A chegada de um novo aplicativo de mobilidade ao Recife está gerando um debate entre setores da sociedade civil e entidades de trânsito da cidade. Conhecido como o 'Uber de motos', por ofertar um serviço de transporte de pessoas, em esquema semelhante ao usado pela empresa norte-americana, o app Picap chegou à capital pernambucana no mês de julho deste ano. A empresa, que opera também no Rio de Janeiro e em São Paulo, já conta com mais de 90 mil usuários e 5 mil motociclistas cadastrados no Brasil. Na Colômbia, base da instituição, o app conta 20 mil colaboradores ativos e 200 mil usuários.
A prática de transporte de pessoas em motos não é regulamentada na cidade e, por isso, causa preocupação aos órgãos públicos de trânsito. De acordo com João Braga, secretário de mobilidade e controle urbano do Recife, o principal temor é com os acidentes de trânsito envolvendo motocicletas. "O grande problema do 'moto-táxi' é porque tem as maiores cifras de acidentes de trânsito aqui no Recife, como em todo o Brasil. O custo é exorbitante para a saúde pública. Quero ver, apenas, se isso contribui ou não contribui para elevar esse índice. Vou me informar mais, saber mais informações destas cidades que já foram implantadas, e analisar isso com todo o cuidado", ponderou o secretário.
Apesar de reconhecer que esse tipo de serviço não é novidade na cidade, já que o transporte de moto-táxi é utilizado informalmente nas periferias, o secretário teme que, com a regulamentação, o número de acidentes aumente. "O sistema existe, embora não seja regulamentado. Eu conheço bem os bairros do Recife. Essas comunidades mais pobres, como o serviço público não chega em cima dos morros, eles fazem o trabalho complementar como transporte público. O que mais me preocupa nisso é a segurança, do próprio moto-táxi e também do seu usuário", afirmou.
Diogo Travasso, CEO do aplicativo no Brasil, rechaça a ideia de que o app proporcione perigo aos seus usuários. Segundo o gestor, existem meios para que a atuação de seus colaboradores seja monitorada e avaliada, evitando, assim, algum tipo de irregularidade que ponha a vida do usuário em risco. "A gente sabe por onde passou (o motociclista), assim como outros aplicativos de transporte fazem. Essa parte de mobilidade tem muito essa preocupação de saber se já teve algum acidente de trânsito, por exemplo, se dirigiu alcoolizado. Esse tipo de coisa a gente não pode aceitar na nossa plataforma", garantiu. "Se tiver algo grave, algo que fira a segurança de alguma maneira, pode acontecer suspensão ou a exclusão de algum parceiro da plataforma", finalizou Travasso.
Dados da Secretaria Estadual de Saúde (SES) apontam que dos 39.608 acidentes de trânsito com vítimas registrados em 2018, em Pernambuco, 28.850 tiveram envolvimento de motociclistas. Esse número representa 72,8% dos casos de acidente em todo o Estado. Ainda de acordo com o SES, 70% dos acidentados são do sexo masculino e pertenciam à faixa etária entre 20 e 29 anos.
Em comparação ao ano de 2014, quando ocorreram 26.976 acidentes envolvendo motociclistas, foi registrado um aumento de mais de dois mil acidentes. O ano de 2017 foi o que teve a maior incidência de ocorrências deste tipo, com um total de 31.327 casos. Confira a tabela abaixo:
Apesar de não regulamentado, o secretário João Braga afirmou que os motociclistas que trabalham com o aplicativo não estão sendo multados. "Hoje, é um transporte não reconhecido. Não é feito aquele embate, porque a gente conhece esse serviço, sobretudo, nos bairros mais populares. Então, esse embate e a fiscalização mais rigorosa, uma multa, a apreensão do equipamento, a gente não tem feito", explicou.
Para atuar na cidade, mesmo sem uma lei específica, o CEO da Picap alega estar acobertado por leis federais. "A gente se pauta em duas regulamentações federais. No âmbito federal, tanto o modal em questão é regulamentado, quanto o serviço de transporte privado de passageiros e o agenciamento de transporte. A gente está bastante regulamentado no âmbito federal", afirma.
No Brasil, de fato, existem duas leis que falam sobre esse tipo de serviço. A Lei Federal Nº 12.009, de 29 de julho de 2009, estabelece regras gerais ao exercício de atividades em transportes de passageiros, incluindo o serviço de "moto-táxi", e dispõe sobre regras de segurança para a regulação. Já a Lei 12.587, que fala sobre o transporte remunerado privado individual de passageiros por aplicativo, transfere para os municípios a responsabilidade de regulamentar e fiscalizar esse tipo de serviço - sem proibir o funcionamento deles.
Mesmo alegando estar resguardado por uma lei federal, a Picap procurou regulamentação junto à Prefeitura do Recife, informou João Braga. "Eles nos procuraram, mostraram suas experiências e dados, não aprofundados ainda, do México, de Bogotá e do Rio de Janeiro. Vamos aguardar e ver se é importante ou não ter esse serviço regulamentado ", contou o secretário.
De acordo com Diego Travasso, a receptividade dos usuários na capital pernambucana está sendo acima da expectativa. Segundo o CEO, na cidade, a quantidade de corridas está crescendo a cada semana. "Recife foi uma cidade que abraçou a gente rápido demais. Acho que ficou bem evidente a necessidade de soluções de mobilidade para a região. O Recife mostrou uma baita receptividade tanto dos motociclistas, buscando uma renda extra e uma oportunidade conseguir sustentar a família, tanto para o passageiro, que enfrenta muito congestionamento, muito trânsito", ponderou.
Polliany Jennyfer, 23 anos, construtora, é uma das novas adeptas do aplicativo. Ela contou à reportagem do JC que já utilizou o app quatro vezes e elogiou a iniciativa. "É ótimo. Todos os motociclistas foram super tranquilos e confiáveis. Não tive problema algum", relatou. Ela também fez questão de evidenciar o fato econômico do aplicativo, que, segundo ela, é mais barato que os serviços disponibilizados por carros. "É muito barato. Do meu trabalho, na Agamenon Magalhães, no Centro do Recife, para minha casa, em Bairro Novo, Olinda, de Uber custa R$ 26. No Picap, paguei R$ 10", afirmou.
Apesar de ter aprovado o novo serviço, a construtora aponta também pontos negativos no funcionamento do mesmo. De acordo com ela, a não disponibilidade de pagamento no cartão - o app só aceita pagamentos em dinheiro - e a precisão da localização do GPS dificultam o uso do app.
O mesmo alega a consultora de venda Isis Vila Nova, de 27 anos. Para a ela, a dificuldade em visualizar onde está o motociclista é algo a ser melhorado. Apesar do questionamento, Isis aprovou o serviço. "A experiência foi muito boa, o motociclista pilotou direito. A corrida custou 60% do valor do Uber e não fiquei presa no trânsito. Foi muito boa a experiência", afirmou.
*Colaborou: Leandro Oliveira, da TV Jornal