"De uma hora para a outra, ninguém mais quebrou o braço caindo, brincando ou porque estava jogando futebol. Ninguém mais quebrou a perna porque estava fazendo a laje. Todo mundo chegava dizendo que tinha sofrido acidente de moto. Ou seja, era uma enorme fraude. Era uma fraude generalizada que onerava muito". Esta é a opinião do médico João Veiga sobre a medida provisória assinada pelo presidente Jair Bolsonaro nessa segunda-feira (11), que extingue o Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT).
O comentário foi feito durante entrevista do médico ao programa Passando a Limpo, da Rádio Jornal, na manhã desta terça-feira (12). João Veiga comenta que havia enviado uma carta para o Ministério da Saúde criticando o seguro DPVAT e falando sobre as fraudes. Ele relata que, nas principais emergências do Estado, como o Hospital da Restauração e o Otávio de Freitas, os pacientes alegavam sempre que haviam sofrido acidentes de trânsito.
Para dar entrada no seguro DPVAT, a vítima de acidente de trânsito precisa ter em mãos alguns documentos. No caso das despesas médicas, é preciso que seja preenchido um formulário de pedido do seguro, além de boletim ou registro de ocorrência policial, que é um documento oficial emitido por um órgão competente para registro de acidente de trânsito com vítima. A pessoa ainda tem que apresentar documentos de identificação pessoal, notas fiscais, faturas, cupons fiscais e recibos originais, comprovando o pagamento das despesas com farmácia, materiais médico-hospitalares, exames, fisioterapia ou fonoaudiologia. É pedido um laudo do Instituto de Medicina Legal (IML) informando o tamanho das lesões físicas e psíquicas da vítima e o seu estado de invalidez permanente (se for o caso). O DPVAT exige um boletim de atendimento médico hospitalar e um relatório de tratamento.
"Se o paciente chegar nos nossos hospitais da rede pública dizendo que foi uma fratura de moto ou de jogo de futebol, ele vai ser tratado do mesmo jeito. Só que não vai onerar mais para a população (com a extinção do DPVAT). Além do tratamento dele ser a mesma coisa, ainda dar um dinheiro, sem nenhuma perícia. Só bastava o doente dizer", explica. João Veiga ainda pondera que a medida deveria ser revista e defende a existência de perícia médica, anterior ao pagamento do dinheiro do seguro.
"O que não pode é isto. E nós médicos participamos de uma fraude dessa. A gente sabe que não é, mas não pode dizer porque não somos médicos peritos. Eu acho que essa medida foi correta", completa. "As pessoas vão ser atendidas do mesmo jeito só não vão ganhar o bônus em dinheiro para continuar o tratamento. O que está acontecendo? A pessoa recebe o dinheiro e continua fazendo o tratamento no SUS do mesmo jeito. Ele não pega aquele dinheiro e vai para o privado. Eles recebem o seguro e continuam o tratamento no SUS", afirma.
O seguro DPVAT foi criado em 1996 e garante indenização por morte, invalidez permanente ou reembolso de despesas médicas para pessoas que sofreram acidente de trânsito. Os valores de até R$ 13.500 (nos casos de morte ou invalidez permanente, por exemplo) são pagos a qualquer cidadão acidentado, seja ele pedestre, motorista, ciclista ou motociclista. 45% da receita arrecadada pelo seguro é destinada ao SUS e 5% para o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), para investimentos na prevenção de acidentes. Em 2018, o SUS recebeu R$ 2,1 bilhões e o Denatran, R$ 233,5 milhões. Nos últimos 11 anos, o valor foi de R$ 37,1 bilhões.
O seguro DPVAT e o Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Embarcações ou por suas Cargas (DPEM) serão extintos a partir do ano que vem. Os acidentes ocorridos até 31 de dezembro de 2019 seguem cobertos. Em nota, o Planalto avaliou que a medida tem potencial de evitar fraudes. A extinção, por outro lado, não significa que os cidadãos, em caso de acidentes, ficarão desamparados, explicou o governo. Isso porque os pacientes continuam sendo atendidos no Sistema Único de Saúde (SUS).
"Para os segurados do INSS, também há a cobertura do auxílio-doença, aposentadoria por invalidez, auxílio-acidente e de pensão por morte. E mesmo para aqueles que não são segurados do INSS, o Governo Federal também já oferece o Benefício de Prestação Continuada – BPC, que garante o pagamento de um salário mínimo mensal para pessoas que não possuam meios de prover sua subsistência ou de tê-la provida por sua família, nos termos da legislação respectiva", disse o governo, em nota.
Segundo a empresa gestora do DPVAT, a Seguradora Líder, somente no primeiro semestre deste ano foram pagas:
18.841 indenizações por morte;
103.068 indenizações por invalidez permanente;
33.123 indenizações para despesas médicas.
Em Pernambuco, segundo a Seguradora Líder, nos seis primeiros meses de 2019 foram pagas:
844 indenização por morte;
5.519 indenizações por invalidez permanente;
1.352 indenizações para despesas médicas.