Atualizada às 17h04
Os sinais estavam ali o tempo todo. Camuflados por um ciúme excessivo. Por um cuidado que extrapolava a lógica e a razão. Ciúme obsessivo, para usar exatamente o termo definido por amigos e vizinhos de Maria Alice Seabra, a jovem de 19 anos que gostava de desenhar e sonhava em ser livre. O ciúme do padrasto, que ela sempre chamou de Gildo, nunca de pai, a fazia se sentir numa prisão. Num quartel, como ela costumava falar. Tinha medo dele. Ou do ciúme dele. Na última conversa com uma de suas melhores amigas, a menina de sorriso doce disse que nunca esteve tão feliz. “Pela primeira vez, vou poder ser livre de verdade. Vou conseguir um emprego e sair de casa”, contou, comemorando o que ela acreditava ser uma nova fase de sua vida.
Por duas vezes, Alice foi embora. Saiu de casa para ir morar com parentes. Por duas vezes, quis fugir do padrasto. Na última, no Carnaval deste ano, sentiu o cheiro da tragédia que parecia rondar a casa de portão branco e primeiro andar onde morava com a mãe Maria José, o padrasto e a irmã mais nova, de 11 anos, no bairro da Estância, na Zona Oeste do Recife.
Era Sábado de Zé Pereira. Alice, Gildo e a mãe brincaram o Galo da Madrugada. Na volta para casa, Gildo Xavier se alterou novamente com ciúmes de Alice. Tentou bater na mãe, a filha interviu. Ele tentou esganá-la. A menina correu de casa com uma serra de pão na mão para se defender do padrasto. Chegou chorando e pedindo socorro na casa de uma vizinha. Foi se esconder no banheiro. Ficou trancada lá com medo que Gildo fosse atrás dela. “Não conta para ele que estou aqui”, disse à amiga que lhe abriu a porta. Só saiu de lá quando a mãe chegou aos prantos. As duas choraram juntas no quintal da vizinha.
Como da primeira vez que saiu de casa, Alice voltou por causa da mãe. “Ela gostava muito da filha. Ligou chorando, pedindo que ela voltasse. Ele pediu perdão. Disse que ia controlar o ciúme, que isso não ia acontecer mais. Ela decidiu voltar”, conta Lilian Araújo, 19, uma das melhores amigas de Alice. As duas estudavam juntas desde a 5ª série. A amizade continuou após o fim do ensino médio. “Alice adorava desenhar. Tinha um caderno com desenhos lindos, era muito estudiosa, inteligente, uma menina muito especial”, diz a amiga. Uma vez, Alice falou para Lilian que queria fazer arquitetura. Mas achava que precisava se preparar mais, antes de enfrentar as provas do Enem. “Ela era assim. Muito determinada. Agora ela só pensava em trabalhar, sonhava com essa independência. Em ser dona do próprio nariz”, diz.
Alice não gostava quando Gildo bebia. O ciúme ficava ainda pior. Ainda mais doentio. As amigas estranhavam. Ele não deixava ela sair de casa sozinha. Ia levar e buscar a menina na época dos trabalhos do colégio, ficava esperando na porta da igreja quando a jovem ia participar de encontro de jovens. Os vizinhos também achavam um exagero aquele ciúme desmedido. “Pela forma como ele se comportava, acho que era obcecado pela menina. Só podia ser”, comenta a diarista Luciana Souza dos Santos, 51, vizinha de Alice. Ontem, diante do horror, vizinhos e amigos continuavam incrédulos. Inconformados por ver que o pior pesadelo havia se transformado em realidade.