Crítica: 'Temporada' mergulha no descobrimento dos afetos cotidianos

Dirigido por André Novais Oliveira e estrelado por Grace Passô, 'Temporada' venceu o Festival de Brasília e estreia nesta quinta-feira
Rostand Tiago
Publicado em 16/01/2019 às 11:07
Dirigido por André Novais Oliveira e estrelado por Grace Passô, 'Temporada' venceu o Festival de Brasília e estreia nesta quinta-feira Foto: Foto: Divulgação


Subir por ladeiras enquanto o sol bate na pele, tomar um copo d’água, ver gente e falar com gente. Não apenas personagens como elementos narrativos, mas gente, como se diz por aí, real. Esse é o cinema do mineiro André Novais Oliveira, expresso agora em seu novo longa, batizado de Temporada, vencedor do último Festival de Brasília e com estreia marcada para esta quinta-feira no Cinema da Fundação Joaquim Nabuco. É com esses retratos que Novais traz um belo registro do fluxo da vida suburbana brasileira e suas pequenas grandes lutas, sempre naturalista, raramente melodramático.

A condução disso tudo está com Juliana (Grace Passô), que sai do interior de Minas ao ser aprovada em um concurso para trabalhar na vigilância sanitária em bairro periférico de Contagem, na Região Metropolitana. Ela divide seu tempo entre as andanças pelo bairro em ações de combate à dengue – existe atividade mais brasileira que essa? – com a organização de sua nova casa, além de ir construindo relações com seus novos companheiros de trabalho e vizinhos. Durante esse tempo, Juliana ainda aguarda o marido, que, segundo seus planos, deve chegar logo para acompanhá-la em seus novos rumos.

A partir disso, Temporada é uma narrativa de transformação de um não-lugar em um lugar, um lar. É também uma jornada sobre o processo de conversão de pessoas desconhecidas em afetos, que dão amparo ao sentimento de se pertencer a um espaço.
Algo que parece nunca ter sido concedido plenamente a Juliana, certamente impactando no processo de conhecimento de sua identidade, impossibilitando-a de colocar pra fora inquietações presentes durante toda sua vida. É a descoberta de uma casa que talvez seja mais casa do que o lugar de onde se vem.

Toda essa potência é concretizada na forma em que as pessoas que habitam aquele mundo são palpáveis. Entre atores profissionais e não-atores, é difícil acreditar que as conversas e interações fazem parte de um roteiro, de tão documental que soa.
A começar pela poderosa Grace Passô, dona de silêncios tão reveladores quanto seus raros desabafos, escondidos em uma carcaça tímida, e de olhares que vão da doçura à melancolia com a mesma força. Assim também é o Russão vivido pelo rapper Russo Apr, que consegue trazer malandragem e comicidade sem cair na caricatura, carregando seus conflitos de uma forma incrivelmente leve.

Pertencendo aos espaços

A direção de Novais não é só bem sucedida nesse tratamento com as pessoas, mas também com o espaço. Não poderia ser diferente, com André filmando em sua cidade e seu bairro. Utilizando muitas vezes planos abertos e em profundidade, sua câmera também vive acompanhando as andanças pelas ruas, atividade que os personagens mais fazem nas quase duas horas de filme. Há o domínio da geografia, sabendo onde colocar cada pessoa na rua para que ocupe o espaço certo no drama, mas também há a descoberta dessa mesma geografia, já que nossa âncora é uma mulher desbravando aquele bairro.

Entretanto, não é apenas o bairro um lugar a ser descoberto e a fazer Juliana se descobrir, mas sua residência também desempenha essa função, em um microcosmo dotado de vazios que vão sendo preenchidos aos poucos. Lá funciona, ainda, como outro recanto de calmaria e introspecção, sendo também palco de guinadas e desabafos na trajetória, com paredes simples, fugindo de qualquer estilização puramente dramática, uma residência que aos poucos vai se transformando em lar.

Assim é Temporada, necessário ao trazer as mais poderosas empatias em gestos, olhares e conversas que, de tão corriqueiras, conseguem ser poéticas sem se forçar a ser. Um cinema que pauta a vivência brasileira comum não em uma escancarada tensão social e política, por mais que ela exista por aí. Mas, sim, na construção do dito “cidadão comum” com um olhar muito mais dentro de lutas internas do que em desafios de existência.

Essa coisa chamada de brasileiro nunca será possível de ser colocada por inteiro em qualquer história, mas os fragmentos mais autênticos de suas vidas podem e André Novais faz isso com maestria.

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