou a ser oferecido em 1996. Segundo o gestor-executivo do Cisam, Olímpio Moraes Filho, de lá para cá muita coisa mudou. “Todos os plantonistas são preparados e orientados. Ainda hoje há muita objeção de consciência, mas está melhorando. Há quem se negue e isso é respeitado. O importante é que o acesso da paciente ao serviço não seja obstruído”, assegura o obstetra, acrescentando não permitir prejuízo ou retardo de conduta. “É inadmissível fazer uma mulher passar pelo sofrimento de levar adiante uma gravidez de risco ou contra sua vontade, como nos casos de estupro”, frisa.

Ainda segundo o diretor, além dos casos de anencefalia, abuso sexual e risco de morte, malformações incompatíveis com a vida dão direito ao aborto. No entanto, esta última condição precisa de autorização judicial. De janeiro a outubro de 2018, foram realizados no Cisam 25 abortos legais em mulheres vítimas de violência.

A campanha da Gestos está sendo veiculada nas redes sociais (www.facebook.com/gestospe e www.instagram.com/
gestospe). Cartazes serão espalhados e o apelo também poderá ser visto em ônibus que circulam pela cidade. Discutindo o tema até novembro, Alessandra Nilo espera que a conscientização e o amparo aumentem. “É importante que as pessoas entendam que as mulheres que precisam recorrer ao aborto são mulheres que já estão em situação de sofrimento. Nenhum agravo a esse sofrimento deveria ser permitido. Elas precisam de mais abraços, mais carinho e acolhimento”, destaca a coordenadora da Gestos.

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O estigma e a discriminação são obstáculos para a prevenção e o cuidado em relação ao HIV e à AIDS. O mesmo acontece com o aborto. Não podemos esperar tanto tempo para mudar isso. Acolher quem precisa recorrer ao aborto legal é urgente. Garantir o repouso, livre dos rótulos, a todas essas mulheres e meninas, é mais do que um direito. É uma questão de respeito. #abortolegalnaojulgueacolha

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