A Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou nesta segunda-feira (1) que a epidemia de zika vírus, suspeita de causar malformações congênitas, representa "uma emergência de saúde pública de proporções mundiais". Além disso, a organização declarou a microcefalia como emergência internacional.
"Nós devemos agir", afirmou a diretora da OMS, Margaret Chan, durante coletiva de imprensa após uma reunião excepcional do comitê de urgência.
A OMS considerou que uma relação "altamente suspeita" entre este vírus e uma alta inédita na América Latina no número de casos de microcefalia, uma malformação congênita em crianças que nascem com uma cabeça e um cérebro anormalmente pequenos.
A agência da ONU decretou que esta situação é um "estado de emergência sanitária mundial".
"Todos concordaram com a necessidade de coordenar os esforços internacionais para investigar e compreender melhor esta relação", declarou Chan.
A agência da ONU parece preocupada em fazer esquecer a crítica relacionada com sua resposta - considerada muito lenta por muitos - ao recente surto de ebola na África.
"Os especialistas acreditam que a extensão geográfica das espécies de mosquitos que podem transmitir o vírus, a ausência de vacinas e testes confiáveis e a falta de imunidade da população nos novos países afetados (...) são causas adicionais para preocupação", continuou Chan.
A OMS alertou na semana passada que o zika vírus está se espalhando "de maneira explosiva" nas Américas, com 3 a 4 milhões de casos esperados em 2016.
O zika também pode estar associado à síndrome neurológica de Guillain-Barré (GBS), uma condição rara que causa paralisia.
Tal como a dengue e a chikungunya, o zika - que leva o nome de uma floresta em Uganda, onde foi visto pela primeira vez em 1947 - é transmitido pela picada do mosquito 'Aedes aegypti' ou 'Aedes albopictus' (mosquito tigre). Seus sintomas comuns são febre baixa, dores de cabeça e erupções cutâneas.
A OMS se absteve até o momento de desencorajar viagens para países afetados pelo zika, apenas indicando que a melhor maneira de evitar a infecção é ficar longe da água parada onde os mosquitos proliferam e utilizar repelentes.
MICROCEFALIA - A OMS recomenda a governos de todo o mundo adotar uma política de vigilância máxima. Mas optou por evitar incluir o vírus no alerta diante do número elevado de pessoas infectadas, mas sem qualquer impacto. O Brasil insiste que a relação existe. Mas a OMS argumenta que ainda precisa de provas científicas, uma posição que, conforme o jornal "O Estado de S. Paulo" revelou com exclusividade na semana passada, já causou polêmica entre o governo brasileiro e a entidade internacional.
A constatação é de que a microcefalia e desordens neurológicas, pela explosão de casos no Brasil, já seriam uma "emergência de saúde pública de preocupações internacionais" pelo potencial que tem de também acabar afetando outras regiões.
Até hoje, apenas as doenças H1N1, pólio e ebola receberam tal status. Isso significa que ela vai exigir uma coordenação internacional e que existe um risco de proliferação. A partir de agora, a OMS vai lançar um apelo internacional por recursos para financiar novas pesquisas e tentar determinar a relação entre o vírus e a má-formação. Mas, de forma imediata, a entidade sugere uma série de medidas para tentar conter a proliferação do mosquito.
As medidas não vão incluir a restrição de viagens ao Brasil e de outros países afetados. Mas a OMS sugere que mulheres grávidas tomem medidas extras para se proteger contra mosquitos.
Uma das preocupações da OMS era a de criar um padrão global para dar uma resposta ao problema, evitando que governos adotem medidas extremas, como a de sugerir a seus cidadãos a evitarem os Jogos Olímpicos do Rio ou qualquer cidade brasileira.
Fontes na OMS admitiram que, em poucos meses, o vírus passou de "suave" para "alerta" e o zika vírus já está em Grau 2 de emergência, numa escala de zero a três.
Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), entre 3 milhões e 4 milhões de pessoas poderiam ser contaminadas pelo vírus em 2016 nas Américas. Mas a OMS hesita em chancelar a projeção. Ao jornal, o chefe do Departamento de Surtos da entidade, Bruce Aylward, admite que o zika vírus é "um teste de uma nação" para o Brasil e pede "maturidade" a grupos políticos e atores da sociedade brasileira para superar o desafio.
A constatação ainda é de que os casos vão se espalhar para novos países e regiões. A entidade estima que o vírus pode ser registrado em casos locais no sul da Europa a partir da primavera no Hemisfério Norte.
DEMORA - O vírus foi descoberto em Uganda em 1947 e os primeiros casos em humanos aconteceram na Nigéria em 1954. Em 1977, ele foi registrado no Paquistão e, 20 anos mais tarde, na Micronésia. A Polinésia Francesa foi alvo de um surto em 2011 e, agora, a OMS estima que todo o continente americano será afetado.
Apesar da decisão de hoje, no Journal of the American Medical Association, cientistas criticaram a OMS por não terem aprendido as lições do ebola. O temor dos cientistas é de que, mesmo que uma vacina esteja pronta em dois anos, sua chegada ao mercado pode levar uma década.
Num artigo assinado, Daniel Lucey e Lawrence Gostin apontam que o fracasso da OMS em agir levou a milhares de mortes pelo ebola na África. O mesmo cenário poderia ocorrer se uma ação imediata não for tomada.
"Ainda que o Brasil, Opas e o CDC (Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos) tenham agido rapidamente, a sede da OMS até agora não tem sido pró-ativa, dando espaço para potencial ramificações", concluíram.